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Wizardry: o RPG que inspirou gigantes

Digital Eclipse acerta de novo e com remasterização do Wizardry: Proving Grounds of the Mad Overlord, mostra como o passado deve ser preservado

27/05/2024 às 10:37

Sempre que você começar a jogar um capítulo das séries Dragon Quest e Final Fantasy, saiba que se não fosse por um jogo chamado Wizardry: Proving Grounds of the Mad Overlord, essas icônicas franquias provavelmente nunca teriam existido. Lançado há mais de 40 anos, o título acaba de se tornar muito mais acessível e se você gosta de RPGs, precisa experimentar esse que responde como um dos jogos mais influentes de todos os tempos.

Wizardry: Proving Grounds of the Mad Overlord

Crédito: Divulgação/Digital Eclipse

Tudo começou em 1978, quando Andrew Greenberg ainda estudava na Cornell University. Após alguns meses dedicados a transportar a atmosfera do Dungeons & Dragons para o Apple II, uma versão preliminar do seu jogo caiu no gosto de outras estudantes daquela universidade.

A inspiração veio dos primeiros títulos a aparecerem no Programmed Logic for Automatic Teaching Operations (PLATO), especialmente de um chamado Oubliette e com a ajuda de Robert Woodhead, Greenberg ainda precisaria de mais três anos até ver o seu projeto ser publicado pela Sir-Tech Software, Inc., de Norman Sirotek.

Entre os problemas enfrentados pela dupla estava a opção por desenvolver em Applesoft BASIC, o que resultou um jogo que rodava muito devagar. A solução foi reescrever todo o código em UCSD Pascal, mas o que pode ser visto como um tremendo obstáculo, mostrou-se positivo.

Graças a demora para o lançamento, o Wizardry: Proving Grounds of the Mad Overlord pôde contar com um extenso período de testes, permitindo que um melhor balanceamento fosse implementado. Outro fator que ajudou no seu sucesso comercial foi a contribuição dada por Frederick, pai de Norman e que insistiu que o jogo deveria ser distribuído em uma embalagem profissional, não nos saquinhos Ziploc em que os jogos da época eram vendidos.

Crédito: Reprodução/KnockStump/MobyGames

Mesmo lançado em setembro, o jogo se tornou aquele para Apple II que mais vendeu em 1981, chegando a mais de 300 mil cópias vendidas durante os seus três primeiros anos no mercado. Até 1989 esse número quase dobraria e a criação de Greenberg e Woodhead seria apenas o primeiro de oito capítulos que a franquia principal renderia pelas próximas décadas.

Na época o jogo chegou a ser usado pelo psiquiatra infantil Dr. Ronald Levy no tratamento de seus pacientes. Lidando com crianças com tendências suicidas, o Dr. Levy contou um episódio envolvendo um garoto deprimido e que após ser apresentado ao Wizardry, afirmou que não queria mais morrer, justamente pelo desejo de voltar ao consultório para continuar jogando.

“Pude, através do seu jogo, avaliar corretamente crianças que inicialmente pareciam muito mais perturbadas do que realmente estavam,” escreveu o médico, em carta enviada à Sir-Tech Software. “Embora pretendessem criar um jogo recreativo, vocês inadvertidamente me forneceram uma ferramenta maravilhosa para o meu trabalho com crianças.”

Mas o interesse por aquele RPG não se manteve apenas nos Estados Unidos. No Japão ele foi lançado através do NEC PC-8801 e isso fez com que muitos desenvolvedores da época fossem fisgados pela obra de Greenberg e Woodhead. Entre as lendas que já declararam terem sido influenciadas pelo Wizardry, podemos citar Hironobu Sakaguchi (Final Fantasy), Yuji Horii (Dragon Quest), Koichi Ishii (Secret of Mana) e até mesmo Hidetaka Miyazaki, que afirmou que muito do Demon’s Souls veio da tentativa de recriar a atmosfera daquele clássico.

Contudo, o tempo fez com que a evolução da mídia tornasse o Wizardry: Proving Grounds of the Mad Overlord um jogo que parecesse bastante datado, com sua mecânica de exploração de calabouços não sendo tão dinâmica quanto a de um RPG de ação ou mesmo aqueles com batalhas por turnos. Assim, a franquia passou a atingir um nicho e embora no Japão sua popularidade fez com que novos capítulos surgissem até 2020, no resto do mundo ela parecia fadada ao esquecimento.

