Meio Bit » Internet » Grupo católico comprou dados do Grindr para rastrear padres gays

Grupo católico comprou dados do Grindr para rastrear padres gays

Dados do Grindr e de outros apps de encontro LGBTQIA+ foram usados para identificar padres gays, estes afastados de suas funções

1 ano atrás

Um grupo de católicos conservadores do estado de Denver, nos Estados Unidos, alega ter gasto US$ 4 milhões em dados do Grindr e outros apps de encontro, dedicados à comunidade LGBTQIA+, para identificar padres entre seus usuários, no que estes foram removidos de suas funções clericais.

O caso não é inédito, mas demonstra mais uma vez que dados "anonimizados" não são 100% protegidos, quando quem coloca as mãos neles sabe o que está fazendo, e como procurar.

Padre usando smartphone (Crédito: Pascal Deloche/Getty Images) / grindr

Padre usando smartphone (Crédito: Pascal Deloche/Getty Images)

O grupo sem fim lucrativos, chamado Leigos e Clérigos Católicos Pela Renovação (Catholic Laity and Clergy for Renewal, ou CLCR, em inglês), foi formada em 2019, na onda de escândalos envolvendo o ex-cardeal Theodore McCarrick, que responde por inúmeras acusações de abuso sexual, ao longo de décadas.

No processo, o Vaticano se mostrou leniente ao ignorar relatórios de vários núncios apostólicos nos EUA, desde o papado de João Paulo II, que não acreditou nos relatos. O surgimento do grupo seria uma reação, por parte de indivíduos "preocupados" com o estado da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), para não permitir a presença do que entendem como "predadores sexuais" dentro do clero.

Segundo reportagem do jornal The Washington Post, que teve acesso a registros de encontros fechados do CLCR, assim como dados de documentos vazados, o grupo gastou uma quantia considerável, proveniente de filantropos como Mark Bauman, John Martin e Tim Reichert (os 3 homens de negócios fariam parte da liderança do grupo), para adquirir dados de uso e localização de apps como o Grindr, ainda hoje o mais usado para encontros pela comunidade gay (e que precedeu Tinder e cia. em vários anos), e outros como Growlr, Scruff, Jack’da e OkCupid, entre 2018 e 2021.

A grande pegadinha aqui reside no fato de que nos EUA, a compra desses dados é perfeitamente legal. Aplicativos coletam informações de seus usuários e podem vendê-las a parceiros comerciais, e operadoras fazem o mesmo. Em um mundo ideal, os dados sensíveis seriam "anonimizados", isto é, todas as referências que ligam "quem" a "o quê, onde e quando", seriam quebradas, e quem vê de fora não poderia ligar os pontos, mesmo pagando.

Isso é, na teoria. O mundo real já mostrou, mais de uma vez, que anonimidade de dados é uma prática pouco implementada, quando não é feita de qualquer jeito. O Grindr mesmo foi pivô de um caso em 2021, justamente quando um padre foi identificado, da mesma maneira.

Nos EUA, a lei permite que qualquer um com grana possa comprar dados de geolocalização e uso de apps, ainda mais porque o país não possui uma lei de privacidade uniforme, válida nos 50 estados. Por lá, casos de detetives particulares cruzando dados de aplicativos com a localização de usuários é lugar-comum.

Interface do Grindr (Crédito: Divulgação/Grindr LLC)

Interface do Grindr (Crédito: Divulgação/Grindr LLC)

O caso da CLCR indo atrás de padres gays é só mais um capítulo, e o procedimento usado foi o mesmo do caso de 2021. Os dados de uso e localização dos apps foram comparados com as residências de diversos padres no território norte-americano, e uma vez que um "match" fosse identificado, a informação era repassada aos bispos das respectivas dioceses dos sacerdotes, de modo que eles fossem punidos.

Embora um padre deva observar o celibato, ser homossexual continua sendo uma ofensa capital dentro da ICAR, quer tenha vida sexual ativa, ou não. Grupos de defesa dos direitos LGBTQIA+ estão acusando a CLCR de usar o caso do ex-cardeal McCarrick como pretexto, de modo a conduzir uma "caça às bruxas" (no caso, aos gays) dentro do clero.

A notícia não foi bem recebida dentro do Grindr. Patrick Lenihan, porta-voz da companhia, disse que as alegações do CLCR sobre a coleta de dados não se sustentam, pois a plataforma teria mudados seus sistemas para proteger os usuários, contra casos de vazamento. O problema, no entanto, reside na aquisição legal das informações coletadas.

Em nota posterior enviada ao site Gizmodo, Lenihan disse que as mudanças implementadas no Grindr em 2020 incluem uma alteração em como o app compartilha dados com parceiros comerciais, para a exibição de anúncios, de modo a aumentar a segurança, mas relatórios recentes mostram que os casos continuam ocorrendo.

Até o momento ninguém da CLCR, ou do alto escalão da ICAR nos Estados Unidos, comentou o assunto.

Fonte: The Washington Post

Leia mais sobre: , .

relacionados


Comentários