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EPIC 2014 e a inútil tentativa de prever o futuro

Uma moda na Internet são os futurólogos, mas será mesmo que vale à pena se preocupar com previsões sobre futuro da tecnologia? A resposta é... não. As grandes mudanças não são evolutivas, mas disruptivas. Leia e entenda a inutilidade desse esforço!

5 anos atrás

Gostamos de zoar Bill Gates pela frase que ele não disse, que "640KB eram mais que suficientes para qualquer um", mas isso (não) foi dito em uma época onde a maioria dos computadores que a gente tinha em casa mal chegavam nos 64KB. Isso Apples com expansão. Se alguém falar que 80GB de RAM é mais que suficiente hoje em dia não será visto falando nenhuma besteira.

O grande problema foi atribuir a Bill o papel de futurólogo, e se há trabalho mais miserável na Terra que futurólogo de tecnologia, eu não conheço.

Existe três tipos de futurólogos: Os Clarkes e Asimovs da vida, que mais acertam do que erram;

Existe o futureiro de revista, que tenta extrapolar a tecnologia do futuro sem pensar muito sobre a tecnologia do presente. Esse posta desenho de avião criado por estudante de design como se fosse a solução mágica que decolará semana que vem;

O terceiro tipo é o profissional da área que faz previsões baseadas nos próprios preconceitos e limitações.

Um artigo famoso da PC World (ou da Computer World, não lembro) criticou as interfaces gráficas até não poder mais, com a sanha de um linuxeiro dizendo que um GREP é muito mais prático e poderoso do que o Windows Explorer. Em 1990 uma pedagoga escreveu um artigo contra... o Macintosh, dizendo que a interface gráfica do MacOS deixava os alunos menos criativos, produzindo textos mais superficiais e de pior qualidade.

O futurismo furado, quando a pessoa é ótima em seu ramo mas perde o contato com a inovação gera ótimas previsões constrangedoras:

A lista de previsões furadas é imensa, quase todas fruto de falta de visão. Algumas, pra gente se divertir:

1 - "Eu prevejo que a Internet vai explodir como uma supernova espetacular e em 1996 vai sofrer um colapso catastrófico" - Bob MetCalfe, Fundador da 3Com e criador da Ethernet, acreditando que a infraestrutura mundial não comportaria a Internet

2 - "Todo mundo me pergunta quando a Apple vai lançar um telefone celular. Minha resposta é: Provavelmente nunca." - David Pogue, colunista de informática do New York Times, em 2006.

3 - "Não há razão para alguém querer ter um computador em casa" - Ken Olsen, fundador da Digital, em 1977.

4 - "Ano que vem o iPod estará morto, acabado, kaput" - Sir Alan Sugar, fundador da Amstrad, em 2005.

5 - "A televisão em seis meses não vai conseguir manter qualquer mercado que venha a ganhar. As pessoas logo vão se cansar de ficar olhando para uma caixa de madeira toda noite"- Darryl Zanuck, executivo da 20th Century Fox

6 - "A idéia de um aparelho de comunicação pessoal em todos os bolsos é um sonho irracional movido pela ganância" - Andy Grove, CEO da Intel, em 1992

Uma falha fatal na maioria das previsões tecnológicas ocorre quando uma nova tecnologia disruptiva surge. Quase todas as previsões futuristas da Inglaterra Vitoriana envolviam eletricidade, a novidade do momento, mas como o Rádio ainda não havia sido inventado, era tudo com fio. Até mesmo os Roombas.

A própria ficção científica, que tanto previu coisas corretamente, escorrega quando comparada com a realidade. Em quase toda história filme ou série dos Anos 70 pra trás, o computador era um ponto central na casa, tratado com referência. Também não havia o conceito de rede como temos hoje. Os computadores eram essencialmente terminais, ligados a um servidor central.

Arthur Clarke, em seu ótimo Terra Imperial basicamente previu com perfeição o que viria a ser chamado de PDA, exceto que para ele era realmente uma agendinha. As pessoas usavam o PDA como telefone ou como agenda, não como um computador genérico portátil.

Outra coisa que todos os autores falharam em prever foram as redes sociais. Na ficção científica as sociedades eram sempre conectadas 1:1 ou muitos:1. O conceito de 1:muitos simplesmente não existia. Ninguém imaginava que gente comum poderia criar e compartilhar conteúdo, isso era algo restrito a órgãos de imprensa.

Mesmo sabendo disso tudo de vez em quando até macacos velhos se deixam levar por uma previsão (aparentemente) bem embasada. Foi o caso do vídeo EPIC 2014, surgido nos primórdios da Internet e espalhado em resolução pífia via linha discada.

