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Starship pode contaminar superfície da Lua, aponta estudo

Estudo sugere que a Starship pode contaminar depósitos de gelo da Lua, ao lançar cerca de 10 t de água por pouso/ascensão

19/07/2024 às 11:30

Embora a NASA tenha adiado o pouso da missão Artemis III na Lua para 2026, os planos continuam a todo vapor, especialmente do lado da SpaceX, que se prepara para conduzir mais testes com a Starship, que está quase operacional.

Porém, um estudo recente pode colocar água no chope do bilionário Elon Musk: a Starship arrisca não ser autorizada a pousar na Lua, por risco de contaminação dos depósitos de gelo presentes no satélite, que devem ser preservados.

Estudo sugere que plumas de exaustão da Starship podem despejar até 10 t de água na Lua, por pouso/ascensão (Crédito: Divulgação/SpaceX)

Estudo sugere que plumas de exaustão da Starship podem despejar até 10 t de água na Lua, por pouso/ascensão (Crédito: Divulgação/SpaceX)

Starship pode não pousar na Lua

O artigo (cuidado, PDF) é resultado de um estudo conjunto entre pesquisadores da NASA e da Universidade Johns Hopkins, a ONG Space Science Institute, e a empresa de consultoria e serviços DeepSpace Technologies. A preocupação do grupo repousa no fato de que o módulo principal da Starship precisa de uma quantidade enorme de energia para pousar e ascender.

Mais especificamente, o problema seria as plumas de água que a nave libera em cada procedimento, que poderiam contaminar os rególitos gelados superficiais observados pelo LAMP (The Lyman Alpha Mapping Project), o espectrômetro de ultravioleta profundo da missão Lunar Reconnaissance Orbiter (LRO).

A pesquisa teve como objetivo comparar o impacto na superfície lunar das missões Apollo, com o calculado da Artemis, em específico o pouso da Starship, além de outras missões em que o lander de Itu possa ser usado, e os resultados não estão agradando.

Os rególitos são a camada solta de material que cobre a Lua, geralmente bem fino e considerado residual. Esse material é heterogêneo, ou seja, composto por vários elementos diferentes, e um deles é gelo, concentrado principalmente nas Regiões Permanentemente Sombreadas (PSRs), que nunca são banhadas pelo Sol, no polo sul.

As plumas de exaustão de um lander, ejetadas para desacelerar na manobra de pouso, e lançar o veículo de volta ao espaço, são compostas principalmente por água, que tendem a se acumular nos polos, sendo adicionadas aos rególitos nas PSRs. A NASA, ao realizar o estudo, queria identificar o grau de risco da Starship, que é muito maior que a Águia (15 t vs. 150 t, a segunda com carga total), de contaminar esses depósitos.

O estudo concluiu que, embora o lander LM-5 Eague das Apollo também ejetasse água, a quantidade foi considerada insignificante para comprometer o ambiente, enquanto o foguete do Musk lança até 10 t do líquido e partículas de gelo a cada manobra, seja pouso ou ascensão.

A análise do LAMP sugere que entre 1% e 2% dos rególitos lunares são compostos por gelo, o que poderia se converter em até 60 t de água, uma reserva importante que futuras missões permanentes poderão usar, e deverão, para consumo e produção de oxigênio e hidrogênio, para habitats respiráveis e combustível.

Voltando à Starship, o material lançado pela nave na Lua acabaria encontrando seu caminho até as PSRs, se misturando às reservas até então descontaminadas, e sabe-se lá o que mais os tanques da nave da SpaceX poderiam levar daqui para lá. Mesmo que a água fosse limpa, a NASA não pode, e não vai, permitir que os rególitos congelados sejam comprometidos.

A água deixada pela Águia, ou lander LM-5 Eagle, não representa risco de contaminar os rególitos lunares, segundo a NASA (Crédito: Neil Armstrong/NASA Apollo Archive)

A água deixada pela Águia, ou lander LM-5 Eagle, não representa risco de contaminar os rególitos lunares, segundo a NASA (Crédito: Neil Armstrong/NASA Apollo Archive)

O estudo é categórico ao dizer que a Starship pode "reduzir ou destruir nossa habilidade de entendermos a origem natural dos rególitos congelados" da Lua, mas primeiro os pesquisadores terão que comprovar que as tais reservas existem, e mais importante, podem ser exploradas de modo eficiente.

