Dori Prata 26/02/2024 às 10:19
Ainda lembro de quando joguei Silent Hill pela primeira vez e de como aquela atmosfera criada por Keiichiro Toyama, Masahiro Ito e Akira Yamaoka me fascinou. Os jogos seguintes ajudaram a me tornar fã da série, mas outro aspecto que contribuiu para isso foram os muitos detalhes relacionados à produção do título que deu início a esse universo.
Mesmo tendo se passado 25 anos desde o lançamento daquele jogo, confesso ainda ficar surpreso com histórias relacionadas a ele e uma que descobri recentemente fala sobre como um filme estrelado por Arnold Schwarzenegger influenciou a criação da aterrorizante cidade em que se passa a saga de Harry Mason.
O inusitado neste caso é que, embora não seja segredo que os criadores de Silent Hill tenham se inspirado em muitas obras de suspense/terror, o longa-metragem em questão passa muito longe desses gêneros.
Dirigido por Ivan Reitman e lançado em 1990, em Um Tira no Jardim de Infância Schwarzenegger vive o policial John Kimble, que para tentar capturar um perigoso criminoso, se disfarça como professor de crianças pequenas. E mesmo que você nunca tenha visto esse clássico da Sessão da Tarde, provavelmente deve estar se perguntando como algo assim poderia ter inspirado uma história tão sombria quanto a do Silent Hill.
Pois a resposta está na escola em que se passa o filme. Conhecida como Astoria Elementary School, foi nela que Toyama e seus comandados se basearam para criar um dos lugares mais famosos do primeiro jogo, a Midwich Elementary School — que por sinal, tem esse nome por causa do livro The Midwich Cuckoos, de John Wyndham e que deu origem ao filme A Cidade dos Amaldiçoados, de John Carpenter.
Quando começaram a desenvolver o jogo, os profissionais da Konami queriam criar uma típica cidade do interior dos Estados Unidos e para chegar a esse resultado, eles se basearam em várias obras da cultura pop. E no caso da escola, a fonte de inspiração foi justamente o filme de Reitman.
Entre as semelhanças estão até mesmo o ônibus amarelo estacionado do lado de fora da Midwich Elementary School, algo que, diga-se a verdade, poderia ser visto em qualquer escola americana. Porém, chama a atenção o fato de aquele visto em Silent Hill ser marcado com um número sete, mesmo que aparece em um pedaço do filme.
Mas se isso pode ser considerado apenas uma coincidência, o que dizer da entrada das escolas, ambas ostentando um arco formado por blocos de concreto sobre duas portas com janelas? Até mesmo as escadas que levam aos edifícios são muito parecidas.
Já no interior da Midwich, logo na entrada vemos a recepção, que parece uma versão espelhada daquela presente em Astoria e que antecede a sala da diretora. Passando para a enfermaria temos um detalhe que serve para mostrar como os responsáveis pelo jogo devem ter assistido Um Tira no Jardim de Infância muitas e muitas vezes.
Embora a estrutura desta sala não pareça muito com o que vemos no filme, nela temos um armário onde ficam guardados os remédios e no canto superior esquerdo está colado um pôster com uma cruz vermelha. E sim, no filme temos um aviso muito parecido, no mesmo lugar do armário. Curiosamente, no jogo há também um papel com o número da emergência dos Estados Unidos, o 911, algo que a princípio não aparece no filme. Porém, conforme a câmera se move, podemos ver esse cartaz colado em outro armário.
As semelhanças na estrutura das escolas continuam, das escadas até os corredores, passando pelas suas bibliotecas e salas de aula. Já outra comparação que pode ser feita é a roupa utilizada por John Kimble e Harry mason, já que ambos usam calças jeans e um blazer marrom.
Com um pouco de boa vontade podemos traçar um comparativo até entre os enredos das duas obras. Nelas temos os protagonistas visitando escolas por causa de crianças importantes para as tramas; ambos possuem parceiras policiais com cabelos curtos; e os dois se passam em cidades pequenas. Coincidências?
Esses paralelos entre Silent Hill e Um Tira no Jardim de Infância não é novidade, tendo sido traçados há mais de uma década. Foi também naquela época em que o diretor Keiichiro Toyama admitiu ter buscado inspirações em obras ocidentais.
“Nunca gostei do tipo de filme de terror sangrento e chocante, então fiquei meio perdido quando começamos [o desenvolvimento do jogo],” disse. “O que sou fã é de coisas ocultas, histórias de OVNIs e coisas assim; isso e assisti a muitos filmes do David Lynch. Então era realmente uma questão de pegar o que estava nas minhas prateleiras e pegar os aspectos mais voltados para o terror que encontrei. Então eu realmente não achei que o Silent Hill fosse tanto um jogo de terror e meio que foi uma surpresa para mim quando ele saiu e as pessoas me disseram que era assustador!”
E quanto as fontes de inspiração, foram muitas. Entre os vários easter eggs presentes no primeiro jogo, alguns são as seguintes:
Tudo isso ajudou a criar uma aura mística não só para o primeiro jogo, mas para a série como um todo. Mesmo tanto tempo depois do lançamento do Silent Hill, ainda temos pessoas debatendo sobre os mistérios que o cercam, como o fato de estar nevando sobre a cidade ou como seus banheiros ajudam a criar o clima de terror.
Talvez eu esteja sendo saudosista demais aqui, mas pensando no que aquelas pessoas criaram com aquele jogo para o primeiro PlayStation, não consigo deixar de pensar em como seria difícil repetir a dose atualmente. Mesmo com toda a tecnologia atual, acho difícil algum estúdio conseguir nos entregar algo tão genial, imersivo e psicologicamente perturbador quanto aquele Silent Hill. E espero, sinceramente, estar errado quanto a isso.
Fonte: Polygon