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Iron Dome – Como funciona o incrível escudo de Israel

Iron Dome é um sistema de defesa israelense criado para proteger o país de foguetes inimigos. Seu funcionamento é fascinante, venha entender

26 semanas atrás

Iron Dome não existia nem como um brilho nos olhos de seus criadores quando o primeiro míssil Scud iraquiano atravessou os céus israelenses. Era consenso que se a ogiva que ele carregava fosse de armas químicas, Israel responderia com um ataque nuclear contra Bagdá. Isso só foi evitado com muita diplomacia americana, e baterias de mísseis Patriot.

Mais ou menos assim, só que não (Crédito: Marvel/Disney)

As sirenes tocavam, nas ruas o povo corria para abrigos, os mísseis de Saddam Hussein chegavam em trajetória final, então com um ruído ensurdecedor anunciou o lançamento de vários mísseis MIM-104 Patriot, que em trajetórias impossíveis interceptavam as armas inimigas.

Mais tarde descobriu-se que os Patriots eram bem menos eficientes do que o planejado, por causa de bugs (hoje corrigidos) no sistema, mas o efeito psicológico foi fundamental para impedir que Israel entrasse na guerra.

Logo ficou evidente que mesmo depois da Guerra do Golfo, o Patriot seria útil, pois Hamas e Hezbollah, com ajuda do Irã estavam desenvolvendo seu próprio “programa espacial”, primeiro com foguetes contrabandeados, depois com modelos desenvolvidos localmente. O Qassam-1, usado pela primeira vez em 2001, tinha alcance de 5Km. O modelo mais recente, o Qassam-4, tem capacidade de lançar uma ogiva de 10Kg de explosivos em alvos a até 16Km de distância.

Foguete Qassam exibindo na prefeitura de Sderot, junto a fotos de suas vítimas (Crédito: Tom Spender / Wikimedia Commons)

Claro, o arsenal do Hamas é bem mais do que apenas Qassams, entre os vários foguetes disponíveis, há o R-160, com 120Km de alcance, capaz de atingir alvos basicamente em toda Israel.

Vendo que foguetes estavam se tornando cada vez mais um problema, Israel adquiriu sistemas Patriot, então na variante PAC-2, mas logo os técnicos (e bem depois os generais) das IDF (Israel Defence Forces) viram que o Patriot não era o sistema ideal.

Ele foi projetado para defesa contra mísseis balísticos e aeronaves, alvos detectados a uma grande distância. Ele simplesmente não tinha agilidade para reagir a foguetes com um tempo de vôo de 15 segundos.

Também havia o problema do custo. Em valores atuais um míssil Patriot PAC-3 custa US$4 milhões de dólares, um absurdo de caro para derrubar um foguete artesanal que custa entre US$300 e US$3600, dependendo de quem faz a estimativa.

Aqui uma tangente:

Como pode custar tão barato?

Simples, Padawan: Foguetes são coisas bem simples, não é como descobrir a pólvora, embora isso tenha ajudado. Os relatos mais antigos colocam o primeiro foguete como criação de um tal de Feng Zhisheng, na China, no ano de 969. E a lenda de que eram usados como inofensivos fogos de artifício é pura propaganda. Foguetes eram usados para acelerar flechas, e mais tarde como granadas.

Um foguete de combustível sólido é basicamente um tubo oco que é cheio com um combustível, que pode ser pólvora, compostos exóticos, açúcar (em foguetes de brinquedo) ou no caso do Ônibus Espacial, perclorato de amônia e alumínio em pó.

Enche-se o tubo com essa mistura, junto com um aglutinador. Escava-se um orifício até o fundo, onde há o dispositivo de ignição. Quando esse dispositivo é acionado, o interior do tubo de combustível começa a queimar, gerando uma pressão altíssima, que é forçada pela biqueira do foguete. É um mecanismo simples, eficiente e funciona do foguete do Hamas ao motor auxiliar do Space Launch System.

Os foguetes começam a ficar caros quando você precisa que sejam confiáveis, estáveis, com performance consistente. Aí você acrescenta dispositivos de controle, navegação, telemetria, carga útil, e o custo começa a ficar astronômico (DSCLP).

O Hamas não precisa de nada disso, eles lançam os foguetes em um ângulo de 45 graus (Thanks, Galileu), atingindo a maior distância possível, e apontam para alvos mais ou menos naquela direção. A Física faz o resto.

