Carlos Cardoso 2 anos atrás
Nos primórdios da exploração espacial era incerto sequer se astronautas conseguiriam sobreviver ao ambiente de microgravidade. A experiência com aviões de alta performance não foi suficiente, e com isso os médicos aeronáuticos digivoluiram para médicos aeroespaciais e em sua forma final, o médicos espacial.
Um dia, um dia... (Crédito: Star Trek)
As incógnitas eram muitas. Alguns achavam que os astronautas não seriam capazes de respirar, com o fluído nos pulmões flutuando e causando edemas. Outras questões eram psicológicas. Como no espaço você está literalmente caindo, houve quem imaginasse que os astronautas entrariam e pânico e se tornariam insanos com a sensação contínua de queda.
Tudo isso e muito mais teve que ser estudado em vôos parabólicos com o Cometa Vômito, e toda uma tecnologia teve que ser criada para monitorar os astronautas, nem sempre em prol do conforto deles.
A parte médica é onde há menos glamour em toda a exploração espacial, que o diga Alan Shepard. Em 5 de Maio de 1961, no vôo da Mercury 1 ele passou por problemas sérios, a começar pelos equipamentos.
Shepard estava equipado com medidores de respiração, eletrodos para eletrocardiograma e um com toda, total e completa certeza incômodo termômetro retal. Isso mesmo, o primeiro americano a ir ao espaço viajou com um termômetro atuchado no fiofó.
Tente imaginar ao invés do Ham, o Alan Shepard e seu termômetro. (Crédito: NASA)
Depois de cinco lançamentos trocaram de orifício e passaram a usar a orelha, imagino e espero eu que não tenham usado o mesmo termômetro.
Para piorar, 20 minutos antes do lançamento Alan Shepard sentiu uma incontrolável vontade de fazer o número 1. Seu traje espacial era um traje de grande altitude modificado, ainda sem a sofisticação de usar fraldas, então a solução era sair rapidinho e procurar um banheiro.
Nota: Depois disso a NASA instalou um banheiro na torre de lançamento, conhecido como “o último banheiro da Terra”.
Melhor agora do que no meio do caminho (Crédito: Reddit)
Werner Von Braun foi categórico: NÃO. O atraso seria considerável, levando em conta o tempo pra desconectar e desprender Shepard do assento, achar banheiro, correr de volta. Shepard então pediu permissão pra fazer ali mesmo, no traje. “NÃO”, respondeu Von Braun, aparentemente desconhecendo o básico da fisiologia humana.
A preocupação era que os vários sensores dentro do traje se molhassem e entrassem em curto. Isso é especialmente preocupante se pensarmos no termômetro retal.
Sem nem conseguir trançar as pernas, Shepard deu uma última sugestão: A NASA desligaria os sensores, ele faria o que tinha que fazer, e depois religariam. Toparam, Shepard se aliviou imensamente, até perceber que como estava deitado, a gravidade fez o líquido escorrer e se acumular em suas costas.
Isso mesmo, o primeiro americano foi ao espaço com as costas molhadas e quentinhas, que nem aquela parte bem rasa da piscina do clube, onde a gente lava o pé e também é urina pura.
A SpaceX está nessa fase, provavelmente sem o termômetro retal, mas focados em criar sistemas de monitoramento, que com toda certeza será wireless, vide a experiência com os chips Neuralink.
O projeto como um todo, parece bem futurista, a cara da SpaceX, conforme o anúncio colocado no Linkein uns dias atrás. Eles estão procurando um engenheiro médico espacial, com responsabilidades bem amplas.
A NASA chama seus médicos espaciais de "Cirurgiões de vôo" (Crédito: NASA)
Ele agirá como interface entre a SpaceX e clientes com demandas na área médica, definindo a viabilidade de experimentos e vôos.
Pesquisará junto com outras equipes efeitos de viagens espaciais de longa duração, coordenando coleta de dados e mitigando os eventuais problemas de saúde surgidos disso.
Projetará e coordenará a integração das áreas técnica, operacional e de programação, para o setor de medicinal espacial nos futuros lançamentos.
Será o “homem -digo, pessoa- no console” durante operações de vôo.
O profissional que eles querem precisa, como requisitos básicos, de experiência acadêmica ou real em medicina espacial, um mestrado em engenharia, ser doutor em Medicina com pelo menos 2 anos de experiência em hospital.
A parte mais excitante do anúncio é que entre as responsabilidades do engenheiro médico, está:
“Trabalhar com as várias equipes para projetar, integrar e implementar um sistema médico do futuro”.
Isso faz sentido. Eu sei que todo mundo imagina as naves do futuro singrando o espaço com um médico de bordo, mas isso é irreal. Médicos em navios, civis ou militares tratam de emergências, sua principal função é estabilizar o paciente até que ele possa ser transferido para terra. Um médico espacial teria a mesma limitação.
Não é nem culpa deles. Medicina é uma área imensa, com mais de 135 especialidades e subespecialidades, um cardiologista nunca saberá o que um dermatologista sabe, e o melhor urologista do mundo não pode ajudar se o sujeito precisar de um otorrino, a não ser que seja pra remover um termômetro preso na orelha.
Em Marte, ou no meio de uma viagem de seis os passageiros dependerão dos médicos a bordo, e só. É longe demais para telepresença, um robô cirurgião comum tipo o DaVinci teria lag demais, e todo mundo sabe, muito lag, a gente morre.
Quando estiverem mandando 100 pessoas de cada vez em uma Starship, é irreal mandar um monte de médicos junto. Aqui na Terra o país com mais médicos por habitante é Cuba, com 8.4 para cada mil habitantes, seguido de Mônaco, com 7.5. Suécia, onde não se vê longas filas no SUS, tem 4 pra mil.
Mandar cinco médicos por viagem geraria uma população ociosa de médicos muito rapidamente. E não ajudaria se você tivesse um treco não coberto por aqueles cinco.
A solução é desenvolver sistemas especialistas, tanto de diagnóstico quanto de intervenção. Não duvido que a SpaceX esteja pensando em algo como o pod médico em Prometheus:
Um engenheiro médico espacial é a pessoa ideal para entender as necessidades E limitações desse tipo de tecnologia. Sistemas especialistas já estão sendo usados, versões mais avançadas estão sendo testadas e são excelentes em termos de diagnóstico. O truque é integrar todo mundo e criar um “médico” virtual capaz de interagir, escutar sintomas, examinar o paciente e chegar a um diagnóstico. Talvez até resolvam dar uma personalidade pra esse médico virtual, mas como IA não é nada boa com sutilezas, talvez ele não seja o médico mais atencioso do mundo.
Claro, se a SpaceX quiser logo chutar o pau da barraca, criará logo um Holograma Médico Espacial de Emergência.