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UE: Apple violou DMA, multa pode chegar a US$ 38,3 bilhões

Apple pode ser multada pela UE em 10% da receita global anual, ou 20% em caso de reincidência; maçã impôs taxas sobre cobranças externas

01/07/2024 às 9:00

A União Europeia (UE) decidiu não aliviar para a Apple: na última segunda-feira (24), a Comissão Europeia, o braço executivo do bloco, informou à companhia de Tim Cook que, com base em sua avaliação preliminar, a maçã infringiu a Lei de Mercados Digitais (DMA), ao dificultar a manutenção de lojas alternativas em seus dispositivos móveis.

Apple tentou seguir as novas leis da UE do seu jeito. Deu ruim, claro (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Apple tentou seguir as novas leis da UE do seu jeito. Deu ruim, claro (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Agora, a Apple tem até março de 2025 para se adequar à Lei, sob risco de receber a maior multa já aplicada pela Comissão Europeia em uma empresa de tecnologia, que pode chegar a US$ 38,3 bilhões, ou US$ 76,6 bilhões em caso de reincidência, além de outras penalidades.

Apple tentou contornar a DMA

A DMA faz parte, com a Lei de Serviços Digitais (DSA), de um pacote de novas legislações definem regras duras sobre como as grandes companhias de tecnologia, especialmente as não-europeias, podem operar nos 27 países-membros da UE.

Enquanto a DSA é uma Lei de transparência em serviços, a DMA é a uma Lei antitruste, que restringe operações para conter práticas anticompetitivas das big techs, em especial as 5 gigantes do Vale do Silício, a saber Apple, Google, Meta, Amazon e Microsoft, além da chinesa ByteDance, dona do TikTok.

O objetivo é criar procedimentos que impeçam as grandes de competir de forma desleal, prejudicando os negócios das pequenas concorrentes, que acabam esmagadas, ou absorvidas; ao mesmo tempo, é uma lei de proteção ao mercado interno, que oferece condições melhores às empresas locais.

Sob a DMA, as seis empresas acima mencionadas foram enquadradas como gatekeepers, e submetidas a regras ainda mais duras que outras grandes companhias, que incluem:

  • Privilegiar produtos e serviços em seu próprio hardware e soluções é proibido;
  • Apps pré-instalados em seus dispositivos devem oferecer a opção de remoção ao usuário, sem exceções;
  • Mensageiros instantâneos deverão todos conversar entre si, e ficam proibidos de limitar recursos a plataformas e hardware específicos;
  • Empresas externas deverão ter acesso a todos os dados que geram nos serviços fornecidos pelas gatekeepers;
  • Dados de usuários europeus não podem ser usados para exibição direcionada de anúncios, a menos que estes autorizem de forma expressa.

A DMA é suficientemente flexível, de modo que ela se adequa a cada caso. Por exemplo, TikTok, Facebook, Instagram e LinkedIn são proibidos de impedir que redes sociais concorrentes, como o X do bilionário Elon Musk (que, embora não seja um gatekeeper, tem sua própria cota de problemas com a UE), ou outras, exibam anúncios direcionados entre suas postagens.

Apple, Google e Microsoft não podem definir seus navegadores, respectivamente Safari, Chrome, e Edge, como o padrão no iOS, iPadOS, Android, e Windows, e todos são forçados a exibir ao usuário, durante a primeira inicialização dos dispositivos e sistemas operacionais, uma tela para ele escolher o seu preferido; o mesmo se aplica à definição do motor de busca, Google e Microsoft não podem forçar o uso do Search e Bing na Europa como padrão.

Sobre anúncios, tanto Google quanto Amazon são proibidas de privilegiar anúncios de seus produtos em suas plataformas, e também não podem bloquear propagandas rivais. Enfim, as exigências são inúmeras, e todo mundo vai ter que dançar conforme a música, pois ninguém quer perder um continente inteiro de consumidores.

O problema, Apple e Google decidiram interpretar as novas leis "do seu jeito", no que dizia respeito às suas lojas de apps, a App Store e a Play Store.

Ambas empresas são obrigadas a permitirem apps de lojas de terceiros, e de forma nativa, no iPhone, iPad, e Android, e a liberar a implementação de métodos de cobrança alternativa aos desenvolvedores, para que estes possam contornar o sistema padrão, e não tenham que pagar comissões, no que Cupertino e Mountain View garfam de 15% a 30% sobre todas as movimentações, respectivamente de assinaturas após um ano, e de todo o resto.

A DMA também exige que o sideloading, a instalação manual de um arquivo de app, seja liberada ao consumidor de forma irrestrita; embora o Android o suporte desde sempre (com ressalvas), a Apple sempre odiou o recurso.

Como resultado, ambas empresas criaram novas regras para a presença de lojas alternativas em seus sistemas, mas torceram a DMA em busca de benefício próprio, ao continuar cobrando taxas dos desenvolvedores. Vamos nos concentrar na Apple aqui, mas sem esquecer que o Google está fazendo o mesmo.

A Apple de Tim Cook quer dinheiro a todo custo, mas a UE não aliviou (Crédito: Reprodução/The Wrap)

A Apple de Tim Cook quer dinheiro a todo custo, mas a UE não aliviou (Crédito: Reprodução/The Wrap)

Sob as novas regras da Apple, quem quiser implementar meios alternativos de cobrança em seus apps e games ainda terá que pagar 12% de comissão, no caso de estúdios e devs pequenos, que aderiram ao seu programa voltado a pequenas empresas, ou 27%, no que gigantes como a Epic Games, um de seus desafetos atuais mais irritantes, se enquadra. A desenvolvedora está prestes a levar Fortnite de volta ao iOS e iPadOS, e lançar a Epic Games Store em dispositivos móveis, no que ambos já foram submetidos para notarização.

