Ronaldo Gogoni 2 anos atrás
A Microsoft apresentou recentemente novas regras a serem implementadas em sua loja digital, que distribui aplicações de Windows 10 e Xbox, para diminuir abusos cometidos por desenvolvedores (supostamente) mal-intencionados. Algumas delas são realmente boas, como as que proíbem precificação abusiva e submissão de softwares que copiam outros.
Por outro lado, a Microsoft irritou profundamente a comunidade open source com uma regra nova específica, que proibiria terminantemente a monetização de programas de código aberto distribuídos na MS Store, mesmo por desenvolvedores atendendo as Liberdades GNU/Linux, que por norma, são permitidos vender seus softwares.
No dia 17 de junho de 2022, a Microsoft atualizou as políticas de uso da Microsoft Store, para tornar o ecossistema mais justo para todos. A confusão com a comunidade open source se deu pelo item 10.8.7, que diz o seguinte:
Nos casos em que você (o desenvolvedor) determinar o preço para seu produto ou compras no aplicativo, todos os valores, incluindo vendas e descontos, para seus produtos ou serviços digitais, devem:
- Cumprir todas as leis, regulamentos e diretrizes regulatórias aplicáveis, o que inclui, sem limitações, os Guias da FTC (Comissão Federal de Comércio, órgão dos EUA equivalente ao Cade no Brasil) contra preços fraudulentos/enganosos;
- Não fazer tentativas de lucrar com software open source/de código aberto, ou outro software geralmente disponível gratuitamente, nem ter um preço irracionalmente alto em relação aos recursos e funcionalidades fornecidos.
Os pontos sobre sobrar valores de programas normalmente distribuídos gratuitamente em outras, ou de barrar tentativas de devs cobrarem preços absurdos por suas soluções, são modificações bem-vindas. No entanto, a menção a "não lucrar com software open source" é, para dizer o óbvio, insensata.
Se interpretarmos de forma literal o que foi publicado pela Microsoft, a MS Store se reserva no direito de proibir a distribuição de softwares e apps comerciais de código aberto, no que existem uma penca deles, do editor de vídeo Shotcut ao cliente FTP WinSCP, ambos distribuídos na loja.
As novas regras para a Microsoft Store entram em vigor neste sábado (16), mas a reação da comunidade open source foi tão negativa, que a gigante de Redmond incluiu um adendo no item 10.8.7, dizendo que ele não será implementado por enquanto, por "ter sido entendido de forma diferente da intenção original".
A Microsoft informa que a regra em questão será revista e atualizada, mas não definiu uma data para isso.
O que aconteceu aqui foi mais um caso de confusão, quado os players envolvidos não entendem a diferença entre open source/código aberto e software gratuito. Nos anos 1980, Richard Stallman definiu as Liberdades da Licença Pública Geral GNU (GNU GPL, originalmente de 1 a 3; a Liberdade 0 veio depois), sendo:
Na ocasião (fevereiro de 1986), Stallman escreveu não ser propenso à ideia de um desenvolvedor vender licenças de uso de programas open source, pois no seu entendimento, a cobrança por serviços agregados (suporte e manutenção) é o jeito correto de devs da comunidade se sustentarem com seu trabalho. Ainda assim, hoje a licença GNU GPL permite a comercialização, desde que as Quatro Liberdades sejam observadas e atendidas.
Hoje, mesmo distribuições Linux como a SUSE Linux Enterprise Server (SLES), voltada a empresas, podem restringir seu acesso mediante pagamento (o Red Hat é gratuito, mas cobra pelo suporte corporativo), mas é fato que boa parte da comunidade se mantém ligada à filosofia original, de que tudo que é open source deve ser gratuito, o que não é uma regra oficial.
Voltando à Microsoft, o item 10.8.7 das novas regras para a MS Store é um caso de confusão por, provavelmente, excesso de zelo. Redmond provavelmente determinou que todo programa open source a ser distribuído na sua loja deveria ser gratuito, para proteger desenvolvedores originais (tanto os da comunidade open source, quanto grandes corporações) contra indivíduos copiando, e cobrando, por apps clonados dos originais.
No entanto, a linguagem usada no texto, se interpretada literalmente, proíbe os devs originais de fixarem preços em soluções de código aberto, mesmo comprovando serem os reais detentores de copyrights, inclusive do código-fonte, passível de patentes e, que segundo a Convenção de Berna, seguida por diversos países, EUA e Brasil inclusos, os direitos pertencem ao autor original.
Há uma série de problemas que a Microsoft não tratou diretamente. Bradley M. Kuhn e Denver Gingerich, ativistas da Software Freedom Conservancy, ONG que fornece suporte e serviços legais a projetos de código aberto, publicaram um texto sobre os perigos que a regra original apresentava, no que a Microsoft poderia criar um ambiente que confronta os definidos em modelos de Copyleft, que oferece menos restrições sob o modelo de licenças FOSS/FLOSS.
Ao mesmo tempo, Kuhn e Gingerich dizem que um contra-argumento usado pela Microsoft, de que limitaria a monetização a "um único verdadeiro desenvolvedor" de uma solução, poderia abrir caminho para práticas tóxicas, como a do freeware: versões básicas com modelos de apps dotados de recursos limitados, enquanto erguem um paywall ao redor das funcionalidades essenciais.
Um bom exemplo disso é o atual ecossistema de plugins do WordPress, em que a média oferece menos de 10% dos recursos de graça, enquanto cobram caro (muitos, em modelos de assinatura) para liberar o acesso ao restante das funções.
No mais, a Microsoft ao menos reconheceu que talvez tenha metido os pés pelas mãos, e desagradado à comunidade open source, que mesmo com todos os avanços da companhia (liberando o PowerShell, o Skype e o SQL Server, entrar para o Projeto Eclipse e lançar distros Linux de grande porte e para dispositivos da IoT), ainda não a vê com bons olhos. E este episódio em nada melhora a relação entre ambas as partes.
Fonte: TechCrunch