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Entrevista: Criadores de "Verdade das sombras"

16 anos atrás

Quem acompanha o Meio Bit Games sabe o quanto defendo os games como forma de arte e principalmente como forma de cultura. Recentemente fiquei sabendo que os alunos Rafael Curan Peterson e Thiago Ferranti Girello desenvolveram um "Game Arte" como trabalho de conclusão de curso e decidi entrar em contato com eles para um entrevista.

Então conversei com Thiago Girello e o que começou como uma entrevista acabou como um bate-papo muito bacana que você pode conferir aqui.

Meio Bit Games: Como surgiu a idéia de se criar o jogo A verdade das sombras?

Thiago Girello: Tivemos um projeto de TGI (trabalho de graduação interdisciplinar) e escolhemos o tema games. Lógico que desde o começo queríamos fazer algo grandioso como Final Fantasy, como todo mundo né? Mas depois de um tempo caímos na real e vimos q era meio inviável. Fazer um projeto desses em 1 ano, com apenas 2 pessoas... Então fui fazer um curso de narrativa e linguagem dos video games e decidi criar um gamearte com uma linguagem mais acadêmica. Como sempre gostei de jogos e filosofia, corri atrás do mito da caverna de Platão.

MBG: Qual foi a reação do orientador ao dizer que queriam fazer um game? Houve apoio?

TG: Puxa isso foi muito bom... (risos). Quando conversamos com nosso orientador, Prof Fabrizio Augusto Poltronieri, a primeira pergunta dele foi: "Mas vocês vão conseguir fazer um jogo?".

Para nossa sorte ele é um grande estudioso dos games no Brasil, deu o maior apoio. Me recomendou cursos e livros. Se não fosse por ele não completaríamos o projeto. Ele nos ajudou a entender melhor o universo dos games de forma mais acadêmica.

MBG: Fale um pouco sobre o processo de criação em si. Qual engine foi usada, programas, etc.

TG: Para a modelagem do 3D usamos o programa 3D Studio Max, nele criamos toda a parte de modelagem. As texturas foram alguma pintadas a mão. Usamos o Texture Maker, Photoshop. Para ajudar Na parte da natureza, usamos o Tree Magic G2. Os artworks foram criados por um artista chamado Humberto Timóteo da Cunha.

Depois que tinhamos todo o projeto bruto, jogamos na engine C4 da Terathon. Lá na engine criamos toda iluminação, sombras, normal maps, água, game play e etc...

A música tema foi gravada e composta em estúdio, mas os pianos e violinos colocamos na pós-produção. Foram 6 meses de estudo e teoria e 6 meses de pratica e produção do jogo.

MBG: Mas me diga uma coisa, porque escolheram esta engine? Quais as vantagens dela? Recomenda ela para outras pessoas que queiram criar jogos?

TG: A C4 é a engine independente mais avançada em questão de gráficos. O criador dela o Eric, trabalhou na criação do Playstation 3, então decidiu criar sua própria engine. Muitas tecnologias visuais chegaram na C4 antes de chegar nos games do mainstream. O caso do "motion blur" de Shadow of the Colossus é um bom exemplo disso. E o interessante é que ela exporta para PS3, Pc e Mac. É uma pena que ela não seja conhecida no mercado.

O único problema  é que ela não é tão amigável às pessoas que não tem muito conhecimento de programação. É o meu caso por exemplo (risos) então tive que penar.

MBG: Vocês chegaram a cogitar fazer o jogo em 2D?

TG: Sim, sim. Cogitamos. Sou um grande fã de 2D. Mas era muito difícil passar alguns conceitos do jogo em 2D, como a questão da narrativa mesmo e queríamos testar o 3D pois ele é muito fascinante

Eu tinha criado um jogo em 2D a um tempo atrás, era um RPG. Fiquei 1 ano e meio trabalhando nele, ai eu queria tentar algo novo. Tem jogos 2Ds muito bonitos, como o novo Patapon por exemplo.

Mas é meio assim, uma das ideias do Verdade das sombras era criticar essa obsessão pelo real que a industria do games tem. Os jogos 2D já se livraram disso faz tempo mas os games em 3D são as principais vitimas dessa obsessão. E por causa de vontade do real os games não se libertam como arte.

