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Stray Souls: sobre bullying, fracassos e desistências

Poucas semanas após lançamento do Stray Souls, estúdio fecha as portas e credita isso à falta de vendas e ataques online sofridos pelos criadores

15 semanas atrás

Quando o Jukai Studio iniciou o desenvolvimento do Stray Souls, aquilo parecia a realização de um sonho. Fundada em 2022, a desenvolvedora polonesa contaria com o suporte da editora Versus Evil, podendo assim dar vida a um projeto inspirado nos clássicos de terror, principalmente na franquia Silent Hill. Porém, o jogo será lembrado mesmo pela maneira como frustrou tanto o público, quanto seus criadores.

Stray Souls

Crédito: Divulgação/Jukai Studio

Quando anunciado, Stray Souls foi descrito como um jogo de terror em terceira pessoa que nos colocaria para “lutar contra criaturas aterrorizantes, resolver quebra-cabeças alucinantes e desvendar um terrível segredo familiar para expor a verdade arrepiante por trás da sua existência.”

No comunicado, os poloneses prometiam uma experiência de “próxima geração”, com o título sendo produzido com a poderosa Unreal Engine 5. Eles garantiam que as animações faciais, iluminação dinâmica e o clima tornariam tudo mais realista e assustador. Algo que também ajudou os fãs do gênero a se empolgarem foi a confirmação de que Akira Yamaoka, lendário compositor da série Silent Hill, contribuiria para a trilha sonora.

Mas como dizem, a expectativa costuma ser a mãe da decepção e quando o Stray Souls foi finalmente lançado, o que recebemos foi um balde de água fria. Com uma vergonhosa média 29 no Metacritic, o jogo só não entrou na lista de piores do ano do agregador por falta de quórum e no Steam a situação não foi muito melhor, já que apenas 28% das análises o marcaram positivamente.

Como era de se esperar, as críticas caíram pesadamente sobre o pessoal do Jukai Studio, com os jogadores demonstrando toda sua decepção e descontentamento com o título. As reclamações iam desde a enorme quantidade de bugs até a curta duração da campanha, passando pela falta de polimento e uma jogabilidade pouco inspirada e repetitiva.

Ainda assim, alguns tinham a esperança de que o Stray Souls poderia ser consertado, mesmo porque temos visto isso acontecer bastante nos últimos meses. Como o jogo foi lançado em 25 de outubro, talvez seus criadores estivessem agindo nos bastidores, sem querer causar alarde, mas as semanas seguintes ao lançamento se mostrariam terríveis para o estúdio.

Após funcionar por dez anos, em 22 de dezembro a Versus Evil anunciou que estava encerrando suas atividades. Respondendo como uma subsidiária da tinyBuild, a editora não poderia mais prestar apoio ao Jukai Studio, mas verdade seja dita, isso já não vinha acontecendo.

Stray Souls

Crédito: Divulgação/Jukai Studio

Pelo menos é o que sugere uma nota publicada pelos poloneses, que usando sua conta no antigo Twitter, também revelaram que tiveram que fechar as portas. No comunicado, o estúdio credita parte dessa desistência às baixas vendas do Stray Souls, mas também a ataques que teriam recebido através da internet.

“Fizemos tudo ao nosso alcance para concluir o projeto da melhor forma possível, mas durante toda a duração nós, como equipe de editores, outras equipes de desenvolvimento e as pessoas próximas, fomos constantemente atacados por perseguidores cibernéticos e alguns de vocês, assim como a nossa comunidade, também foram atormentados com mensagens e e-mails indesejados. Entendemos que vocês não queiram continuar nos apoiando ativamente pelas óbvias razões mencionadas acimas. O assunto agora está nas mãos dos nossos advogados, então não podemos falar mais sobre ele, mas saiba que não abandonaremos [o Stray Souls], apesar do fechamento do estúdio.”

Na nota, o pessoal do Jukai Studio ainda afirma que nenhum funcionário foi demitido, afinal, além de alguns profissionais terceirizados, apenas duas pessoas continuavam dedicadas ao projeto. Assim, a dupla acredita que o melhor seria eles seguirem por caminhos diferentes a partir daqui.