Wizardry: Proving Grounds of the Mad Overlord

Crédito: Divulgação/Digital Eclipse

Eis que uma parceria entre a Sir-Tech, a Drecom (que detêm a marca) e a Digital Eclipse fez o improvável: lançar uma versão remasterizada daquele primeiro jogo e assim eles permitiram que um público muito mais amplo tenha acesso a uma parte tão importante da história não só dos Role-playing games, mas dos videogames como um todo.

Lançado para PC, Nintendo Switch, PlayStation 4 e 5, Xbox One e Series S|X, essa nova versão foi construída sobre a original para Apple II, com o código em Pascal rodando paralelamente a Unreal Engine. Isso permitiu que a equipe implementasse gráficos em 3D, animações, novos efeitos sonoros e uma interface mais bem adaptada aos dias atuais.

Tudo isso foi feito para que, mesmo com a remasterização oferecendo uma série de melhorias de qualidade de vida, o jogo conseguisse manter a atmosfera do original. Ou seja, experimentar o Wizardry: Proving Grounds of the Mad Overlord será parecido com o que tínhamos no início da década de 80, mas com novidades que podem tornar a viagem um pouco menos tortuosa.

Wizardy sempre foi conhecido por uma dura dificuldade, fazendo com que cada mínimo erro possa resultar em uma expedição não tão bem-sucedida ou mesmo na aniquilação do nosso grupo. Para aqueles que estão familiarizados com o original ou que gostam de sofrer, ainda é possível encarar a aventura daquela forma, já para quem procura uma experiência menos punitiva, algumas configurações poderão ajudar.

Crédito: Divulgação/Digital Eclipse

Mesmo assim, o jogo raramente nos pegará pelas mãos e os primeiros minutos serão bastante opressores para a maioria das pessoas. Descer às masmorras de Wizardy será assustador, com a nossa movimentação pelos blocos do mapa sempre nos deixando extremamente atentos, pois nunca saberemos o que haverá pela frente. A incerteza sobre quais membros da nossa equipe voltarão à superfície ajuda a tornar tudo mais tenso e por muitas vezes me peguei pensando se os espólios encontrados por lá valiam o risco.

“Queríamos preservar a brutalidade do jogo original, porque isso foi o que inspirou jogos como o Dark Souls — sua dificuldade e permanência de progresso foi inspirada pelo Wizardry,” afirmou Ian Sherman, engenheiro chefe do projeto. “Então, adicionamos alguns recursos de qualidade de vida de uma maneira que, se você absolutamente quiser a experiência original, pode simplesmente desligá-los.”

Entre essas melhorias estão um útil bestiário onde teremos informações detalhadas e até o histórico dos monstros; indicadores relacionados a armas, mostrando a chance de acerto ou a quantidade de danos causado; ou a chance de desarmarmos armadilhas. Tudo isso ajuda a aumentar a imersão e tornar a experiência mais agradável. Ainda assim, reforço: não espere um passeio no parque.

Wizardry: Proving Grounds of the Mad Overlord

Crédito: Divulgação/Digital Eclipse

O que também ajuda a tornar o Wizardry: Proving Grounds of the Mad Overlord mais imersivo são seus gráficos. Com uma direção artística bonita e personagens bem animados, o abismo entre as versões pode ser visto a todo momento, já que uma pequena janela mostra como era o original. Para quem está acostumado a jogar apenas superproduções, esse remaster pode até parecer ultrapassado, mas acredito que visualmente ele cumpra seu papel.

Após algum tempo explorando os labirintos dessa versão, percebi como a Digital Eclipse tem se mostrado uma desenvolvedora fantástica para quem gosta de jogos antigos ou simplesmente se interessa em conhecer o passado da indústria. Com um catálogo que já conta com os belos (e importantíssimos) docugames Atari 50: the Anniversary Celebration, The Making of Karateka e Llamasoft: The Jeff Minter Story, o estúdio brilha novamente ao restaurar um jogo extremamente influente e que ajudou a moldar parte da indústria. Isso ganha ainda mais peso ao constatarmos se tratar de um ramo tão criticado por costumeiramente virar as costas para o seu passado.

A única coisa que lamento é a falta de localização para português, o que deverá afastar interessados que não dominam o inglês e que infelizmente tem se mostrado o padrão nesses resgates dos clássicos por parte da empresa.

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