Entra o Iron Dome

Israel precisava de um sistema que fosse mais barato, e resolvesse problemas como engajar dezenas de alvos simultaneamente, identificar e selecionar em segundos esses alvos, e ser capaz de atingir não só foguetes, mas morteiros.

Projetar algo assim não é fácil. O sistema Patriot começou a ser desenvolvido em 1969, mas só se tornou operacional em 1984. Árabes não são renomados por sua paciência e não iam esperar Israel levar esse tempo todo pra construir seu sistema de defesa.

A idéia original do Iron Dome surgiu em 2004, mas pegou força mesmo depois da Segunda Guerra do Líbano, quando o Hezbollah lançou mais de 4000 foguetes contra Israel, saturando todos os sistemas Patriot, causando bastante danos e matando 44 civis inocentes.

Iron Dome em ação. Os foguetes do Hamas são invisíveis, seu motor só funciona por alguns segundos, depois ele segue apagado, só na inércia. O Iron Dome só é lançado quando o foguete está nessa fase terminal, e o motor não afeta mais sua trajetória. 

No sul, o Hamas lançou 8000 projéteis entre 2000 e 2008, o que incentivou o governo israelense a estudar propostas e fechar em Fevereiro de 2007 com o projeto Iron Dome, da Rafael, em conjunto com a IAI – Israel Aerospace Industries.

O desenvolvimento do Iron Dome foi meteórico. Em 2008 o primeiro míssil -chamado Tamir- foi testado. Em 2011 o Iron Dome foi declarado operacional.

Como funciona o Iron Dome

Lembra da boa e velha equação de Segundo Grau, que traça uma parábola? É essa trajetória que uma bala de canhão, um foguete ou uma toranja seguem quando são lançados. O que o Iron Dome faz é, com seu radar, medir parte da trajetória do projétil, e com geometria básica, determinar sua trajetória futura.

Com base nesses dados, ele programa o míssil para encontrar o projétil no ponto X,Y,Z no espaço, no momento T.

Claro, isso é uma extrema simplificação, há inúmeros fatores a levar em conta, como direção do vento, ângulo do disparo, temperatura, umidade, tudo afeta a performance de ambos os lados, mas a matemática é essencialmente simples.

Radares capazes de identificar projéteis e calcular sua trajetória surgiram já na Segunda Guerra Mundial, e foram um dos motivos da superioridade americana na Guerra do Pacífico, os japoneses tinham que usar projéteis com fumaça colorida para identificar onde seus tiros estavam caindo, enquanto os americanos usavam radares e computadores analógicos para comparar as projeções com o resultado real, e compensando automaticamente as discrepâncias.

NOTA: Este vídeo é excelente, demonstrando o funcionamento de computadores analógicos de tiro, é fascinante ver um negócio com engrenagens calculando seno e cosseno.

Cada míssil Tamir tem 3 metros de comprimento e pesa 90Kg. Eles são guiados inicialmente por um link de dados da unidade de comando, mas assim que chegam perto do alvo, um radar embarcado, auxiliado por um sistema eletroóptico é acionado para confirmar que estão na trajetória correta. Um sistema de lasers detecta quando o alvo está ao alcance, o que provoca a detonação da ogiva de fragmentação, eliminando o foguete inimigo.

No caso o Iron Dome é eficiente contra mísseis, drones, foguetes e tiros de artilharia de 155mm. Ele não funciona muito bem contra drones, e é inútil contra mísseis mais sofisticados, que alteram sua trajetória durante o vôo. Felizmente o Hamas (ainda) não tem nenhum desses.

Iron Dome – Bateria Típica

O sistema do Iron Dome é composto por uma bateria que consiste em 3 a 4 lançadores, um sistema de gerenciamento de batalha e um radar de controle de fogo. Cada lançador tem a capacidade de carregar até 20 interceptores Tamir. As unidades são todas interligadas por um link digital encriptado sem-fio, e podem ser separadas por centenas de metros para evitar que um ataque danifique todas ao mesmo tempo.

Míssil Tamir sendo disparado. (Crédito: IDF)

O alcance varia entre quatro e setenta quilômetros, protegendo uma área de 150Km2. O radar ELM 2084 MMR é capaz de identificar 1110 alvos aéreos simultâneos.