Como os jogos estão ficando cada vez mais reais eles vão perder a identidade com o tempo todos vão ser iguais. Não veremos mais Okamis por ai ou Shadow of the Colossus... Por isso sou um pouco contra dessa questão do hiperrealismo nos jogos. Por isso optamos pelo 3D.

Se tivesse mais tempo gostaria de ter trabalho nessa parte mais artística do game. E também gostaria de ter trabalhado melhor na narrativa... Uma mais parecida com Portal ou ate mesmo Half Life onde não precisa de cutscenes para contar a história. Pois cutscenes é uma herança da linguagem cinemática. E como os games vão criar uma linguagem própria se eles ficam sugando tudo do cinema?

Apesar de ser muito fã de games como Metal Gear e Final Fantasy, eles pecam demais nisso... Querem ser muito cinemáticos,

MBG: Foi bom ter tocado neste assunto. Mas você não acha também que os jogos precisam perder um pouco essa obsessão por inimigos? No cinema por exemplo, vez ou outra vemos filmes que não dão muitas explicações sobre o que está acontecendo, algo como vimos em Cloverfield ou Cidadão Kane. Os games não precisam disso? Um jogo onde não temos que enfrentar hordas de inimigos, apenas viver uma história?

TG: Concordo. Mas eu acredito que os games são assim, pois ainda é uma midia muito nova. A questão da narrativa ainda não evolui muito. Temos jogos como The Sim´s que tem uma narrativa interessante que não é linear não tem final(como os MMOs) o jogador cria sua história, e não tem o bem e o mal.

Mas o q você disse faz muito sentido. Os jogos estão esquecendo de ser jogos, que eles existem para serem jogados.

MBG: Voltando ao Verdade das sombras. Fiquei com a sensação de que vocês fizeram várias referências a outros jogos. Na minha opinião o game tem um pouco de Shadow of the Colossus, a música tema é parecida com a do Silent Hill... Estou equivocado? Há outras homenagens ou influências?

TG: (risos) Tem bastante sim. A referência do começo é total Silent Hill, os efeitos sonoros ambiente escuro, a música também. Tem bastante de Shadow of The Colossus. O brilho e as cores sépias. Queria tentar passar aquele clima de solidão que o SoTC conseguiu passar.

O logo do jogo é referência ao Final Fantasy, com o logo atrás do nome. Algo como o Yoshitaka Amano fez para todos da série.

MBG: Você comentou sobre o mito da caverna anteriormente. Porque escolheram justamente ele como tema para o game.

TG: Sim porque queríamos criar um game que discutisse a o cenário de games atual e o melhor link entre os dois foi a caverna de Platão. Serviu como uma luva para inúmeras referências. Referencias como a garota principal é uma referencia a Alice no país das maravilhas dizendo que os games precisam tomar um banho de Alice assim como o cinema tomou para acabar com a obsessão pelo real e despertar para arte pois os filmes antes de Alice no pais das maravilhas tinha essa mesma obsessão.

A explicação pelo uso da caverna é mais extensa e pode ser encontrada no PDF em anexo que vem junto com o jogo. Sera os games a saída para uma nova caverna??

MBG: Onde as pessoas podem achar uma versão do Verdade das Sombras para jogar?

TG: Em breve eu vou estar colocando um site no ar, por enquanto só la no Gamecultura mesmo, dentro da seção de Gamearte.

MBG: Há algum projeto em andamento? O que podemos esperar?

TG: Sim. Estou trabalhando em um game menos acadêmico e mais acessível. É um projeto muito maior e ainda estou no começo mas já estou me divertindo muito. Espero que vocês de divirtam também quando esse projeto ver a luz do dia 🙂

MBG: Tem alguma coisa que você gostaria de falar que não foi perguntado?

TG: Queria só dar parabéns para vocês pelo blog que é muito competente com as matérias, tratando a midia game da forma que merece.

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Eu que agradeço Thiago. Mais uma vez digo aqui no MB games que iniciativas como estas merecem ser copiadas. Não me canso de bater na tecla de que os games são uma ótima forma de difundir a cultura e no caso de um país como o nosso onde ela é tão pouco valorizada, talvez os games devessem ser olhados com mais atenção neste sentido e nada melhor do que jogos como A verdade das sombras para realizar tal tarefa.

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