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Super Mario 64 e o mercado milionário de leilões de jogos

Após cópia do Super Mario 64 ser vendida por US$ 1,56 milhão, colecionadores refletem sobre o interesse de novas pessoas nos clássicos e mudanças no mercado

3 anos atrás

Todos que gostam de videogames sabem o quanto esta forma de entretenimento pode ser cara, mas quando se trata de colecionismo, os valores envolvidos podem atingir valores inacessíveis mesmo para os mais abastados. Com os preços de jogos raros passando facilmente dos cinco dígitos, era apenas uma questão de tempo até algum título ultrapassar a marca de um milhão de dólares, mas o que ninguém esperava era que isso aconteceria tão rápido e envolvendo uma cópia do Super Mario 64 (que nem era uma edição limitada).

Super Mario 64

Um dia comum em Super Mario 64 (Crédito: Reprodução/yoshiyaki/DeviantArt)

A venda que despertou a atenção até de quem não acompanha os games aconteceu em 11 de julho, através do site de uma casa de leilões, quando o comprador ou compradora (sua identidade não foi revelada) pagou US$ 1,56 milhão em uma cópia lacrada do Super Mario 64. Num primeiro momento ninguém entendeu o que havia levado uma pessoa a gastar tanto dinheiro em um jogo que pode ser encontrado com relativa facilidade (e muito mais barato) e para compreender a motivação, precisamos voltar um pouco no tempo.

Fundada na cidade de Dallas em 1976, a Heritage Auctions se especializou em intermediar a negociação de itens colecionáveis como revistas em quadrinhos, moedas e todo tipo de produto relacionado a indústria do entretenimento. Durante muito tempo eles ignoraram os jogos eletrônicos, mas isso mudou em 2019, quando o presidente da empresa percebeu que “muitos colecionadores são tão apaixonados por seus jogos da infância quanto seus cards ou HQs.

Outra companhia que também contribuiu para esta inflação nos preços foi a Wata Games, sediada Denver. Atuando como principal parceira da Heritage no ato de classificar as cópias a serem vendidas nos leilões, cabe a eles certificarem se os jogos são autênticos e avaliar as condições da embalagem, algo parecido com o que acontece nas vendas de revistas em quadrinhos. Eles chegaram a publicar um guia com os detalhes que mostram se um jogo de NES pertence à primeira leva de fabricação, o que elevou muito o nível de profissionalismos envolvido nessas negociações e consequentemente, o preço das cópias.

Esta união ajudou a trazer credibilidade aos negócios, permitindo assim que colecionadores com muito dinheiro se sentissem mais à vontade na hora de abrir suas carteiras e torrar algumas centenas de milhares de dólares em um jogo. Para Kelsey Lewin, codiretora do Video Game History Foundation, “muitas pessoas que estão gastando muito dinheiro nesta área não são colecionadores de jogos retrô há 20 anos, mas talvez eles sejam colecionadores de quadrinhos ou de cards de esportes, conhecem a Heritage e confiam nela.

O primeiro grande salto

Crédito: Reprodução/Wata Games

Pois esta confiança pôde ser vista pela primeira vez já no leilão inicial realizado pela Heritage em 2019. Naquela ocasião a empresa ofereceu uma cópia lacrada do The Legend of Zelda e que havia recebido uma classificação 9.4 (com B+ em relação à embalagem) e após 30 interessados “brigarem” pelo jogo, ele acabou sendo vendido por US$ 3.360. O valor pode não ser tão impressionante, mas bastou um mês para que outro jogo do Nintendinho alcançasse um patamar muito mais alto, tornando-se o título mais caro de todos os tempos.

Pertencendo a primeira leva produção e com um nível de qualidade que lhe garantiu uma nota 9.4 (A++), a cópia do Super Mario Bros. foi arrematada por impressionantes US$ 100.150! Mas além da excelente condição de conservação do cartucho (ou mais precisamente, da sua embalagem), contribuiu para o alto valor o fato do jogo ser aquele que popularizou um dos personagens mais importantes da indústria, fazendo com que muitos comparassem aquela venda a da Action Comics #1, famosa revista em que o Super-Homem apareceu pela primeira vez.

Tais negócios fizeram com que colecionadores de outras áreas passassem a prestar mais atenção nos games, com o foco deles normalmente sendo franquias famosas mesmo entre quem não possui muito conhecimento da indústria. Portanto, aquela cópia do Super Mario 64 teria se beneficiado deste aspecto, mas não apenas disso. Tendo atingido uma pontuação 9.8 (A++), esta seria a classificação mais alta que alguém poderia esperar, já que os itens avaliados com nota 10 são praticamente impossíveis de serem encontrados.

Só para termos uma ideia do quão bem conservada estava aquela cópia, devido aos problemas relacionados ao processo de produção, mesmo um jogo que não tenha sido retirado da sua embalagem original e enviado às lojas há mais de duas décadas poderá não receber uma nota perfeita, o que torna muito difícil um dia chegarmos a ver tal título receber uma avaliação superior a 9.8. Sendo assim, para o ex-editor de games do site Wired, Chris Kohler, se “duas pessoas com muito dinheiro decidirem que serão as únicas proprietárias [da cópia com maior avaliação do Super Mario 64], então elas irão se esbofetear em um leilão e foi isso o que aconteceu.

