Carlos Cardoso 7 anos atrás
Uma das ironias mais deliciosas da Guerra Fria era que os Blackbirds SR-71 que espionavam a Rússia haviam sido construídos com titânio extraído das minas soviéticas e comprado pela CIA através de empresas de fachada. Hoje uma ironia maior ainda é que os satélites do departamento de defesa dos EUA só conseguem ser lançados com foguetes movidos por motores russos, reaproveitados de antigos mísseis nucleares desativados.
Algo menos irônico mas preocupante é que os EUA estão sem meios de lançamento para satélites pequenos: as empresas investem em foguetes grandes, como Delta IV Heavy, o Falcon Heavy e o SLS da NASA, e ignoram as cargas menores, que ou vão de carona em lançamentos de satélites grandes ou — muito raramente — fazem uma vaquinha e lançam dezenas de satélites ao mesmo tempo.
Foguetes como o Falcon 1 foram descontinuados e hoje quem quer lançar algo pequeno vai para a Rússia, com o Dnepr, para a Europa com o Vega, para a Índia ou para o Japão. Ou China, com seu lindo e fofinho Longa Marcha 11, com meros 20,8 m de comprimento e capaz de colocar cargas de 700 kg em órbita baixa.
Várias empresas estão investindo nesse mercado, incluindo a Virgin Galactic. Para não perder o bonde, as empresas americanas estão de olho em meios de lançamento baratos e confiáveis. Mais precisamente, mísseis balísticos aposentados.
Tecnicamente não há diferença entre um foguete “do bem” e um míssil balístico, a mudança ocorre na trajetória: o míssil lança a ogiva em uma trajetória, bem… balística, uma grande parábola com a ponta terminando em geral em Moscou. O foguete segue uma trajetória diferente, acelerando mais do que subindo, ganhando velocidade horizontal e então atingindo uma órbita estável.
Os EUA tem muitos, muitos mísseis aposentados, mas ao contrário dos russos, não os liberam para uso civil. O resultado é que empresas como a Orbital ATK perderam 50% do market share de lançamentos de pequeno porte.
Um Polaris, Poseidon ou Trident são perfeitos para colocar cargas de menos de 500 kg em órbita. São mais que testados, têm um histórico de segurança excelente e são carinhosamente cuidados por marinheiros que toda semana passam uma flanela no painel, calibram os pneus e ligam o motor pra carregar a bateria e circular o óleo pelo radiador.
Só que há vários grandes problemas: primeiro, os militares são muito egoístas e não compartilham seus brinquedos. Só venderiam os mísseis se fossem obrigados, e aí temos os próprios políticos: há tanto lobby no meio que não consigo nem imaginar quem votará contra ou a favor.
Quando os militares desapegam e vendem os brinquedos, o preço é bem atraente. Sem procurar muito acha-se um F5 (aquela bosta que o Brasil voa) em boas condições por US$ 500 mil. Está meio down e um Blackhawk alegraria sua vida? (DSCLP) tá na mão.
Resta ver se as partes que decidem perceberão que liberar mísseis para uso em lançamentos privados é bom para todo mundo.
Fonte: Space News.