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O Santo Graal dos supercondutores foi descoberto? Provavelmente não

Supercondutores não são novidade, mas agora cientistas coreanos dizem ter conseguido criar o Santo Graal: Supercondutores em temperatura ambiente

32 semanas atrás

Supercondutores não são exatamente uma novidade. O primeiro foi descoberto em 1911, mas permaneceu por muito tempo como uma curiosidade científica. Hoje eles são usados em situações específicas, mas uma descoberta revolucionária pode mudar o mundo.

Supercondutor, segundo o Stable Diffusion

O que é um supercondutor?

Condutividade é a capacidade de uma substância em transportar uma carga elétrica. Em condições normais uma substância pode ser um condutor, um isolante ou um semicondutor. O que determina a condutividade de uma substância é sua resistência, que podemos definir como a dificuldade com que a carga elétrica percorre a substância.

Uma analogia seria um trenó. Digamos que você tem que puxar um trenó de 300 kg por 100 metros. Em uma pista de areia você se esforça, sua, mas consegue puxar o bicho. A resistência oferecida é mediana.

Troquemos por uma pista de pedras de tamanhos diversos. Você tenta, empurra, bufa, sua feito um porco. Acaba pedindo ajuda, e quando consegue, está acabado. Esse material é um condutor ruim, de alta resistência.

Agora temos uma pista de gelo, o trenó desliza facilmente, você quase não se esforça. Gasta alguma energia, se cansa, mas só um pouco. É um material bom condutor.

Em um circuito elétrico a resistência à carga elétrica oferecida pelo material é transformada em calor, o que é ruim para 99% dos circuitos elétricos. A exceção são os aquecedores, as únicas máquinas com 100% de eficiência.

Imagem clássica demonstrando a Lei de Ohm, que rege os circuitos elétricos. Segundo ela, I = V / R, a Corrente em Amperes é igual à tensão em Volts dividida pela Resistência, em Ohms. (Crédito: Reprodução Internet)

Em alguns casos, o fenômeno é usado a nosso favor, vide as air fryers e chuveiros elétricos, onde a eletricidade encontra resistência na liga de metal da... resistência, gerando calor e aquecendo a água.

Todo material apresenta resistência, mas quando baixamos absurdamente a temperatura, coisas estranhas acontecem, e algumas substâncias têm sua resistência subitamente reduzida a zero.

Isso significa que uma carga elétrica percorre a substância sem nenhuma perda, nosso trenó agora flutua magicamente no ar, sem sequer inércia.

Resistance is not futile (Crédito: Reprodução Internet)

Imagine de novo nosso trenó, em uma pista de gelo. Se você o puxar rápido demais, vai esquentar via atrito as partes em contato com o gelo. Se ele for muito fino, você cairá no lago dos tubarões-vampiros (a analogia é minha).

No vídeo acima, um ímã é suspenso no campo magnético gerado pelo supercondutor, em temperaturas criogênicas.

Caso você precisa passar mais trenós, mais rapidamente, a camada de gelo precisa ser mais grossa. Por isso, linhas de transmissão de alta voltagem são compostas de cabos robustos.

Com supercondutores, e baixíssima resistência, a dimensão física dos cabos pode ser incrivelmente reduzida, como podemos ver na imagem abaixo, comparando um cabo convencional do CERN, com capacidade de 12500 Amperes, ao lado de um cabo supercondutor de mesma capacidade.

A desvantagem é que cabos supercondutores precisam ser monitorados o tempo todo e mantidos em nitrogênio líquido, ou perdem sua supercondutividade e cabum.

Queria um desses no meu chuveiro (Crédito: By Rama - Creative Commons)

Desde 1911 cientistas vêm pesquisando supercondutores que funcionem em temperaturas mais altas. O recordista atual é um composto de fórmula HgTlBaCaCuO que apresenta propriedades supercondutoras a 164K, equivalente a -109 Graus Célsius.

Tecnicamente, o Sulfeto de Hidrogênio (H2S) é supercondutor a apenas -70C, mas sob uma pressão de 1,53 milhões de atmosferas. O decahidreto de lantânio (LaH10) é supercondutor a -23C, mas sob pressão de 1,7 milhões de atmosferas, então esse não são muito práticos.