Os novos colecionadores e as apostas no escuro

Crédito: Reprodução/solid8bit/DeviantArt

Mas enquanto algumas pessoas têm faturado alto com a venda de jogos que foram mantidos intactos durante tantos anos, muitos daqueles que há décadas vem procurando aumentar suas coleções não estão gostando da chegada desses novos colecionadores. Para começar, esta ideia de investir pesado em títulos lacrados é algo novo e que raramente é intenção de boa parte dos colecionadores, que só queriam completar a biblioteca de um determinado console, por exemplo.

Para essas pessoas, o importante normalmente era ter o jogo funcionando, quando muito importando se o título estava na caixa e trazendo junto o seu manual. Isso fazia com que a disputa entre os colecionadores girasse em torno de jogos mais raros, mesmo que eles nem fossem tão bons ou tivessem alguma relevância histórica e embora os jogos lacrados evidentemente custassem mais, poucas pessoas do meio deixavam de comprar algo só porque a embalagem tinha sido aberta.

Porém, por mais que esta busca por jogos intactos possa ver vista como apenas um nicho, o temor dos colecionadores é de que a chegada dos endinheirados impacte todo o ecossistema e a batalha “Populistas vs. Elitistas” já está ganhando força. Aqueles com menos condições de investimento afirmam que o outro lado está estragando seu hobby e mesmo quem já colecionava jogos lacrados não estão gostando da novidade, questionando até mesmo a origem de tanto dinheiro que está sendo gasto com esses títulos.

Para um deles, conhecido apenas como Bronty e por ter vendido aquela cópia do Super Mario Bros. por mais de US$ 100 mil, “quando os preços ficam realmente altos, você não quer gastar essa grana, então você fica impedido de comprar. E você meio que se assusta de vender quando qualquer coisa está dobrando de valor a cada três meses […] essencialmente você não pode mais participar.

Contudo, seja este um problema exclusivo de um pequeno grupo ou não, depois do Super Mario 64 ou da venda poucos dias antes de um The Legend of Zelda com nota 9.0 (A) por US$ 870 mil, o que muitos estão se questionando atualmente é quais serão as próximas joias que alcançarão valores tão altos. O problema é que por se tratar de uma área de interesse tão recente, não existe nem mesmo um registro preciso das variantes de capas que foram produzidas, muito menos da quantidade de cópias dos clássicos que existem por aí.

Imagine então investir uma bela fortuna na aquisição de um jogo que era considerado raro e algum tempo depois descobrir que muitas outras unidades estavam guardadas nas prateleiras de outros jogadores. Para Ryan Sabga, CEO da Wata Games, ainda é cedo para termos uma clara noção da quantidade de jogos lacrados disponíveis e embora sua empresa esteja criando um levantamento, divulgar esses dados poderia fazer com que eles fossem mal interpretados, causando muita confusão no mercado.

O certo por enquanto é que os jogos em cartuchos lançados antes dos anos 2000 são aqueles que aparecem entre os mais caros nos leilões, apesar de recentemente uma cópia do God of War ter sido vendida por US$ 16.800 e uma do Tomb Raider ter alcançado impressionantes US$ 144 mil! Já para ao futuro, as principais apostas recaem em cópias de títulos que hoje fazem muito sucesso entre o público mais novo, como um Minecraft ou Fortnite.

Crédito: Reprodução/Adam Mills/Unplash

Mesmo estando muito longe desse pessoal, há alguns anos comecei a comprar a maior quantidade possível de jogos e consoles que eu podia e embora não seja exatamente um colecionador (talvez eu esteja mais para acumulador), hoje possuo muito mais do que consigo aproveitar. Mesmo assim, eu sempre tive a convicção de comprar apenas aquilo que eu pretendia jogar, títulos que me interessavam e por isso nunca investi muito em edições de colecionador, diversas versões de um mesmo jogo ou itens só porque eles eram raros.

No fim das contas, o meu interesse estava no jogo em si, naquilo que ele poderia me proporcionar enquanto estivesse rodando e não apenas na sua embalagem, valor histórico ou raridade. Talvez por isso eu olhe para tudo isso e tenha uma certa dificuldade em entender como alguém pode gastar mais de um milhão e meio de dólares no Super Mario 64 — ou melhor, em uma caixa, algo que nunca será aberto e que servirá apenas como peça de decoração, um mero troféu que apenas comprova o quão funda é a carteira do seu dono.

Inveja da minha parte? Posso garantir que não, pois acredito que cada um gasta seu dinheiro da maneira que acha melhor e nesta moeda, eu preferiria estar no lado que faturou uma boa quantia vendendo o jogo — só para assim poder gastar em muitos outros títulos que fatalmente eu nunca jogaria.

Fonte: Ars Technica

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