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The Eternal Castle e o remake de algo que nunca existiu

Após aparecer no PC e Switch, The Eternal Castle [REMASTERED] chega ao PS4/PS5 trazendo gráficos em CGA e jogabilidade no estilo plataforma cinematográfica

3 anos atrás

No cinema é relativamente comum vermos obras que tentam se passar por verdadeiras, mas que no fundo são grandes mentiras. De mockumentaries (pseudodocumentário) como Borat: O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América a filmes como A Bruxa de Blair e [Rec], a tentativa de enganar o telespectador já foi feita diversas vezes. Nos games isso não é tão comum e é por isso que sempre adorei a história do desenvolvimento do The Eternal Castle [REMASTERED].

The Eternal Castle - Remastered

Crédito: Divulgação/TFL Studios

Tudo começou em setembro de 2016, quando um sujeito chamado JohnM foi ao fórum RGB Classic Games e publicou diversas imagens de um jogo chamado The Eternal Castle. Segundo ele, o raro título havia sido lançado em 1987, sendo um dos precursores do que mais tarde ficaria conhecido como jogos de plataforma cinematográficos, um subgênero marcado por clássicos como Another World, Flashback, Prince of Persia, etc.

Aquele tópico atiçou a curiosidade de algumas pessoas, mas como ninguém tinha ouvido falar de tal jogo e após alguns verificarem que os arquivos que foram disponibilizados pelo autor da publicação não funcionavam, passaram a desconfiar se tratar de uma mentira. A história caiu no esquecimento, até que um ano depois um membro de de outro fórum, este dedicado ao Prince of Persia, encontrou os arquivos no Internet Archive e, louco para ver aquele misterioso jogo funcionando, decidiu pedir ajuda.

Foi a partir daquele momento que a farsa em torno do The Eternal Castle começou a ser revelada. Após verificarem com mais cuidado os arquivos do suposto jogo, foi descoberto que entre eles havia partes do próprio Prince of Persia, título que só seria lançado em 1989. Além disso, ele também trazia arquivos do primeiro Doom e do Star Control 2, que também só seriam lançados bem depois do ano em que aquele título teria chegado às lojas. Por fim, os “investigadores” perceberam que as imagens publicadas haviam sido criadas com o Photoshop, programa que a Adobe só lançaria em 1990.

Mas se o The Eternal Castle não existiu quando aquela pessoa disse que existiu, porque ela havia criado essa mentira? Seria esta apenas uma tentativa de brincar com os sentimentos do pessoal que adora jogos antigos? Seria uma tentativa de dar início a uma espécie de surto coletivo? Pois a resposta é mais simples do que muitos poderiam imaginar: marketing. O bom e velho marketing!

Embora seja vendido como “um jogo de plataforma cinematográfico baseado no original ‘The Eternal Castle’,” com a equipe responsável tendo “tentado expandir a experiência enquanto mantinha a mesma sensação e o fluxo emocional da obra de arte original de 1987,” eles admitem se tratar de uma remasterização para um jogo que não existiu. Na nota enviada à imprensa, o trio que criou o The Eternal Castle [REMASTERED] afirma se tratar de um projeto em que “colocaram suas mentes e almas para alcançar o mais próximo possível do jogo dos sonhos que eles gostariam de ter jogado quando eram crianças.”

Crédito: Divulgação/TFL Studios

Um mundo (propositalmente) confuso

Se passando num futuro distante, em The Eternal Castle [REMASTERED] assumimos o papel de Adam ou Eve, personagens que precisam voltar à Terra para recuperar uma inteligência artificial. Durante a reentrada sua espaçonave é abatida por terroristas e a única maneira de sair de lá será recuperando as quatro partes que se desprenderam durante a queda e invadindo o castelo onde a IA está se escondendo.

Este é o pano de fundo que nos levará a quatro mundos que possuem estilos muitos diferentes um do outro, mas sempre culminam num chefe, nos oferecendo trechos de plataformas, quebra-cabeças e combates. Além disso, assim como acontecia nos jogos que lhe serviram de inspiração, será comum morrermos seguidas vezes até descobrirmos o que precisamos fazer, com a tentativa e erro fazendo parte intrínseca da jogabilidade.

Esta dificuldade em sabermos exatamente como proceder numa nova tela acaba sendo elevada pela baixa quantidade de detalhes presentes nos gráficos, algo que alguns poderão considerar um ponto negativo, mas que no fundo foi uma inteligente escolha de design. The Eternal Castle [REMASTERED] é um jogo que nunca quer te levar pelas mãos, com essa necessidade de ligarmos os pontos em relação a tudo o que está acontecendo sendo escancarada desde o início.

