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Cérebro de ratos possui modo de "baixa energia"

Pesquisa revela que cérebro de roedores ativa modo que consome menos energia em cenário de fome, ao custo da acuidade visual

2 anos atrás

O cérebro é, de longe, o órgão que mais consome energia. O humano, por exemplo, responde por apenas 2% do peso médio de um indivíduo adulto, mas para funcionar bem, ele queima aproximadamente 500 calorias por dia, de um total de 2.000 que uma pessoa reverte em uma dieta saudável. Isso mesmo, 25%.

Em um cenário de fome a curto prazo, o cérebro não possui mecanismos para lidar com a escassez de energia de modo mais eficiente, ou seja, ele não reduz sua exigência energética. Mas o que acontece durante um período constante e mais prolongado?

Cérebro de ratos (e em tese, de mamíferos em geral) perdem resolução visual quando o indivíduo está com fome, para poupar consumo de energia (Crédito: Shutterbug75/Pixabay)

Cérebro de ratos (e em tese, de mamíferos em geral) perdem resolução visual quando o indivíduo está com fome, para poupar consumo de energia (Crédito: Shutterbug75/Pixabay)

Uma pesquisa recente, de neurocientistas da Universidade de Edimburgo, Escócia, identificou que o cérebro de ratos possui uma espécie de "modo de baixa energia", ativo quando espécimes são expostos a longos períodos de escassez de alimentos, que implementa um efeito relevante: redução da acuidade visual.

Cérebro em modo "Economia de Energia"

O que nós sabemos: nosso organismo consome ATP (trifosfato de adenosina), o nucleotídeo responsável pelo processo de geração de energia que nossas células precisam para se sustentar. O cérebro, como órgão responsável por uma série de processos do organismo, sozinho consome 1/4 de tudo o que consumimos, e exatamente por isso, ele tende a sempre funcionar a 100%, independente de você estar bem alimentado ou não.

No entanto, isso se aplicaria somente à sensação momentânea da fome quando atrasamos uma refeição, e não a um cenário onde a comida se tornou escassa, por uma série de motivos (estiagem, inverno, falta de caça, pragas, etc.). Historicamente humanos, nossos antepassados hominídeos, e outros mamíferos, já enfrentaram, ao longo dos milênios, situações onde a comida nem sempre estava ao alcance fácil.

Se não há alimento, o cérebro deveria em teoria ativar um modo de baixo consumo, para poupar as energias e garantir a sobrevivência, ao identificar que o período de fome será mais longo que o normal. Mas como ele faria isso, e quais seriam as consequências? O que nossos miolos julgariam menos essencial para a sobrevivência, em um cenário crítico?

A pesquisa, liderada pela profa. Dra. Natalie Rochefort, apontou para um candidato que nem surpreende tanto: a visão, ou sendo mais exato, a acuidade visual.

O experimento observou que quando ratos são expostos a uma dieta bem restrita por semanas, que os fez perder entre 15% e 20% da massa corpórea, os neurônios do córtex visual passaram a usar cerca de 29% menos ATP para operarem. Como resultado, os espécimes passam a apresentar uma visão em modo de "baixa resolução", onde percebem menos detalhes do ambiente; isso foi constatado em testes visuais onde eles tiveram resultados piores do que ratos bem alimentados.

Não é a primeira vez que pesquisas apontam que a privação de alimentos tem efeitos na percepção, mesmo com o cérebro a princípio não reduzindo o seu consumo. Em 2016, um artigo publicado por neurocientistas da Universidade de Michigan revelou que quando confrontados com uma imagem com comida, o cérebro reage de formas diferentes quando uma pessoa está ou não satisfeita. Quando com fome, certas áreas se ativam com mais intensidade.

Porém, a pesquisa recente mostra um caso completamente diferente, com o cérebro entrando em um modo de operação mais limitado, comprometendo funções apenas para continuar funcionando, quando confrontado com longos períodos de falta de comida.

Cérebro humano pode usar o mesmo princípio para ativar modo de pouca energia (Crédito: Matt Curtis/Quanta Magazine)

Cérebro humano pode usar o mesmo princípio para ativar modo de pouca energia (Crédito: Matt Curtis/Quanta Magazine)

O "swtich" também foi identificado e é a leptina, peptídeo importante para a regulação de energia do organismo, liberada pelas células de gordura quando há reservas suficientes. Quando o cérebro detecta sua presença, ele desliga o modo de "economia de energia" e volta a operar normalmente; quando há leptina demais no sistema, somos estimulados a comer menos.

Metodologia viciada?

O artigo é importante também por apontar algo interessante: em geral, pesquisadores tendem a fazer seus experimentos envolvendo cobaias, como ratos, expondo-os a períodos com dieta restrita, de modo a torná-los mais propensos a realizar os exercícios em troca de comida; do contrário, se bem alimentados, eles tendem a não se envolverem com atividades físicas.

Rochefort diz que seu trabalho mostra que a restrição alimentar prolongada tem efeitos significativos na percepção dos espécimes, e assim, é possível que nossa metodologia e resultados em experimentos, tenham sido baseados em cérebros de ratos operando no modo de baixo consumo, ao invés de a todo vapor. Isso compromete resultados, dependendo do intuito da pesquisa.

A pesquisadora diz, por exemplo, que experimentos baseados nas capacidades de aprendizado e memorização de ratos, possa estar toda viciada, por estes não estarem na plena capacidade cerebral quando foram analisados.

Segundo a profa. Dra. Lindsey Glickfeld, neurocientista especializada em visão da Duke University, dos Estados Unidos, é preciso analisar mais profundamente a metodologia de experimentos, e como seus dados são interpretados, considerando como neurônios respondem em cenários diferentes, visto que cérebros satisfeitos e com fome por muito tempo operam de formas diferentes.

Referências bibliográficas

PADAMSEY, Z., KATSANEVAKI, D., DUPUY, N., ROCHEFORT, N. L. Neocortex saves energy by reducing coding precision during food scarcity. Neuron, Volume 110, Edição 2, 40 páginas, 19 de janeiro de 2022. Disponível aqui.

Fonte: WIRED

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