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John Madden e seu incrível legado deixado pelos games

Responsável por apresentar o futebol americano a muitas pessoas através de suas explicações (e jogos), o mundo se despede do lendário John Madden

2 anos atrás

Pelé, Muhammad Ali, Michael Jordan, Babe Ruth, Tiger Woods, Wayne Gretzky… Muitos esportes possuem algum atleta que acabou se tornando a cara da modalidade, mas quando se trata do futebol americano, aquele que será sempre associado à bola oval é John Madden. O curioso é que isso não acontecerá (tanto) pelos seus feitos em campo, mas por causa dos videogames.

John Madden

Crédito: Reprodução/EA/MobyGames

Nascido em 1936 na cidade de Austin, Minnesota, John Earl Madden estudava na Cal Poly quando foi draftado pelo Philadelphia Eagles em 1958. Aquele era o sonho de qualquer jovem que adorava futebol americano, mas a vontade de se tornar um jogador profissional não foi muito longe. Já no primeiro treino o rapaz sofreu uma lesão no joelho, o que encerraria prematuramente sua carreira.

Formado em pedagogia, enquanto se tratava do ferimento, Madden percebeu que poderia usar seu conhecimento para ensinar e assim ele se tornou o técnico assistente no Allan Hancock College, em 1960. Dois anos depois o jovem assumiria o cargo principal da equipe, para em 1963 ser contratado pela San Diego State, onde permaneceu por quatro temporadas e ficaria entre as melhores faculdades de menor porte.

O sucesso então chamou a atenção do Oakland Riders, equipe profissional onde ele inicialmente atuaria como técnico dos linebackers e ajudaria a chegar ao Super Bowl de 1968. Porém, o grande salto da sua carreira aconteceria na temporada seguinte, quando o técnico principal deixaria seu cargo para assumir o Buffalo Bills e John Madden enfim se tornaria o comandante do time californiano.

Carregando consigo a responsabilidade de ser o técnico mais novo da NFL com apenas 32 anos, ele permaneceria neste cargo até 1978, chegando a vencer o Super Bowl no ano anterior. Além disso, sob o comendo de Madden os Raiders nunca registrariam uma campanha negativa (com menos vitórias do que derrotas) e venceria a sua divisão por sete vezes. Ao todo, sua carreira terminaria com 103 vitórias, 31 derrotas e apenas sete empates, sendo até hoje o segundo melhor percentual de triunfos da NFL, ficando atrás apenas da lenda Vince Lombardi.

O ex-técnico em Madden NFL '94 (Crédito: Reprodução/Luis Silva/MobyGames)

Na TV e nos games

A partir de 1979 John Madden encararia uma nova etapa em sua vida, a de comentarista e analista na televisão. Contratado pela CBS Sports, ele rapidamente se destacaria por dois fatores: o seu profundo conhecimento do futebol americano e a facilidade em explicar mesmo as táticas mais complicadas.

Sujeito de fala marcante e muito carisma, ele caiu no gosto dos telespectadores, sendo ainda o pioneiro no uso do Telestrator, aquela técnica em que um comentarista faz desenhos a mão livre na tela para demonstrar uma jogada e que se tornou bastante comum nas transmissões da NFL, sendo utilizada até hoje.

Tamanho sucesso o levou a trabalhar em todas as grandes redes de televisão norte-americanas, lhe garantido o Emmy Awards por 16 vezes. Contudo, o que alavancaria o nome Madden a outro patamar só começaria a acontecer em 1984, quando uma empresa chamada Electronic Arts o procurou.

Enxergando nos esportes uma área pouco explorada pelos games e uma excelente oportunidade para aumentar o faturamento de sua desenvolvedora, Trip Hawkins passou a contactar nomes famosos para escorar suas criações. Ele já havia sido ignorado por Joe Montana e Joe Kapp, então a próxima tentativa seria com o ex-técnico dos Raiders, mas a tarefa de conquistá-lo não seria fácil.

Embora tivesse ficado interessado na possibilidade de usar um jogo eletrônico para ensinar o futebol americanos as pessoas, John Madden por pouco não recusou a oferta e o motivo estava na impossibilidade do esporte ser recriado da maneira mais fiel possível a realidade.

John Madden Football para MS-DOS (Crédito: Reprodução Depeche Mike/MobyGames)

Devido às limitações técnicas das máquinas na época, a EA o havia informado que só seria capaz de colocar seis ou sete jogadores em cada equipe. Madden bateu o pé, insistindo que se a desenvolvedora não chegasse a equipes com 11 atletas, ele não permitira que a produção utilizasse seu nome.

Aquilo fez com que a vida dos programadores da Electronic Arts se transformasse em um inferno, mas após vários anos de testes e aperfeiçoamentos, em 1988 o Apple II, o MS-DOS e Commodore 64 receberiam o fruto de tão árduo trabalho, um jogo chamado John Madden Football.

O título conseguiu conquistar muitos admiradores, principalmente por reproduzir o futebol americano de maneira tão realista. Um dos motivos para isso estava na grande quantidade de jogadas possíveis, o que pode ser creditado ao fato de Madden ter dado à EA o playbook que o Oakland Raiders usou na temporada de 1980, mas também pela contribuição de Frank Cooney, um escritor do San Francisco Chronicle que ficaria responsável por dar pontuações aos jogadores de acordo com suas habilidades.