Assim, conforme as novas regras, a economia real ficaria entre 3% para grandes estúdios, e 18% para os pequenos parceiros, e sim, a Apple EXIGE submissão de relatórios de vendas alternativas, para que ela própria calcule o valor devido; do contrário, o app não terá a aprovação para usar o método de cobrança externa.

Já com o sideloading, uma ferramenta que ficará eternamente restrita à UE, a Apple pegou ainda mais pesado: quem escolher distribuir seus apps e games por fora da App Store, terá que optar por comissões obrigatórias menores, de entre 10% e 17%, dependendo da categoria, além de uma taxa adicional de 3%, de processamento sobre compras. De novo, Cupertino exige a submissão de relatórios

Calma, ainda não acabou: apps e games populares, que ultrapassarem a marca de 1 milhão de downloads totais (atualizações via OTA inclusas na conta), não importa se dentro ou por fora da App Store, terão que pagar outra comissão, chamada Taxa Sobre Tecnologias Essenciais (Core Technology Fee, ou CTF), no valor de 0,50 € (~R$ 3,01, cotação de 01/07/2024) por instalação, todos os anos.

Vale mencionar que o Google, embora ofereça o sideloading como opção para instalar apps no Android desde sempre, nunca gostou que ele fosse usado pelo público consumidor, ele originalmente deveria ser restrito a desenvolvedores; agora, a companhia está modificando o sistema, de forma que arquivos .apk que acessam informações sensíveis não poderão mais ser instalados manualmente. A novidade, lançada como um piloto em Singapura em 2023, está chegando agora ao Brasil.

Por enquanto, o usuário poderá instalar apps de fora da Play Store desligando o Play Protect, deixando assim seu dispositivo (mais) vulnerável a apps maliciosos, mas quando (não se) o Google decidir que ele não poderá mais ser desativado, e estender a limitação a todos os APKs externos, não só os que acessam o que não deviam, só o root, um procedimento avançado que o grande público não usa, resolverá.

UE: tolerância zero

Voltando à Apple, é fato que a companhia de Tim Cook não admite um cenário onde ela não possa tirar a sua parte, e defende, inclusive nos tribunais, ser seu direito exclusivo de decidir como administrar seus produtos e serviços, e nem a Justiça pode forçá-la a fazer diferente. O argumento oficial, usado inclusive na Corte Distrital do Norte da Califórnia, é de que a gigante se reserva no direito de entender as leis como lhe for conveniente, o que está tirando a juíza Yvonne Gonzalez Rogers do sério.

Na UE, as coisas começaram a degringolar para o lado da Apple em março de 2024, quando a Comissão Europeia abriu uma investigação formal contra a empresa, além de Alphabet Inc./Google e Meta, por supostas violações da DMA, especificamente as comissões sobre métodos alternativos de cobrança; a empresa de Mark Zuckerberg entrou na mira graças à estratégia que força o usuário a pagar para não ter seus dados coletados.

No dia 18 de junho, uma primeira preliminar foi publicada, no que a Comissão concluiu que a Apple de fato violou a DMA, no que ela seria proibida de cobrar taxas adicionais de lojas alternativas, sobre cobranças feitas por fora da App Store; a projeção inicial era de que uma multa diária, equivalente a 5% do faturamento médio diário global, seria aplicada, o que resultaria em US$ 50 milhões/dia (~R$ 279,04 milhões), com base na receita de 2023 (US$ 383 bilhões, ~R$ 2,14 trilhões).

Convenhamos, US$ 50 milhões é troco de pinga para a Apple, e a Comissão Europeia concorda: o documento oficial, publicado no dia 24 de junho, menciona a aplicação padrão de multa, que equivale a 10% do faturamento anual global. Com base na receita de 2023, a maçã terá que pagar, caso não se emende, US$ 38,3 bilhões, ou aproximadamente R$ 214,25 bilhões, à UE.

Esta seria, de longe, a maior multa já aplicada contra uma companhia pela Comissão Europeia; o recorde atual pertence ao Google, que em 2018 teve que desembolsar 4,34 € bilhões (~US$ 4,67 bilhões, ou ~R$ 26,1 bilhões), pelo uso de práticas anticompetitivas envolvendo o Android.

Apple App Store no iPhone (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Apple App Store no iPhone (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Não para por aí: caso a Apple não corrija seus passos, e continue a cometer "infrações sistemáticas", a multa dobra para 20% do faturamento anual global, ou seja, US$ 76,6 bilhões (~R$ 428,5 bilhões); as tais infrações podem ainda render punições extras, como proibir a maçã de adquirir serviços e empresas relacionadas, ou forçar a gigante a vender partes de seu negócio ligadas a elas.

Além disso, a cobrança sobre o sideloading motivou a abertura de outra investigação, e caso seja constatada a violação, a Apple tera que pagar mais uma multa, nos mesmos moldes da que deve ser imposta por cobrar taxas sobre vendas externas. Em última análise, a maçã arrisca pagar um mínimo de US$ 76,6 bilhões, considerando ambas multas no valor mais "baixo", ou assustadores US$ 153,2 bilhões (~R$ 857 bilhões), se a Comissão Europeia decidir que houve reincidência em ambos os casos.

A Apple tem o direito de contestar da decisão preliminar da UE, mas considerando o histórico, as chances de reverter a decisão a seu favor tendem a zero; resta a Tim Cook se emendar, ou pagar caro. MUITO caro.

Fonte: European Commission

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