Como os criadores do jogo fizeram questão de dizer que a propriedade intelectual permanecerá sob o seu controle, a dúvida que resta é saber se pelo menos um deles continuará aperfeiçoando-o. Para ser sincero, eu não esperaria por isso, mas torço muito para estar errado em relação a essa sensação.

Stray Souls

Crédito: Divulgação/Jukai Studio

Ver um jogo não entregar todo o potencial e/ou fracassar nas vendas é algo que sempre lamentarei, assim como me incomoda muito saber que desenvolvedores estão sendo atacados pela internet. Mesmo não achando que este tenha sido o principal motivo que levou o Jukai Studio a ser fechado, não me sinto em condições de mensurar a dor dos outros e por isso acredito que a suposta perseguição online tenha um papel importante em minar a resiliência dessas pessoas.

Alguns poderão dizer que a nota focar nesse especto tenha sido uma maneira deles desviarem a atenção, uma forma de diminuir a responsabilidade do estúdio por um jogo de má qualidade ter prejudicado as vendas. Porém, temos casos recentes de títulos muito bem recebidos e que nem por isso deixaram de ser alvos de críticas ou resultarem em boas vendas.

Um exemplo foi o Chained Echoes, um elogiado RPG retrô e que apenas algumas semanas após seu lançamento se viu no meio de uma inesperada campanha de review bombing. Outra situação difícil de aceitar foi a do Mimimi Games, estúdio alemão que anunciou o fim de suas atividades logo após lançar o excelente Shadow Gambit: The Cursed Crew.

Crédito: Divulgação/Mimimi Games

Tendo passado os últimos 15 anos se dedicando à produção de jogos, quando nos deu títulos como Shadow Tactics: Blades of the Shogun e Desperados III, o estúdio alemão decidiu que estava na hora de parar e assim, anunciou que seus últimos dias seriam dedicados a terminar um DLC para o seu jogo mais recente.

Mas se o Shadow Gambit foi bem recebido por crítica e público, o que teria feito com que tomassem tal decisão? Pois a explicação estaria basicamente no risco envolvido na criação de jogos. “Alcançar o nível de qualidade que a Mimimi almeja é difícil e requer foco e dedicação,” disseram os fundadores do estúdio, Johannes Roth e Dominik Abé. “O aumento da pressão financeira se tornou insustentável.”

Eles ainda citaram a dificuldade em equilibrar a necessidade de se dedicar ao estúdio e estar disponíveis para seus familiares, já que para “cumprir os objetivos de qualidade, cultura da companhia e gerenciamento,” não estavam mais conseguindo ter o nível de energia necessário. “Em última análise, gerenciar uma produção nesta escala, combinado ao mercado extremamente competitivo, se provou demasiadamente desgastante para nós,” afirmou Roth.

Crédito: Dori Prata/Freepik

Casos assim servem para entendermos um pouco das dificuldades enfrentadas quando se trata da criação de videogames. Do nosso lado, como consumidores, estamos sempre sedentos por títulos maiores, melhores e mais inovadores. Porém, muitas vezes esquecemos que eles são produzidos por pessoas, que possuem famílias, problemas e um desejo imensurável de entregar a melhor produção possível.

É claro que nada disso serve para apagar a frustração de colocar as mãos em um jogo que não gostamos. Porém, essa decepção não deveria ser motivo para iniciarmos uma caça às bruxas, muito menos comemorar quando um estúdio fecha ou profissionais são demitidos após o fracasso comercial de algo que não nos agradou.

Contudo, aqui sou apenas uma pessoa desejando o mundo ideal, não aquele que vemos diariamente em qualquer página de jogo numa loja virtual ou em qualquer canto de uma rede social. Infelizmente, os ataques seguirão, as empresas continuarão sendo fechadas e mesmo assim, pequenos milagres surgirão aqui e ali, sempre que um novo jogo for lançado.

Fonte: GamesIndustry

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