Contudo, devido à complexidade da interface e das próprias jogadas, o jogo teve vendas apenas medianas e não ajudou o fato de que, devido à exigência de ter 22 atletas na tela, toda a ação nos campos ocorria numa velocidade um tanto baixa.

John Madden Football

John Madden Football para Mega Drive (Crédito: Reprodução/Picard/MobyGames)

A situação da franquia só mudaria mesmo em 1990, quando a EA lançaria para o John Madden Football para Mega Drive. Contando com um efeito que imitava 3D e uma velocidade muito mais alta, a expectativa da empresa era de que 75 mil cópias fossem vendidas, mas o resultado foi mais de cinco vezes superior a este número. O jogo se tornaria o primeiro grande sucesso daquele console, ajudando a Sega a conquistar um mercado que era dominado pela Nintendo.

Já a mudança de nome para Madden NFL só aconteceria em 1993, quando a EA adquiriu os direitos para utilizar nomes, logos e jogadores da liga. Até hoje a série é a única a poder fazer isso e com seus ininterruptos lançamentos anuais, estima-se que até 2013 ela tenha gerado mais de US$ 4 bilhões de lucro desde então, com mais de 250 milhões de cópias tendo sido vendidas.

No entanto, há um aspecto que considero ainda mais importante na história tanto do ex-técnico, quanto da franquia que carrega seu nome, que é a popularização do esporte.

Obrigado por tudo, coach!

Apesar de o sucesso do John Madden Football para Mega Drive nos Estados Unidos ser algo que não chega a surpreender, aquele jogo também foi bem recebido pelo público de outros países, especialmente na Europa. Devido à complexidade das suas regras, o futebol americano sempre foi visto com certa desconfiança por quem não está habituado ao esporte, mas ao emprestar seu nome à franquia e ajudar a desenvolvê-la, o comentarista teve um papel importantíssimo na “catequização” de novos fãs.

Este foi o meu caso, alguém que desde pequeno adora o soccer e que só passou a gostar do futebol americano por um acaso. Eu explico. Lá pela metade da década de 90 eu era o que costumamos chamar de rato de locadora, alguém que vivia enfiado nesses estabelecimentos e que tentava consumir o máximo possível de games e filmes. Isso fez com que eu tivesse contato com muita, mas muita porcaria, mas também me permitiu abrir a cabeça para coisas novas e me interessar por assuntos que talvez não chamassem minha atenção de outra maneira.

E foi numa dessas incursões a uma locadora que costumava frequentar que acabei decidindo dar uma chance ao tal futebol americano. Na época eu andava completamente viciado pelo FIFA International Soccer e fiquei curioso para conhecer outras criações de uma tal EA Sports. O meu conhecimento sobre futebol americano na época era nulo, então é possível imaginar a dificuldade que tive ao tentar jogar o Madden NFL '94 — ou teria sido o John Madden Football '93? Enfim...

Primeira descida, punt, tackle, touchdown, quarterback, shotgun, blitz... Para mim, na época esses termos não significavam nada e mesma a pontuação daquele esporte me parecia um grande mistério. Porém, eu não me deixei intimidar e na base da tentativa e erro aos poucos comecei a entender as nuances do futebol americano.

Foi muitas horas dedicadas aos vários jogos lançados para o Mega Drive, sempre sozinho, pois meus amigos não viam graça naqueles títulos e preferiam disputar partidas no FIFA mesmo. Naturalmente, anos depois passei a assistir os jogos da NFL pela televisão, busquei aprender mais sobre tudo o que cercava o esporte e hoje posso dizer que sou um apaixonado pelo futebol americano.

Cowboys vs 49ers (Crédito: Reprodução/Picard/MobyGames)

O interessante é pensar que isso só aconteceu porque um dia resolvi dar uma chance a um jogo que ninguém dava atenção na locadora. Um título que John Madden ajudou a criar e que mesmo não sendo o equivalente a um jogo educativo, certamente abriu as portas para que muitas pessoas se encantassem por uma modalidade tão fascinante quanto complexa.

Sempre digo que servir como disseminador cultural é uma característica que os videogames possuem e que muitas vezes é ignorada por grande parte do público. Eu não saberia dizer o quanto já aprendi e os gostos que os jogos eletrônicos fizeram despertar em mim, mas desde ontem tenho pensado em como eu ter passado a acompanhar o futebol americano se deve aos games.

E o que me fez voltar à adolescência e aos dias em que controlava uma equipe de brutamontes no meu Mega Drive foi a triste notícia do falecimento de John Madden, aos 85 anos. Ao lamentar a morte, o comissário da NFL, Roger Goodell disse que “ninguém amou o futebol mais que o Técnico. Ele era o futebol... nunca haverá outro John Madden e estaremos sempre em dívida a ele por tudo o que ele fez para transformar o futebol e a NFL no que são hoje.

Pois não tenho a menor dúvida disso. Por mais que o futebol americano tenha atletas importantíssimos em sua história, como Tom Brady, Jerry Rice, Drew Brees, Peyton Manning, Walter Payton, Dan Marino, Jim Brow, Joe Montana, Brett Favre e inúmeros outros, tenho certeza de que nenhum conseguiu conquistar tantos fãs para o esporte quanto aquele que emprestou seu nome à mais famosa franquia de jogos sobre o futebol da bola oval.

Por isso eu só tenho a agradecer ao Madden por ter se dedicado tanto a nos explicar as muitas camadas que o futebol americano possui e por os games servirem por mais do que apenas entreter. Descanse em paz, John!

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