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Ariane 6: primeiro lançamento teve um "pequeno" problema...

Foguete Ariane 6 da ESA cumpriu quase todos os objetivos, mas estágio superior é perdido e ficará em órbita por décadas, até cair na Terra

12 semanas atrás

Com dois anos de atraso, a Agência Espacial Europeia (ESA) finalmente lançou o Ariane 6, seu foguete dedicado ao lançamento de satélites e cargas em órbita baixa (LEO), para atender aos interesses da União Europeia (UE), principalmente o de recuperar a soberania na exploração espacial.

Projetado inicialmente para ser mais barato que seu antecessor Ariane 5, revisões no projeto e injeções de capital extra fizeram com que o Ariane 6 saísse tão caro quanto o Ariane 5 (aproximadamente 150 € milhões por missão, contra 75 € milhões da ideia original), e como se não bastasse, a missão inaugural não foi perfeita, já que o estágio superior foi basicamente perdido em órbita, ao invés de fazer uma reentrada controlada.

Foguete Ariane 6 da ESA é lançado ao espaço da plataforma de lançamento em Kourou, na Guiana Francesa (Crédito: Divulgação/ESA)

Foguete Ariane 6 da ESA é lançado ao espaço da plataforma de lançamento em Kourou, na Guiana Francesa (Crédito: Divulgação/ESA)

Ariane 6: missão dada é missão incompleta

O primeiro lançamento do Ariane 6, realizado nesta terça-feira (9) às 16:00, horário de Brasília (sim, teve uma hora de atraso), se deu praticamente um ano depois da última missão do Ariane 5, no que durante este período a UE ficou sem absolutamente nada para conduzir seus lançamentos, no que teve que recorrer, contrariada, a contratar a SpaceX do bilionário Elon Musk, inclusive para a expansão da rede de geoposicionamento GALILEO, no que pela primeira vez seus satélites foram lançados fora do continente europeu (e sim, a Guiana Francesa faz parte).

Não é segredo que a UE e a ESA detestam Musk, principalmente porque a SpaceX não realiza concorrência desleal; pelo contrário, a empresa segue todos os parâmetros e exigências, e concorre com plataformas de lançamento mais do que estabelecidas, pelos menores preços.

Ainda assim, depender do Falcon 9 para lançar cargas europeias foi considerado uma "crise sem precedentes" por Thierry Breton, comissário para Mercado Interno da UE, que vive batendo em Musk no que tange às suas presepadas com o X. A chegada do Ariane 6 promete resolver esse problema, no que a ESA e o bloco confiam piamente que ele garantirá "total soberania" nas missões.

Ao mesmo tempo, a UE também quer oferecer o Ariane 6 como um sério concorrente do Falcon 9 para clientes externos que preferem fechar com a SpaceX na Europa, visando posicionar a Arianespace como "protagonista" no setor aeroespacial. Tecnicamente o foguete é respeitável, com capacidade máxima de 10,35 toneladas no modelo A62, para cargas médias, e até 21,65 t no modelo A64, para pesadas, ambos em órbita LEO; em geoestacionária, respectivamente 4,5 t e 11,5 t.

O Ariane 6 usa um motor Vulcain 2.1, com impulso máximo de 1.370 kN, e suporta a instalação de dois a quatro boosters auxiliares; no lançamento inaugural, a ESA usou dois, com impulso total durante a ascensão de 8,4 mil kN. O lançamento em si correu muito bem, o que inflamou os ânimos de todos os envolvidos (veja a partir de 59:00):

Considerando que o projeto do Ariane 6 consumiu mais de US$ 4 bilhões (dados estimados, a ESA e a UE não divulgam informações oficiais), é compreensível que todo mundo tenha ficado muito animado, principalmente a ala política do bloco europeu, por não ter que depender de Elon Musk e a SpaceX para nada, porém, assim como aconteceu com a cápsula Starliner da Boeing, o lançamento teve sua cota de problemas.

Parte da carga de testes foi lançada normalmente, consistindo em um simulador de massa, cubesats de vários clientes, e um módulo da NASA, para estudar ondas de rádio emitidas pelo Sol, todos posicionados de acordo. O último estágio da missão consistia em liberar duas cápsulas de reentrada, uma da ArianeGroup e outra da startup europeia The Exploration Company, em uma órbita mais alta, que seria alcançada após a separação do último estágio.

Uma das vantagens do motor Vinci, presente no estágio superior, é que ele pode ser desligado e reativado, permitindo o lançamento de cargas em altitudes distintas, no que ele funcionou corretamente nos dois primeiros acionamentos. Ele conta também com o suporte de um APU, ou Unidade Auxiliar de Propulsão, para auxiliar em sua missão.

