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Zelda: Link's Awakening e a inspiração em Twin Peaks

Mais de 30 anos depois, cocriador da série Twin Peaks confirma ter colaborado (de certa forma) para a criação do The Legend of Zelda: Link's Awakening

28/02/2024 às 9:32

Eu queria gostar mais de Twin Peaks. Por mais que tenha uma memória afetiva de quando a aclamada série de David Lynch foi exibida e reconheça sua importância, já tentei reassistí-la várias vezes e sempre esbarro nos personagens exageradamente estranhos e enredo repleto de situações bizarras. Um dia darei uma nova chance a ela, mas até lá, ficarei por aqui saboreando o fato da história do agente Dale Cooper ter influenciado um jogo da Nintendo, o The Legend of Zelda: Link's Awakening.

The Legend of Zelda: Link's Awakening

Crédito: Divulgação/Nintendo

Lançado para o Game Boy em 1993, The Legend of Zelda: Link's Awakening foi o primeiro capítulo da série a aparecer num portátil e teve o seu desenvolvimento iniciado como uma tentativa de adaptar o fantástico A Link to the Past. Com o tempo o projeto começou a ganhar vida própria e resultou num jogo com características bem diferentes dos tradicionais.

Para começar, nele a aventura de Link não acontece em Hyrule, mas sim em uma ilha chamada Koholint. Os fãs também estranharam a ausência de figuras ilustres da série, como Ganon, a princesa Zelda e até mesmo a Triforce. Porém, uma das marcas registradas permaneceu: os quebra-cabeças.

Alguns anos depois, a Nintendo usaria aquele jogo como um chamariz para o Game Boy Color, lançando o The Legend of Zelda: Link's Awakening DX e em 2019 seria a vez do Nintendo Switch receber um remake, que modernizou totalmente o clássico.  

The Legend of Zelda: Link's Awakening

Crédito: Reprodução/Mobygamesisreanimated/MobyGames

O que eu não sabia é que o original recebeu uma forte influência de uma obra que, aparentemente, nada tem a ver com o que vemos no jogo. A confirmação sobre isso foi feita há mais de uma década por Takashi Tezuka, que dirigiu o projeto.

“Na época [em que o jogo foi produzido], Twin Peaks era muito popular, o drama era todo sobre um pequeno número de personagens numa pequena cidade,” revelou. “Então, em relação ao Link’s Awakening, quis fazer algo que, embora fosse pequeno em escopo para ser facilmente compreendido, tivesse características profundas e distintas.”

E quando o game designer fala sobre a popularidade da série no Japão, ele não está exagerando. A criação de Lynch se tornou uma febre por lá, a ponto de servir como tema para vários comerciais de uma marca de café.

Segundo um comentário feito pelo roteirista Kensuke Tanabe no guia de estratégia do jogo, a ideia de Tezuka, era fazer com que todos os personagens presentes em Link’s Awakening parecessem suspeitos, assim como acontecia em Twin Peaks. Mas teria sido essa uma via de mão única? Apenas um criador de jogos se inspirando numa série popular?

Pois sabemos que não. Em 2023 o cocriador de Twin Peaks, Mark Frost, deu o primeiro indício de que, de alguma forma, ele teria participado da criação do jogo. Através do antigo Twitter, ele afirmou ter se encontrado com algumas pessoas da Nintendo e lhe dado algumas ideias para o projeto.

Para os fãs, a curiosidade passou a ser entender até que ponto foi essa participação e para tirar essa dúvida, o site The Verge conversou com Frost. Segundo o showrunner, tudo não passou de uma conversa com algumas pessoas da equipe responsável pela criação do jogo.

“Eles estavam falando comigo sobre um jogo do Twin Peaks e mencionaram Zelda na época,” contou. “Eles disseram, ‘uma das coisas que amamos no seu programa é como existe todo tipo de associações laterais que podem levar a história adiante.’ Eles me perguntaram sobre isso enquanto pensavam em expandir o universo Zelda.”

Mesmo sem nunca ter jogado um The Legend of Zelda, Mark Frost revelou ter sido um apaixonado por Dungeons & Dragons e que por isso estava a par do tipo de história de fantasia que os japoneses queriam contar. “Acho que disse, ‘não tenha medo de usar o simbolismo junguiano onírico. As coisas podem se conectar tematicamente sem ter que se conectar concretamente.’ Eram coisas assim que eu os incentivava [a considerar],” lembrou.

Link's Awakening DX, no Game Boy Color (Crédito: Reprodução/deepcut/MobyGames)

Quanto a adaptação da série em um jogo, possibilidade citada por Frost na entrevista, embora algumas revistas da época tenham falado sobre isso, tal projeto nunca avançou. Com os direitos pertencendo à Hi Tech Expressions, uma das ideias era produzir algo no estilo do adventure Maniac Mansion, já a outra era criar um RPG com vários personagens selecionáveis e finais possíveis. Nenhum dos dois saiu do papel.

Ainda assim, Twin Peaks teve uma forte influência em vários jogos, com aquele que mais se aproximou da obra de David Lynch sendo o Deadly Premonition. Odiado por uns e cultuado por outros, o título de Hidetaka Suehiro nunca negou sua fonte de inspiração, semelhança que não chega a incomodar Mark Frost.

Já no caso do The Legend of Zelda: Link's Awakening, acho fascinante pensar em como autores podem se inspirar nas mais variadas criações, mesmo aquelas que aparentemente não tem muita semelhança com o que estão produzindo.

Seja um título com uma atmosfera mais leve e que bebeu da fonte de uma série sobre um assassinato, seja um jogo de terror em que uma parte foi inspirada num filme de comédia, o talento permite que quase tudo que nos cerca possa servir como combustível criativo.

Crédito: Reprodução/quizzley7/MobyGames

A lamentar, apenas a constatação de que muitas empresas seguem apostando no óbvio, preferindo investir no remake ou remasterização de jogos lançados há tão pouco tempo, mas cujo retorno financeiro é quase garantido.

Sem querer ser saudosista aqui, mas às vezes sinto que histórias como a da criação do Link's Awakening ou do Silent Hill só aconteciam no passado, quando as limitações orçamentárias e técnicas eram muito maiores. Fico me perguntando se daqui a 20 ou 30 anos também ouviremos relatos tão interessantes sobre os títulos que estão sendo desenvolvidos hoje em dia.  

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