Ronaldo Gogoni 8 anos atrás
Ativista com sacola cheia de pendrives se preparando para atravessar a fronteira da China com a Coreia do Norte, através do rio Tumen
Nós sabemos que na Coreia do Norte a internet é um luxo reservado a poucos, em sua maioria da alta cúpula de Pyongyang (já que o Wi-Fi livre de embaixadas foi sumariamente cortado). Dessa forma a população fica à mercê da pesada manipulação do governo e não tem acesso a nada que não tenha sido minuciosamente manipulado para satisfazer aos interesses do Grande Líder Kim Jong-un.
Mas alguns poucos ativistas desafiam o status quo do país, compartilhando material subversivo a fim de libertar as mentes da população, mostrando que o ocidente não é nem de longe o Grande Satã que o governo prega.
O North Korea Strategy Center é um desses grupos dissidentes, fundado pelo ativista de 46 anos Kang Chol-hwan. Ele tem motivos fortes para lutar contra a situação: quando criança ele e sua família passaram 10 anos presos em um dos campos de trabalhos forçados da Coreia do Norte, acusados de traição.
Outro ativista notório é Kim Heung-kwang, que já foi agente de Pyongyang designado justamente a caçar e prender contrabandistas de material subversivo. Para ele a situação mudou quando ele conseguiu pôr as mãos em um PC, que entre os dados recuperados estavam inúmeros e-books, que abriram seus olhos. Óbvio que ele também foi preso, forçado a passar um ano nos campos. Fundador da North Korea Intellectuals Solidarity, ele produz documentários voltados a conscientizar os cidadãos da Melhor Coreia.
Se a internet não está disponível aos cidadãos, como fazer para apresentar material de fora? Produtos como TVs, computadores e players de vídeos (conhecidos por lá como “notels”) possuem entradas USB e de cartões de memória, o que permite que pendrives, cartões SD e HDs externos com filmes, séries, músicas e livros digitais possam ser distribuídos. O que os coreanos curtem? Séries como Friends e Desperate Housewives, filmes como Anjos da Lei e A Entrevista (óbvio), temporadas inteiras de reality shows e novelas sul-coreanas, documentários…
A distribuição é a parte complicada. Como o governo local não dá moleza, a forma mais simples e contrabandear os pendrives e HDs através da fronteira com a China, sejam por caminhões, balões com timer, pneus recheados com sacolas com a mercadoria e soltos no rio Tumen, barcos e até mesmo há os que arriscam a atravessar a fronteira a pé, tudo para que o material chegue aos norte-coreanos.
Os discos externos possuem uma camada de proteção obviamente: elas não são dispostas em arquivos ou pastas, mas escondidas por trás de um executável acionado quando ele é ligado num computador. Anualmente cerca de 3 mil pendrives são distribuídos no país, o que para a situação é um número grande.
Kang acredita que o norte-coreano, ao ter acesso a tal material compreende que “a América não é constituída apenas por imperialistas e amantes da guerra. Eles são pessoas comuns, com obrigações comuns. Eles percebem que os EUA não são o inimigo”, e começam a ver o Grande Líder com outros olhos mais conscientes. Como ele próprio descreveu, o pendrive é como a pílula vermelha: capaz de destruir ilusões.