O custo

Uma interceptação do Iron Dome, em valores de 2023 custa entre US$100 mil e US$150 mil, ainda é bem caro, mas muito mais razoável, e é um sistema criado para proteger vidas, o Iron Dome tem zero capacidade ofensiva, mais fácil justificar seu custo.

O pulo do gato

Um dos meios de derrotar o Iron Dome, como demonstrado nos ataques do Hamas em Outubro de 2023, é saturar o sistema. É bem simples, e vale para todo sistema antimísseis do mundo: Se eu lançar 100 mísseis e você só tem 50 antimísseis, isso vai estragar seu fim de semana.

Israel sofreu um ataque de 5000 foguetes em um período de 20 minutos. Mesmo com vários falhando, caindo em descampados e sendo interceptados, muitos ainda atingiram cidades.

Mesmo assim, muito menos do que o esperado. Qual o segredo?

O truque é que o Iron Dome é muito inteligente. O sistema não é um simples radar de interceptação, é um sistema de defesa coordenado. Raramente duas baterias atiram no mesmo míssil, e antes de atirar o computador avalia um fator em especial:

Comparando com mapas atualizados, ele determina se o projétil inimigo vai cair em alguma área habitada ou construção, ou se vai atingir um parque, descampado, ou o meio do deserto. Caso nada de valioso vá ser atingido, o sistema decide não interceptar e guarda o míssil para o próximo alvo. Tudo isso em frações de segundos.

Variantes

Israel desenvolveu o C-Dome, uma versão naval que usa o radar principal das embarcações, e lançadores verticais, dando cobertura de 360 graus contra ataques inimigos. É especialmente eficaz em regiões costeiras, onde o tempo de reação é muito pequeno.

O Iron Dome é eficaz?

Depende a quem você pergunta. Como ferramenta de guerra psicológica, é maravilhoso, as pessoas nas ruas ficam com uma atitude positiva e moral altíssima quando os mísseis Tamir decolam.

Os militares falam de 95% de eficácia, o valor passado pela imprensa é de 90%. Normalmente 90% soa muito alto, quase como propaganda, mas depois de 5000 foguetes, as cenas de destruição em Israel são tão poucas que talvez não estejam exagerando.

Os defensores do Hamas considera o Iron Dome horrível, com o argumento de que uma arma que impede o inimigo de atacar Israel é injusta, pois Israel pode atacar o Hamas impunemente. Cada um com seu cada um...

E o futuro do Iron Dome?

Como tudo na vida, o Iron Dome só fica mais caro, e ter munição limitada também é um problema. A solução que Israel (e todo mundo) está pesquisando são... Lasers. Tudo fica melhor com lasers, e essa é a proposta do sistema Iron Beam. Ele foi apresentado em uma feira de defesa em Singapura, em 2014.

Projeto da Rafael, seria um laser de 40kW com 7km de alcance, capaz de atingir e detonar projéteis inimigos, mas desde então, nada tem sido falado.

A dura realidade é que assim como Ruby, lasers não escalam. É muito caro e complicado criar lasers contínuos de alta potência, como os 150kW planejados.

Uma alternativa é usar vários lasers mirando no mesmo alvo, concentrando sua energia, mas isso exige bastante coordenação. E ao contrário do Iron Dome, lasers são muito dependentes de condições meteorológicas. Eles são atenuados pela atmosfera, dias chuvosos e nublados afetariam pesadamente o sistema.

Soon... (Crédito: Wookiepedia)

Estima-se que o sistema da Rafael poderia inicialmente baixar o custo das interceptações para menos de US$2 mil, alguns falam de apenas alguns dólares por tiro, com vantagem de cheat de munição infinita, só dependendo de eletricidade para alimentar o sistema.

Os relatos de uso do Iron Beam no conflito atual são só gente se confundindo, as filmagens são apenas efeito de lens flare. Até porque o feixe do Iron Beam funciona na faixa do infravermelho, assim como o essencial, também é invisível aos olhos.

Conclusão

Os ataques da Alemanha contra Londres na Segunda Guerra usando bombas voadores V1 e mísseis V2 mostraram que mesmo armas sem sistemas de guiagem sofisticados conseguem causar muito caos e destruição. Os vários foguetes do Hamas e Hezbollah são uma forma barata e eficiente de aterrorizar a população israelense.

O Iron Dome é um raro caso de solução militar criada em tempo recorde, e um caso mais raro ainda de arma de defesa que realmente só é usada para defesa.

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