Quando chegou a hora de usar o conjunto para alcançar a órbita mais alta, lançar a última parte da carga, e iniciar a manobra de reentrada controlada, o APU ligou, e então desligou, e ninguém sabe o motivo. Sem ele o Vinci não liga, e a terceira queima, projetada para principalmente desacelerar o estágio superior, a fim de conduzir uma reentrada para um mergulho no Oceano Pacífico, não aconteceu.

O motor Vinci do estágio superior do Ariane 6 funcionou direitinho, mas o APU não colaborou (Crédito: ESA-M. Pédoussat)

O motor Vinci do estágio superior do Ariane 6 funcionou direitinho, mas o APU não colaborou (Crédito: ESA-M. Pédoussat)

Com isso, a ESA decidiu por esvaziar os tanques de propelente, a fim de reduzir os riscos de uma explosão por colisão, o que transformou o estágio superior do Ariane 6 em lixo espacial. Ele ficará orbitando a Terra em órbita baixa, com a carga final nunca tendo sido lançada, por tempo indeterminado, o que pode ser anos ou décadas, até que ele caia no poço gravitacional e reentre na atmosfera, desta vez, sem controle algum.

Martin Sion, CEO da Arianespace, que logo após o lançamento havia comemorado que o Ariane 6 "restaura o acesso autônomo da Europa ao Espaço", disse em coletiva de imprensa que a companhia só descobrirá o que aconteceu, quando conseguirem acesso a todos os dados necessários, mas até lá...

UE vs. Musk, de novo

As reações ao lançamento do Ariane 6 tem sido os mais enviesados possíveis. Tanto a ESA quanto a Arianespace comemoram o "sucesso" da missão, com a primeira se referindo à perda do estágio superior como um "resultado inesperado". A Arianespace, por sua vez, ignora o "probleminha" completamente.

Em comum, ambas comemoram que o novo foguete "levou a Europa de volta ao Espaço", por vias próprias e não mais tendo que depender de terceiros, especialmente Elon Musk. Boa parte da mídia embarcou no mesmo discurso, assim como Thierry Breton, que convenientemente também não mencionou a perda do último estágio, nem se retratou depois:

Do outro lado do oceano, Musk não teceu comentários até o momento sobre o lançamento do Ariane 6, mas já havia tecido durar críticas no passado, quanto às principais diferenças entre o foguete europeu e seu "pé-de-boi" Falcon 9: o primeiro é descartável, e muito mais caro. Sim, por muitos anos jogar tudo fora a cada missão era a norma, mas a SpaceX já provou ser possível fazer diferente, e economizar muita grana no processo.

Em julho de 2023, o bilionário respondeu a um comentário da Arianespace, no que a agência considerava que um design reutilizável era "mais caro" que um descartável, dizendo que "ninguém compra um avião ou uma bicicleta de uso único", no que um foguete não é diferente de qualquer outro meio de transporte, só é mais difícil torná-lo reutilizável. Mas não impossível.

A ESA também não gosta das indiretas de Musk, claro; em entrevista ao site SpaceNews, Toni Tolker-Nielsen, diretor interino de Transporte Espacial da agência, disse, em resposta a comentários anteriores do dono da SpaceX, de que apenas o design reutilizável faria sentido, que as necessidades da UE são "tão baixas", que "não faria sentido economicamente" mudar todo o programa.

Toni Tolker-Nielsen diz que foguetes reutilizáveis, que Elon Musk defende como a única opção comercialmente viável, não oferecem vantagens econômicas à UE (Crédito: Climate Change TV/YouTube/Gonzalo Fuentes/Reuters)

Toni Tolker-Nielsen diz que foguetes reutilizáveis, que Elon Musk defende como a única opção comercialmente viável, não oferecem vantagens econômicas à UE (Crédito: Climate Change TV/YouTube/Gonzalo Fuentes/Reuters)

Sendo pragmático, a ESA e a Arianespace irão destrinchar o APU de alto a baixo, até descobrir o que pode ter dado errado e reparar; é preciso ser bem claro aqui, um foguete descartável é muito, muito mais caro que um reutilizável, sem contar que a promessa original, de que ele seria mais barato que o Ariane 5, não foi cumprida.

No geral, o design do Ariane 6 funciona, o Vulcain 2.1 e o Vinci funcionaram conforme esperado, e uma vez que os problemas sejam sanados, a Europa terá sim uma plataforma própria para lançamentos em órbitas LEO, especialmente para as missões do sistema GALILEO, tratado como uma caixa-preta pelo bloco.

Mas daí a ser um concorrente sério do Falcon 9, só mesmo na base do lobby e puxada de tapete de Elon Musk, que seguirá concorrendo da maneira correta e com preços melhores, por mais que os reguladores europeus não gostem.

Fonte: European Space Agency, Ars Technica

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