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Anno 2070 e a dificuldade em preservar a história dos games

Após Ubisoft anunciar o fim do modo online do Anno 2070, estúdio revela que tentará reverter o quadro. Enquanto isso, a história dos games segue se perdendo

2 anos atrás

Pouco mais de dois meses após a Ubisoft anunciar o desligamento das porções online de 90 jogos, a editora francesa voltou a frustrar os fãs de algumas das suas franquias. Dessa vez, 15 títulos serão atingidos pelo fim do multiplayer online e até por seus DLCs que deixarão de funcionar, mas desses, o caso do Anno 2070 chama a atenção por uma situação inusitada.

Anno 2070

Ainda há esperança para o Anno 2077 (Crédito: Divulgação/Ubisoft)

De acordo com o comunicado emitido pela empresa, a partir de 1.º de setembro o jogo de estratégia deveria deixar de contar com partidas multiplayer, nos permitir conectar em nossa conta da Ubisoft ou usar qualquer recurso online. Deveria.

Isso porque, graças a uma grande reviravolta, o estúdio responsável pelo Anno 2070 anunciou que fará o possível para manter essas partes do jogo funcionando. O detalhe é que estamos falando da Ubisoft Mainz (ex- Related Designs), desenvolvedora localizada na Alemanha e diretamente ligada a empresa principal.

“Após uma investigação inicial, decidimos dedicar alguns dos nossos recursos de desenvolvimento para trabalhar na atualização da infraestrutura dos serviços online do Anno 2070 para um novo sistema, para que esses recursos possam continuar sendo usados após a data mencionada,” diz a nota no site da série.

O comunicado ainda afirma que eles não podem garantir que conseguirão fazer a atualização/troca da maneira como desejam e que nas próximas semanas ou meses deveremos ter novidades em relação ao jogo. Por fim, o estúdio agradeceu a compreensão dos fãs.

Ou seja, estamos diante do curioso caso de uma subsidiária que está tentando “salvar” sua criação das decisões da editora, o que me leva a pensar em duas hipóteses: ou os profissionais que trabalham no estúdio alemão decidiram chutar o balde e tomar uma decisão sem consultar seus superiores; ou os diretores da Ubisoft não tem a menor convicção quando anunciam quais títulos merecem ter seus servidores desligados.

Vale notar que, da leva de jogos que serão atingidos no início de setembro, a série Anno pode ser considerada uma das menos populares. Com isso não quero dizer que ela não carregue vários fãs consigo, mas fica difícil competir com nomes do peso de um Assassin's Creed, Far Cry, Prince of Persia, Rayman ou Splinter Cell.

No entanto, o Anno 2070 possui uma característica que pode ter contribuído para ele ser o único escolhido a ter uma tentativa de sobrevida. Mesmo tendo sido lançado há mais de dez anos, o fato de se tratar de um jogo de estratégia pode ter influenciado nessa decisão.

Títulos assim costumam ser aproveitados por muito mais tempo do que os demais, com a comunidade que ser forma em torno deles se mantendo por mais tempo interessada do que em jogos com lançamentos anuais. Isso pode ser visto nos comentários feitos no próprio anúncio da Ubisoft Mainz, com várias pessoas clamando para que a porção online não seja desligada. Outra forma de manifestação já começa a ser sentida no Steam, com algumas avaliações negativas citando diretamente o iminente desligamento dos servidores.

A dura luta para salvar a história

Crédito: Divulgação/Strong National Museum of Play

E essa tentativa da Ubisoft Mainz em salvar o multiplayer do Anno 2070 me fez pensar em um ótimo artigo escrito por Brendan Sinclair para o site GamesIndustry. Intitulado “A preservação de games é uma batalha perdida?”, ele fala sobre como apesar das iniciativas para manter viva a história da mídia, elas não têm conseguido acompanhar o crescimento da indústria.

Todos nós sabemos que encontrar alguns clássicos não é uma tarefa fácil e com essa escassez, o aumento no número de pessoas dispostas a colecionar tem feito com que os preços se tornassem absurdamente altos. Porém, as pessoas ouvidas por Sinclair me fizeram olhar para o que tem sido lançado mais recentemente.

Desde a geração do Xbox One e PlayStation 4, os jogos deixaram de ser executados diretamente dos discos, com eles precisando ser instalados nos HDs dos consoles. Isso fez com que a versão que recebemos ao comprar um título fisicamente seja mais antiga do que quando formos jogar, ou muitas vezes com o disco servindo apenas como uma chave para baixarmos o título completo.