A preocupação inicial dos pesquisadores está no que chamaram de "contribuição antropogênica", um termo rebuscado para dizer "contaminação humana", que poderia anular quaisquer chances de identificar de onde esse gelo lunar veio, se foi depositado por ventos solares, ou se acabou na Lua vindo em meteoroides que colidiram no passado.

Se o gelo lunar puder ser explorado, a Starship pode simplesmente não ser autorizada a pousar na Lua, visto que não há a menor possibilidade de permitir um bólido contaminar e bagunçar a superfície lunar, o que em último caso criaria um problemão para Elon Musk: s SpaceX não tem outro lander funcional.

Com o Congresso dos Estados Unidos forçando a NASA a usar o SLS da Boeing a todo custo, o foguete mais poderoso do mundo foi rebaixado à condição de lander secundário, e será usado em uma manobra bem esquisita:

  1. A Starship sobe vazia e será abastecida em órbita. Enquanto isso, o SLS lança a cápsula Orion rumo à estação Gateway;
  2. Ao chegar, a Starship se acopla à estação, para que os 3 astronautas da Orion embarquem, e sigam para a Lua;
  3. Na volta, a Starship decola da Lua, se acopla de novo à Gateway, os astronautas voltam para a Orion, que segue para a Terra;
  4. A Starship volta para a Terra vazia.

Na possibilidade (remota, mas vai que...) da Starship não ser autorizada a pousar na Lua, o foguete acabaria excluído do programa, e por consequência a SpaceX também, por não ter nada similar. A NASA também não tem nada próprio, o lander Altair foi cancelado com todo o programa Constellation, a única coisa salva foi a cápsula Orion, e teria que se virar com outro projeto privado.

Que seria um cenário benéfico à Blue Origin, do também bilionário Jeff Bezos.

Arte conceitual do lander Blue Moon em escala, após revisão (Crédito: Divulgação/Blue Origin)

Arte conceitual do lander Blue Moon em escala, após revisão (Crédito: Divulgação/Blue Origin)

Em maio de 2023, a concorrente da SpaceX garantiu um contrato com a NASA, para a construção do lander Blue Moon como alternativa à Starship, um acordo ganho basicamente após muita birra, logo após fechar o lançamento da missão CAPSTONE ainda em 2024.

Não dá para ignorar que a Blue Origin nunca mandou nem um parafuso ao Espaço de verdade, mas em um cenário onde a Starship não puder ser usada, o Blue Moon seria a única opção restante. Ele não é um projeto 100% da companhia aeroespacial de Bezos, ele é construído em consórcio com Boeing (claro), Lockheed Martin, Draper, Astrobotic e Honeybee Robotics.

O problema, até o momento o Blue Moon só deu as caras como uma maquete, enquanto a Starship já voou várias vezes, Musk só precisa aparar algumas arestas.

Não dá para prever o que pode vir dos futuros estudos sobre os rególitos congelados na superfície lunar, e este não é um caso de má vontade para com Musk e a SpaceX por parte da NASA (já há o suficiente dela). A agência está sendo precavida, para garantir que o ambiente não seja perturbado e possa ser estudado, e claro, devidamente explorado.

No mais, Musk deveria considerar a construção de um módulo de pouso mais comedido, só por precaução.

Referências bibliográficas

FARRELL, W. M., PREM, P., HURLEY, D. M. et al. Possible Anthropogenic Contributions to the LAMP-observed Surficial Icy Regolith within Lunar Polar Craters: A Comparison of Apollo and Starship Landings. The Planetary Science Journal (2024), Volume 5, Edição #5, 13 páginas, 1.º de maio de 2024. DOI: https://doi.org/10.3847/PSJ/ad37f5

Fonte: Popular Science, Space.com

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