Mesmo com as limitações atuais, supercondutores são usados em aplicações industriais, militares, computadores quânticos só funcionam mergulhados em hélio líquido, e diversas sondas espaciais dependem de supercondutores para seus experimentos ultrassensíveis.

Sem supercondutores não teríamos o LHC, e nem os exames de ressonância magnética.

O Santo Graal da supercondutividade, claro, é o mítico supercondutor em temperatura e pressão ambiente, e mal dá para imaginar todas as formas com que isso mudaria o mundo.

E será mais fácil transportar contrabandistas em carbonite (Crédito: Lucasfilm)

Imagine linhas de transmissão saindo de Itaipu e indo até o Acre, com quase zero perda de energia. Usinas solares no meio de desertos poderiam alimentar continentes inteiros. Seu celular não esquentaria mais quando estivesse sendo muito usado.

Rodas seriam coisas do passado, através do Efeito Meissner trens por levitação magnética seriam simples e baratos. Carros poderiam usar pneus até entrar em autoestradas magnéticas, então acionar o sistema de levitação por supercondutores e seguir com um gasto mínimo de energia.

Aceleradores magnéticos poderiam ejetar propelentes de foguete com muito mais velocidade do que com motores químicos, e esse propelente poderia ser algo simples como... água.

Supercondutores permitiram a criação de equipamentos de ressonância magnética portáteis, uma máquina de MRI no seu celular.

Em termos de armamentos, seria o fim dos explosivos, armas novas, terríveis e espetaculares anunciariam o ocaso da longa era da pólvora.

Isso tudo, claro, depende do supercondutor em temperatura ambiente, que ainda não sabemos se é possível. Mas um grupo da Pior Coréia, ou mais precisamente um cientista renegado, diz ter resolvido esse mistério.

Young-Wan Kwon publicou o paper The First Room-Temperature Ambient-Pressure Superconductor no Arxiv.org, sem comunicar o resto da equipe.

Depois foi relevado que Kwon não trabalhava mais em sua Universidade. Outra versão do paper, dessa vez com seis autores, apareceu online. E mais uma, dessa vez em coreano, foi publicada alguns meses atrás.

Segundo eles, o composto chamado LK99 apresenta supercondutividade a uma temperatura de 127º C, o que é absolutamente fantástico, e pode ser resumido, nas palavras da Sabine Hossenfelder em “Mande o Nobel, por favor”.

As Interwebs pegaram fogo, com um monte de gente celebrando a Nova Era da Humanidade, com direito a brigas e ameaças contra os “céticos” que não se uniam à celebração, mas como já dizia Carl Sagan, alegações extraordinárias exigem provas extraordinárias, e o vídeo dos caras não é muito convincente.

Eles basicamente mostram um fragmento de alguma coisa apresentando propriedades magnéticas, que pode ou não ser um supercondutor.

As brigas entre a equipe, os papers ou não terem sido publicados, ou tendo saído em jornais menores também não ajuda.

Felizmente estamos falando de Ciência, então ninguém precisa acreditar em nada; vários laboratórios pelo mundo iniciaram o processo de replicar o experimento. Neste site aqui (thanks Artificial Guy) dá para acompanhar os resultados preliminares. Spoilers: Não estão promissores.

Ciência quase sempre avança passo a passo. Poucas descobertas reescrevem totalmente os livros, e quanto mais disruptiva a descoberta, mais chances de ser alarme falso.

Foi assim com os neutrinos superluminosos, que viajariam acima da Velocidade da Luz, e ou jogariam Einstein na lata do lixo, ou seriam apenas artefatos de medições defeituosas. (adivinhe o que eram)

Foi assim com o tal EM-Drive, o sistema de propulsão não-inercial que ao invés de jogar Newton para escanteio, era só vazamentos de sinais dos instrumentos.

Ainda há quem se lembre da febre da Fusão a Frio, com gente no mundo todo repetindo o experimento, mas no final foi um surto coletivo com gente vendo o que queria ver nos resultados.

Óbvio que todo mundo quer que seja verdade, mas Física de Materiais não é homeopatia, não existe efeito placebo envolvido, então se o LK99 é um supercondutor ou não, os experimentos dirão, então fica o conselho: não entre no hype.

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