O vídeo, originalmente uma animação em Flash foi lançado em 2004, criado por  Robin Sloan e Matt Thompson, baseado em uma apresentação deles sobre futuro especulativo. O vídeo foi inspirado no conceito de MMORPGs e como as pessoas poderiam criar uma mídia apenas participando de algo.

Eles usaram o estilo que hoje chamamos mockumentário, fazendo uma retrospectiva de um ponto de vista no futuro.

No vídeo a grande plataforma de mídias sociais era o Friendster, que teria sido comprado pela Microsoft em 2005. O Facebook, embora fundado no começo de 2004 ainda não estava nos radares dos criadores.

O futuro apresentado no EPIC 2014 englobava a briga por recomendações personalizadas de produtos, o que temos hoje, mas também uma enorme disputa entre os sites de notícias e os buscadores, fazendo curadoria de notícias criando uma seleção exclusiva para cada usuário, o que levaria a imensas brigas entre as empresas.

Em dado momento os agregadores começam a comprar notícias dos usuários, "profissionalizando" blogs e eliminando jornalistas do circuito. Algoritmos leriam as notícias do sites da grande mídia e criariam resumos automaticamente, provocando ações judiciais e culminando com o New York Times abandonando a Internet e se focando em produzir somente uma versão impressa, "para idosos e a elite".

Aqui o vídeo:

Quando depois de algumas horas em baixei esse troço pela primeira vez, tive certeza que era o caminho do futuro, mas havia um problema: As pessoas não querem blogar sobre o buraco na rua, querem blogar sobre o Elon Musk. Produzir conteúdo dá trabalho, consome dinheiro e o retorno é uma incógnita. As pessoas continuam confiando nos grande portais para obter informações jornalísticas.

A idéia de redes sociais em 2004 era algo onde você trocaria informações com seus amigos, ninguém havia concebido a idéia de que pessoas iriam voluntariamente acompanhar desconhecidos, e que esses desconhecidos acabariam se tornando formadores de opinião (é o termo que adultos usam para o que marketeiros millenials chamam de "influenciadores").

A importância dos newsbots caiu de forma impressionante, um Twit do Pewdiepie tem um alcance muito maior do que sair na capa do MSN ou do Google News. Ao mesmo tempo a idéia do pacote de notícias customizado e personalizado basicamente morreu, tanto que o Google matou o Google Reader, e RSS é quase um segredo cabalístico de iniciados.

A customização se resume aos sites que você costuma ler, não há granularidade abaixo disso. Principalmente as notícias não chegam mais somente via sites de notícias, são replicadas e viralizadas por outros usuários, qualquer um pode ser uma fonte primária, ao postar o link certo na hora certa. Como modelar ou monetizar isso?

Como será a Internet daqui a dez anos? A resposta mais honesta é "ninguém sabe". Todo mundo estava apostando nos tablets, mas eles acabaram sendo substituídos por celulares de tela grande, assistentes de voz ainda são burros demais para uso em larga escala e o fogo no rabo da Realidade Virtual já está acabando também, ao menos tem quase um ano que o Izzynobre não posta nada sobre o PSVR que iria mudar o mundo.

Realidade Aumentada? Pode ser, eu já usei o Kinect e é coisa de ficção científica, mas não vai ser prático ou difundido enquanto não for tão simples e confortável quanto usar óculos de sol.

Prever evoluções incrementais é fácil, mas a longo prazo ainda soa ridículo. Em 1949 a Popular Mechanics previu que no futuro computadores teriam menos de 1000 válvulas e pesariam menos de 1,5 toneladas. Tecnicamente eles acertaram.

Já mudanças disruptivas? Se a Apple não tivesse lançado o iPhone em 2007 o futuro teria sido completamente diferente. E não, o Android não teria sido uma alternativa. Ele foi criado em 2003 como um sistema operacional para câmeras fotográficas, depois decidiram que seria uma alternativa ao Symbian e ao Windows Mobile. Em 2005 foi comprado pelo Google e essa era a visão que tinham do sistema: Este é o Sooner, um protótipo interno do Google:

Será que ano que vem alguém lançará um celular que modificará fundamentalmente a forma com que nos comunicamos? Será que será ao menos um celular ou algo completamente diferente, um tipo de aparelho que não temos análogo hoje em dia? Como dizia a Doris Day, Que será será.

O importante é não se deixar levar por previsões alarmistas apocalípticas. A tecnologia não está deixando as crianças mais burras, como reclamou a pedagoga lá de cima. Nem está isolando as pessoas. Nós nunca estivemos tão conectados. Nunca foi tão fácil interagir com outras pessoas, hoje falamos com gente do mundo todo com a mesma facilidade como se estivessem na mesa ao lado.

Essa idéia da tecnologia isolando as pessoas aliás é popular desde o tempo em que previam um futuro com telégrafo pessoal sem fio!

 

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