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Sobre Vacas Transgênicas e Antas Naturais

Histeria do Dia: Internet redescobriu as terríveis vacas mutantes criadas através de engenharia genética só que não.

10 anos e meio atrás

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A Internet propicia alguns fenômenos interessantes: um deles é que gente sem nenhum conhecimento consegue comentar sobre qualquer assunto, e a repercussão depende apenas da quantidade de gente que essas pessoas conseguem atingir.

Outro fenômeno é que os assuntos são cíclicos. Temas de anos atrás voltam, recauchutados, sem que ninguém se toque do quanto são velhos.

Hoje o Feice e o Twitter estão chocados com uma terrível denúncia, com tudo para atrair a Comunidade Histérica; envolve ciência, essa irresponsável, incerteza e o clássico “cientistas brincando de Deus”.

A história, que apareceu neste site retardado aqui, traz uma manchete assustadora: “Monstruosas vacas transgênicas já são uma realidade”, com uma foto não muito feliz de uma senhora vaca:

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Bicho feio, mas eu comia.

Será mesmo? Bem, vacas transgênicas já existem, desde o ano 2000 produzem proteínas usadas na produção de medicamentos. isso inclui insulina, proteínas usadas no tratamento do câncer e esclerose múltipla.

Em 2006 a União Européia aprovou a produção comercial de ATryn, nome comercial de AntiTrombina III, uma glucoproteína ausente em casos raros de deficiência genética. A produção é feita através do leite de cabras modificadas geneticamente para expressar o gente humano produtor de antitrombina.

Até então a proteína era conseguida através de doações de sangue. Só que em um ano o leite de uma cabra transgênica produz o equivalente a 90 MIL doações humanas. Um rebanho de 80 cabras é suficiente para produzir medicamento pra todos os pacientes da Europa.

Certo, e o monstro aí em cima?

O próprio texto histérico do artigo explica:

Este saco de musculo es un monumento al poder genético de la cría selectiva. Un solo defecto genético, un gen de la miostatina defectuoso, es responsable de su enorme masa, y ese defecto fue cuidadosamente pasado a través de la raza desde hace más de un siglo antes de que fuera conocido lo que estaba causando su impresionante “doble musculatura”.

Isso mesmo. É uma mutação, que aconteceu mais de 100 anos atrás, e como os fazendeiros acharam que uma vaca com muito músculo renderia mais, fizeram cruzamento seletivo, colocando o touro pra… trabalhar bastante.

O nome da variedade de vaca é Belgian Blue, surgiu em 1807. A estrutura do DNA só foi determinada em 1953. Não foi exatamente “manipulada geneticamente”.

Cruzamentos seletivos não têm NADA a ver com transgênicos. É uma simples forma de seleção artificial, não diferente de ter gêmeos, tocar funk pros dois, o que gostar você joga do penhasco. As pessoas sem um mínimo de visão acham que o MUNDO sempre existiu da mesma forma, e se são propensas a criacionismo, mais ainda.

Um dos argumentos mais bestas é o da banana. Dizem que ela é uma prova do Design Inteligente, pois é simples de abrir, se encaixa na mão e na boca, blá blá blá… Só que o que chamamos de banana surgiu em 1953. Mais de 95% das bananas do mundo são da variedade Cavendish. Pior, são CLONES, todas cópias da mesma planta, o que é ótimo para os negócios mas muito arriscado. Uma praga pode causar a extinção da variedade.

As bananas selvagens, conhecidas a muito mais tempo não tem nada a ver com as atuais:

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Como funciona: o bananeiro planta um bosque dessas. Aí ele escolhe as com menos sementes e mais macias. Joga fora o resto, planta as escolhidas. Na próxima geração surgirão bananas mais duras, iguais ou mais macias, dependendo de mutações e cruzamento. No final de dezenas, centenas de gerações, chegará a uma banana atual.

Outro vegetal que consideramos lindos, naturais e intocáveis: as cenouras. Todo mundo imagina a cenoura nativa como aquela coisa bonita, laranja, com cara de saudável, mas essa é uma versão moderna.

Cenouras laranjas surgiram na Holanda do século XVII, viraram moda e as outras variedades deixaram de ser cultivadas. Até se encontra por aí, mas não é fácil. O que é uma pena, adoraria provar uma cenoura preta (ok, isso não soou como eu pretendi).

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O mesmo tipo de cruzamento seletivo é feito com animais de corte, de estimação e de consumo. Lobos mais dóceis eram cruzados entre si, frangos escoceses com muito peito foram trazidos para o Brasil nos anos 80 pela Sadia, cruzados seletivamente e depois de 3 anos desenvolveram o Chester, que nada mais é que um nome bonito pra uma galinha com pouca gordura e muito peito, tipo a Pamela Anderson.

Não quer dizer que a engenharia genética não venha sendo usada. Um dos “monstros” (CORRÃO!) desenvolvidos pelos cientistas malvados que querem dominar o mundo é isto aqui:

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O nome é arroz dourado. É uma variedade que teve seu DNA reprogramado com a inclusão de dois genes, de Narciso e de uma bactéria comum daquelas que vivem no chão, de pé descalço. O objetivo não foi alterar a cor, mas fazer com que o arroz produzisse betacaroteno.

O betacaroteno é um percursor de vitamina A, substância cuja deficiência mata 670 mil crianças POR ANO. Criado no ano 2000, foi substituído pelo Arroz Dourado 2 – A Missão, em 2005. Esse com 23 vezes MAIS betacaroteno.

Apesar de ser mais do que testado, ambientalistas e ativistas antiglobalização fazem lobbies e impedem o uso do produto. O criador conseguiu negociar com as empresas que detém as patentes que o arroz dourado seja distribuído gratuitamente para qualquer fazendeiro com faturamento abaixo de US$ 10 mil por ano, abrangendo 100% das lavouras de subsistência.

Enquanto isso crianças continuam morrendo, mas são barrigudinhos marrons, então os ativistas do Greenpeace não ligam pra esse detalhe.

Quanto às vacas, querem ter medo da ciência? OK, tenham, não acreditam em engenharia genética? Não usem nada derivado dela, inclusive insulina, mas não sejam burros, fazer discurso contra cruzamento seletivo é pegar o bonde não só andando mas MUITO atrasado. Dezenas de milhares de anos atrasado, Quando o primeiro Neandertal falou “Gronk, não corte essa árvore, as mangas dela são bem doces, corte a do lado”, já estava fazendo “manipulação genética” e seleção artificial.

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