Ronaldo Gogoni 21/04/2023 às 10:51
Se pedirmos para uma pessoa aleatória citar, de cabeça, um exemplo de robô bem-sucedido em uso hoje, muitos vão apontar o Roomba e similares. Em menor escala, alguns se lembrarão do Da Vinci, o sistema cirúrgico automatizado empregado para facilitar diversos procedimentos, e é empregado geralmente em intervenções urológicas, cardíacas e ginecológicas.
Agora, o robô de múltiplos braços pode anotar mais um feito em seu currículo: o corpo médico de um hospital na Espanha anunciou o uso do sistema pela primeira vez em um procedimento de transplante de pulmão, usando um método menos agressivo e invasivo que o tradicional.
Lançado em 2000, o Da Vinci está presente em diversos hospitais do Brasil, mas a primeira operação pelo SUS só foi realizada em 2012 (Crédito: Reprodução/iStock)
O Da Vinci foi lançado comercialmente em 2000, mas os trabalhos para o desenvolvimento de robôs cirurgiões começaram ainda nos anos 1980, com estudos da SRI International bancados por vários grupos, inclusive pela DARPA. Em 1995, a companhia Intuitive Surgical foi fundada em torno desses estudos, para refinar os equipamentos do instituto de Menlo Park.
O resultado foi a primeira encarnação do Da Vinci, lançada em 2000. Ao longo dos anos, o sistema passou por diversas revisões, cada uma melhorando suas capacidades e adicionando mais funções. Embora caro (o preço médio do modelo XI, lançado em 2014 e o mais moderno, gira em torno de R$ 16 milhões), ele permite ao cirurgião executar procedimentos completos usando uma abordagem minimamente intrusiva, reduzindo o trauma físico e abreviando o processo de recuperação do paciente.
O Da Vinci consiste em um console, operado pelo cirurgião, e um kit com 3 ou 4 braços robóticos, dependendo do modelo, usados para manusear instrumentos diversos, como bisturis, cauterizadores e tesouras. O último braço segura a câmera, para permitir ao operador (em mais de um sentido) ver o que está fazendo.
Tradicionalmente, o Da Vinci é usado em procedimentos de:
No geral, procedimentos com o Da Vinci são bem menos intrusivos, pois os braços robóticos só precisam de pequenas incisões para cortar e mover partes e órgãos a serem removidos, mas até o momento, ninguém considerou seu uso para um procedimento mais complexo, como um transplante de pulmão.
Por isso mesmo, o feito de profissionais do Hospital Universitário de Vall d'Hebron, em Barcelona, Espanha, deve ser comemorado. O paciente, um homem de 65 anos identificado apenas como "Xavier", sofria de fibrose pulmonar, uma condição causada pela aspiração de elementos nocivos, como poeira e feno, ou exposição a materiais perigosos, como o amianto.
Em um procedimento normal, o paciente precisaria ser submetido a uma intervenção bastante traumática, no que uma incisão de 30 cm no peito, e a remoção de várias costelas, são necessárias para se ter acesso aos pulmões a serem substituídos. A recuperação é lenta e dolorosa, para dizer o mínimo.
Com o Da Vinci, o processo é bem menos invasivo.
Nota: embora o vídeo acima mostre um procedimento de transplante duplo de pulmão, o realizado na realidade substituiu apenas um. Segundo a equipe médica do Vall d'Hebron, o procedimento ainda precisa ser refinado para isso, o que não deve demorar, entretanto.
Primeiro, um braço faz uma incisão na região do diafragma de apenas 8 cm, por onde os pulmões (o velho e o novo) irão passar. Os braços robóticos esvaziam o ar do órgão a ser removido, que fica bem menor, e passa tranquilamente pela abertura reduzida. O pulmão novo, também vazio, passa pela incisão, é reinflado e suturado, com o braço-câmera provendo visão de 360º ao cirurgião no console.
As incisões necessárias para a inserção dos braços são mínimas, e apenas a abertura no abdômen demanda sutura. Além disso, não é sequer necessário mexer com as costelas, assim, a caixa torácica permanece intocada.
É preciso lembrar que, embora o Da Vinci seja um sistema especializado, ele não é autônomo; ele depende de ser operado por um profissional humano, na mesma sala, ou seja, não é habilitado para uso com telepresença. O ZEUS, um predecessor que usava os mesmos princípios e estudos da SRI International, foi o único sistema usado em um procedimento de cirurgia remota, em 2001. Dois anos depois, a empresa foi absorvida pela Intuitive Surgical, que nunca tentou nada do tipo.
Segundo o Dr. Albert Jauregui, cirurgião-chefe do Departamento de Cirurgias Torácicas e de Transplantes de Pulmão do Hospital Universitário de Vall d'Hebron, a técnica será agora oferecida aos pacientes na fila esperando por transplantes simples, enquanto o Da Vinci, e os médicos, passarão por treinamentos e ajustes para viabilizar o procedimento duplo.
No futuro, quem sabe, o Da Vinci poderá ser usado também para outras cirurgias similares.
Fonte: The Next Web