Ao iniciar o jogo, você verá uma tela que conta um pouco da história daquele universo e até a fonte utilizada no texto pelos criadores serve para dificultar a situação, com os jogadores precisando deduzir boa parte do que está escrito ali. O mesmo pode ser dito dos cenários, que muitas vezes escondem armadilhas na sua baixa resolução e para quem se acostumou a tentar decifrar o que nos era mostrados em jogos da época do Atari 2600, aventurar-se por este mundo funcionará como uma nostálgica viagem no tempo.

The Eternal Castle - Remastered

Crédito: Divulgação/TFL Studios

Quatro cores e alguma imprecisão

E de todas as qualidades do The Eternal Castle [REMASTERED], aquela que mais se destaca é justamente a sua direção artística. Todo apresentado no estilo CGA 2-bit, as telas do jogo são formadas por apenas quatro cores e aquilo que poderia ter resultado numa aparência pouco interessante acaba mostrando o talento dos envolvidos na sua criação. Por diversas vezes me peguei boquiaberto com a maneira como eles utilizaram as bordas dos personagens para passar uma sensação de iluminação, permitindo assim que sempre saibamos onde eles estão.

Mesmo com essa  abordagem minimalista, os cenários são bem variados e dinâmicos, com vários deles apresentando elementos que ajudam a passar uma sensação de estarmos vendo um jogo mais moderno — o que é ajudado pela proporção widescreen e até a possibilidade de jogarmos na companhia de um amigo. De enormes janelas de vidro que podem ser quebradas a uma fase que se passa num escuro cemitério durante uma tempestade ou uma sequência dentro de um bar repleto de fliperamas, tudo parece estar vivo, pulsando.

Some a isso a acertada escolha por usar rotoscopia nos personagens e a movimentação realista ajuda a fazer com que o jogo passe um ótimo nível de imersão, além de remeter diretamente ao títulos que conquistaram tantos admirados durante as décadas de 80 e 90. Mas enquanto os movimentos funcionam bem quando estamos nos locomovendo lentamente, o mesmo não pode ser dito sobre o que acontecerá em grande parte do jogo.

O problema é que assim como alguns clássicos do gênero, iniciar e parar uma corrida não é uma tarefa muito precisa e a situação se torna ainda pior quando você precisa realizar uma sequência de saltos, o que envolve alternar entre correr e pular. Porém, o que torna tudo pior é a sensação de falta de peso para o nosso personagem, com a velocidade de seus movimentos sendo muito alta e a impressão de que o protagonista está deslizando sobre o gelo.

Depois de tanto anos adorando o estilo mais “pesado” dos personagens do Another World ou Flashback, no início do The Eternal Castle [REMASTERED] essa imprecisão nos controles me incomodou bastante, chegando a me fazer pensar que havia algo de muito errado com a jogabilidade. Contudo, conforme avançava pelas fases meu cérebro conseguiu se recalibrar e tudo passou a ser mais natural. Ainda assim, prefiro o estilo daqueles títulos que cresci admirando.

Também não posso dizer que tenha gostado do sistema de combates, que mesmo contando com uma barra de stamina para adicionar alguma variedade aos confrontos, na maior parte do tempo estaremos apenas apertando o botão de ação de forma descerebrada, com as lutas não exigindo muitas estratégia ou preparação, funcionando muito na base da sorte e reflexo. Basicamente o que faremos é rolar para fugir dos ataques inimigos e socar/atirar.

Crédito: Divulgação/TFL Studios

Embora não conte com uma longa duração e nos dê poucos estímulos para uma nova campanha, The Eternal Castle [REMASTERED] é o típico caso de um jogo que só se tornou possível graças à distribuição digital. É pouco provável que uma grande editora aceitaria publicar algo nestes moldes, que desde o início se vendeu como uma nova versão de um jogo que sequer existiu e se não fosse pela ousada aposta de seus criadores, esta é uma pérola com a qual nunca teríamos contato.

Mais um representante do que podemos chamar de onda de jogos neo-retrô que chegou à indústria, é muito bom ver um título moderno utilizando apenas quatro cores na tela — e uma direção artística brilhante que não só contorna esta limitação, como a utiliza ao seu favor. Eu só não teria me apegado tanto aos problemas que a jogabilidade daquela época ofereciam.

Com versões para PC, Nintendo Switch, The Eternal Castle [REMASTERED] chegou recentemente ao PlayStation 4 e ao PlayStation 5.

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