Ou seja, se antes muitas pessoas preferiam adquirir o cartucho ou CD de um jogo por acreditarem que dessa forma estariam mais protegidos no futuro, para o curador do The Strong National Museum of Play (Rochester, NY), Andrew Bowman, “as cópias físicas não serão a ferramenta mágica de preservação conforme o tempo for passando.”

Esse é um temor que também aflige Chris Young, responsável por uma coleção de jogos mantida pela University of Toronto Mississauga. Para ele, a maneira como os títulos têm sido constantemente atualizados hoje em dia tornará a preservação quase impossível. Como exemplo, o curador cita que se pegarmos um jogo mobile lançado há dez anos, atualmente ele será muito diferente de quando surgiu, com novas histórias, menus e as mais variadas alterações.

Então, mesmo se uma desenvolvedora mantiver uma cópia de cada atualização já lançada, haverá o problema de middlewares ou APIs que foram abandonadas pelos seus criadores. Porém, mesmo se ignorarmos essa busca pelo acesso a cada atualização de um jogo, conseguirmos acessar a melhor versão possível já me parece um problema bastante sério.

Jogos escolhidos para o World Video Game Hall of Fame 2022 (Crédito: Divulgação/Strong National Museum of Play)

Tornou-se comum um jogo receber uma atualização no dia do seu lançamento, com várias melhorias sendo implementadas e em alguns casos, tornando o produto “cru” quase injogável. Pensemos então no seguinte cenário: daqui a 20 ou 30 anos você adquire um PlayStation 4 usado, que (milagrosamente) segue funcionando e com ele recebe alguns jogos. O problema é que a PSN para o console deixou de existir e você terá que aproveitar os títulos da maneira como estão nos Blu-rays. Com isso a sua experiência poderá ser muito diferente daquela que tivemos quando a rede ainda funcionava, sem as melhorias implementadas pelos estúdios durante meses, anos!

Pode ser que daqui a tanto tempo a situação seja muito diferente, com as empresas lidando muito melhor com o seu passado, mas eu não consigo ter muita esperança em relação a isso. Da maneira como os executivos tratam a história, tendo a crer que a maior chance de preservação está mesmo nas mãos do público, com seus esforços para podermos continuar jogando títulos mais antigos.

Contudo, isso nos leva a outro problema, as leis de direitos autoriais. Embora o Digital Millennium Copyright Act permita que pesquisadores quebrem o sistema de autenticação para jogos single-player que dependam da autenticação online para funcionar, esse é um procedimento difícil de ser realizado. Já aos acadêmicos dos Estados Unidos e Canadá que queiram fazer cópias de jogos para uso educacional, a lei também lhes dá algum amparo, mas como tal direito nunca chegou a ser usado no tribunal, muitos tratam o assunto com receio.

“Para nós, na universidade, o quão confiantes estamos de que, se começarmos a tornar os materiais acessíveis em certos ambientes, não seremos processados por certas empresas?”, questiona Young. “Até que grupos organizacionais estejam suficientemente confiantes para fazer isso — e se eles forem processados, ganharem o caso — é difícil saber qual o caminho a seguir.”

Bowman foi até mais pessimista em sua visão sobre o assunto, afirmando que se o objetivo é preservar uma cópia funcional de cada jogo, essa é uma batalha que já perdemos. Para ele, há vários títulos que nunca mais veremos “e não há chance de preservamos uma cópia de streaming de algo que seja uma versão jogável, a menos que você trabalhe com os desenvolvedores.” Ainda assim, mesmo que consigamos essa cópia, poderá não haver uma maneira de a aproveitarmos.

Crédito: Divulgação/Strong National Museum of Play

Será então que no futuro a única maneira de termos contato com vários jogos será através de “gameplay gravado, histórias contadas oralmente e outras formas de capturar os dados”, para que assim as próximas gerações tenham uma noção de como esses títulos eram? Pois essa é uma sugestão feita por Andrew Bowman.

Será interessante ver como a indústria lidará com algo tão importante, mas faz sentido pensar que quanto mais avançarmos no futuro, a tendência é que se torne cada vez mais difícil guardarmos o passado dos jogos. Enquanto isso, nos resta aproveitar o que tem sido lançado, atualizado e melhorado atualmente, e torcermos para continuar surgindo iniciativas como a do Embracer Group ou a da própria Ubisoft Mainz em relação ao Anno 2070.

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