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Sobre Marvel, deuses e roteiristas sem imaginação

Hollywood fez de novo: Em Cavaleiro da Lua apelaram para os poderes dos deuses, quando um celular resolveria o problema dos protagonistas

2 anos atrás

Quando o MCU começou ninguém sonharia em histórias envolvendo deuses egípcios, ou qualquer tipo de divindade fora os marmoteiros asgardianos. Depois que a porteira foi aberta temos magia, tecnologia, bruxas, deuses, Celestiais e o TVA. Mesmo assim, a imaginação dos roteiristas não consegue competir com a Realidade e a Ciência.

A Manopla do Infinito e útil, eu reconheço, mas não é necessária pra tudo. (Crédito: Marvel / Disney)

Que Hollywood tem um problema sério em entender ciência, não é de hoje. Um bom exemplo é a mania de inventarem histórias em “galáxias distantes”. Nossa galáxia, a Via-Láctea tem 200 mil anos-luz de diâmetro. Estima-se que ela contenha algo entre 100 e 400 bilhões de estrelas. As descobertas de exoplanetas mostram que eles são bem comuns, então é possível que haja mais de um trilhão de planetas só na nossa galáxia.

É preciso mesmo que todo alienígena que aparece, vem de outra galáxia?

No geral, a maioria dos roteiristas de Hollywood não consegue compreender a imensidão do Cosmos, e sendo honesto muitas conquistas da Ciência, como o LHC parecem pura ficção científica.

Nós não só descobrimos exoplanetas, como nossa tecnologia consegue feitos que não foram sonhados nem pelos roteiristas de Star Trek. Em 2001 conseguimos detectar a composição da atmosfera de HD 209458 b, um planeta a 159 anos-luz de distância. Também já identificamos tempestades, ventos e chuva em planetas a dezenas, às vezes centenas de anos-luz.

Através de lentes gravitacionais, um subproduto da Teoria da Relatividade, cientistas estão razoavelmente confiantes que conseguiram detectar um exoplaneta em Andrômeda, uma galáxia a 2,5 milhões de anos-luz da Terra. NENHUM autor de ficção científica ousou imaginar tecnologia capaz disso.

No causo de hoje, a tecnologia é bem mais prosaica, mas é um caso clássico de roteiristas subestimando a Ciência, mesmo no Universo Cinematográfico Marvel, um ambiente que costuma ser muito pró-ciência.

A situação em questão aconteceu no episódio 3 da ótima série Cavaleiro da Lua. Aqui a Marvel já chutou a barraca, enfiaram deuses egípcios na história. Depois de muitas reviravoltas, nossos heróis vão parar no Egito, atrás de uma tumba onde está sepultada uma deusa maligna que os vilões querem libertar.

A localização da tumba está perdida, nem os deuses sabem onde ela está, mas os heróis conseguem um mapa de constelações que indica a localização da tal tumba. Só há um problema: O mapa mostra constelações como elas eram milhares de anos no passado.

Achamos que o céu é constante, mas tudo no Universo está em movimento, exceto o seu cunhado, aquele sedentário. As estrelas do céu noturno estão se movendo tridimensionalmente, algumas se afastando, outras se aproximando. No pálido e efêmero tempo de uma vida humana, nenhuma alteração é percebida, mas com o passar dos Séculos, mudanças começas a se acumular.

Carl Sagan demonstrou muito bem esse fenômeno em Cosmos, sua obra-prima,  usando computadores para calcular a movimentação das estrelas depois de milhões de anos:

Essa deriva estelar é algo que os roteiristas entendem, em Stargate é um ponto importante da trama, e o motivo do Stargate não estar funcionando. Eles resolvem usando os supercomputadores do NORAD para calcular as posições estelares, o que é um pouco hilário, esses cálculos são complexos mas não estão distantes da maioria dos computadores.

Deriva estelar, depois de 6 mil anos (Crédito: Carlos Cardoso)

Aqui por exemplo vemos a constelação da Ursa Menor, como aparece em 2022 e como aparecia em 4000 Antes de Cristo. Note as estrelas em volta, como também se movem independentemente.

Já em Cavaleiro da Lua, quando percebem que as estrelas não estão alinhadas, os heróis precisam apelar. Nada menos que os poderes de um deus são necessários para resolver o problema. Khonshu, deus da Lua e dos Viajantes, e responsável pela criação do Cavaleiro da Lua desafia os outros deuses, que proibiram os membros do panteão de se expor aos mortais.

Konshu desafia os outros deuses e usa seus poderes para… alterar o firmamento, revertendo a posição dos astros em milhares de anos, até um dia específico. A cena é danada de bonita.

O pessoal dos efeitos visuais incluiu até uma analema, a curva em forma de oito formada pelo Sol ou pela Lua, quando fotografados durante o ano, do mesmo ponto.

A manobra foi acompanhada por Layla, a mocinha da série, que usou seu tablet para comparar o mapa com o céu alterado, e achar a tal tumba. Khonshu foi punido pelos deuses, o Cavaleiro da Lua perdeu seus poderes e a situação se complicou, mas isso não vem ao caso.

A parte divertida é que Khonshu se sacrificou à toa. Quer ver como era o céu 4000 anos antes de Cristo, visto do Cairo? Era assim:

Céu do Cairo, dia 1/1/4000 antes de Cristo. Não é magia, é tecnologia (Crédito: Stellarium)

Como eu consegui isso? Não, (ainda) não tenho poderes divinos, mas tenho poderes da ciência. Um bom software astronômico é capaz de calcular o firmamento em qualquer data, visto de qualquer ponto. E quase instantaneamente.

No caso eu usei o excelente Stellarium, um software gratuito, open source, com versões para Mac, Windows, Linux, iPhone, Android e até Web. O Stellarium simula eclipses, chuvas de meteoros, luminosidade ambiente, mostra constelações de mais de 40 culturas e agrega catálogos que somam mais de 170 milhões de estrelas.

Com ele você pode acompanhar a Lua e ver que horas ela vai nascer amanhã, ou pode viajar para o Egito de 4000 AC e ver o céu, considerando inclusive a deriva estelar.

Layla, com seu tablet rodando Windows só precisaria baixar o Stellarium, perguntar a Khonshu a data exata, e em segundos teria a resposta que precisava. Isso mesmo; algo que na série precisaram dos poderes de um DEUS, é resolvido com um simples programa.

É comum ver tramas em filmes e séries que se complicam desnecessariamente, podendo ser resolvidas com bom-senso, comunicação ou uso de tecnologia. Um bom exemplo é aquela groselha de enrolar o bandido no telefone enquanto a polícia rastreia a chamada.

Isso vem do tempo das centrais telefônicas eletromecânicas, desde que a telefonia passou a ser digital, o número que está chamando é recebido antes do seu telefone tocar, mas todos esses casos são fichinha perto do dia em que a Marvel criou a mãe de todas as situações de usar canhão para matar passarinho (sorry, Khonshu) ao usar um deus para algo que uma app de celular resolveria.

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