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IA, patentes, direitos autorais, e o Naruto

Suprema Corte do Reino Unido decide que IA não tem direito a patentes; caso reacende discussão sobre autoria de obras criadas por não-humanos

12 semanas atrás

Mais um desenvolvimento significativo, envolvendo Inteligência Artificial (IA), saiu antes do fim de 2023: a Suprema Corte do Reino Unido decidiu que algoritmos e sistemas especialistas não podem ser considerados inventores e criadores em nenhum cenário, logo, não são elegíveis como detentores de patentes e direitos autorais.

A corte britânica tomou uma decisão igual à do Escritório de Patentes e Marcas Registradas dos Estados Unidos (USPTO), com ambos departamentos se baseando no mesmo princípio: apenas humanos, ou companhias geridas por pessoas, podem criar e deter patentes e copyrights.

IAs podem ser usadas para criar, mas não deverão ser reconhecidos por isso (Crédito: idealeksisai-1/Freepix)

IAs podem ser usadas para criar, mas não deverão ser reconhecidos por isso (Crédito: idealeksisai-1/Freepix)

O caso do Reino Unido gira envolve o Dr. Stephen L. Thaler, CEO da Imaginaton Engines, um departamento de pesquisas avançadas em Inteligência Artificial. Em 2018, o cientista entrou com uma petição para que o DABUS, uma IA que simula (na teoria) conexões limitadas do cérebro de mamíferos, de modo que ele seria capaz de concatenar ideais por justaposição, um processo atribuído ao pensamento intuitivo.

Thaler defende que o DABUS é inteligente o suficiente para ser criativo (ainda não é consciência, e talvez nunca cheguemos lá), e que sob esse aspecto, ele deveria ser reconhecido como uma IA inventora, dessa forma, sendo capaz de assegurar patentes e direitos autorais para ela própria. As petições foram abertas nos EUA e no Reino Unido, e foi rejeitada em ambas.

Do lado de cá do Atlântico, como mencionado no início do texto, o USPTO rejeitou o pedido, argumentando que um inventor, para ser reconhecido como tal, tem que obrigatoriamente ter a noção de si como indivíduo, o que Thaler defendia ser aplicável para o DABUS, mas o escritório não concorda, por ser uma definição estrita a humanos, e o cientista e sua equipe estavam interpretando as leis de forma ampla e vaga, de propósito.

A conclusão da USPTO é de que "apenas seres humanos podem ser considerados inventores e aplicáveis para o registro de uma patente", excluindo de vez qualquer coisa, ou animal (chegaremos lá) que não seja um Homo sapiens. O grupo recorreu, mas a Suprema Corte dos Estados Unidos sequer se deu ao trabalho de analisar a petição, e a rejeitou; dessa forma, a decisão do Escritório de Patentes é a válida em todo o território americano.

No Reino Unido, Thaler tentou registrar o DABUS como o inventor de um contêiner para alimentos e uma luz de sinalização em 2019, mas nesta quarta-feira (20), a Suprema Corte rejeitou o pedido, e definiu que para ser reconhecido como inventor, o reclamante tem que obrigatoriamente ser um humano, ou uma empresa gerida por humanos.

Na súmula, o juiz David Kitchin disse que a decisão foi tomada sem tomar julgamento de valor, apenas porque "não há leis" que permitem o reconhecimento de criação a uma máquina.

IA e Naruto: no mesmo barco

O avanço das IAs em velocidade exponencial pegou todos os reguladores de calças curtas, que agora correm para estabelecer conjuntos de leis e regras, de modo a não deixar a tecnologia, e seus responsáveis, livres demais e sem mecanismos que os punam, em caso de abusos ou roubo de propriedade intelectual. Vale lembrar que o Stable Diffusion foi pego no pulo usando fotos do Getty Images para treinar seus algoritmos sem autorização (leia-se, sem pagar), sendo que estas são protegidas por direitos autorais.

Contudo, o caso do DABUS lembra a polêmica que balançou o mundo da fotografia anos atrás, uma disputa judicial em duas frentes, girando em torno de Naruto, um macaco-negro (Macaca nigra) que vive na Indonésia. Em 2011, o fotógrafo naturalista David J. Slater registrou, entre as fotos capturadas na floresta, duas selfies clicadas pelo próprio macaco, ao manusear a câmera com os presets pré-ajustados.

As duas fotos clicadas pelo macaco Naruto, pivôs da disputa entre a PETA e o fotógrafo David J. Slater, dono da câmera (Crédito: domínio público)/IA

As duas fotos clicadas pelo macaco Naruto, pivôs da disputa entre a PETA e o fotógrafo David J. Slater, dono da câmera (Crédito: domínio público)

Slater clamava a autoria das fotos, por ser ele o dono da câmera e ter ajustado as configurações, mas as coisas começaram a dar ruim quando a Wikipédia subiu as capturas para seu acervo Wikimedia Commons, e as classificou como de domínio público, por "terem sido clicadas por um não-humano".

O fotógrafo entrou na justiça para assegurar os direitos das fotos, e não muito tempo depois, a ONG PETA, que advoga (de maneira radical, apocalíptica, e um tanto oportunista) pelos direitos dos animais, abriu uma ação para que o próprio Naruto fosse reconhecido como autor e dono das imagens, podendo recolher os royalties para si.

O USPTO publicou sua decisão em 2014, no que tanto Slater quanto a PETA perderam. À ONG, a instituição usou o mesmo argumento para rejeitar o DABUS, "não-humanos não podem ser reconhecidos como criadores", e ainda a acusou de oportunismo, ao usar o caso para seus próprios fins.

Do outro lado, a definição clássica sobre trabalhos fotográficos foi usada: "quem clica é o dono da foto". Como foi Naruto quem disparou o obturador, não Slater, ele não pode clamar direitos para si, e o argumento de ajustar a câmera não foi aceito. No fim, ambas imagens passaram para domínio público, e o fotógrafo faliu.

O caso das IAs criadoras está levantando questões sobre autoria de obras, pelo entendimento que os algoritmos foram criados por humanos, logo, alguns consideram se seus "pais" não poderiam recolher royalties por associação. A Justiça, no entanto, entende que sem intervenção direta da mão humana na composição de artes, produtos e serviços, o resultado não pode ser passível de patentes e direitos autoriais, assim, deveriam ser passados todos para domínio público.

Essa discussão deve se arrastar por mais alguns anos, mas se o caso do macaco Naruto servir como norte, IAs não deverão se sair muito melhor.

Fonte: Bloomberg

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