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Eduardo Campos, Robin Williams e como você se comporta nas redes sociais

Em meio a tragédias, algumas pessoas optam por comportamentos duvidosos e levantam a bandeira do humor quando não há graça nenhuma no que está sendo feito. Por que é que isso acontece na internet?

9 anos e meio atrás

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Esses dias atrás eu escrevi no Twitter que felicidade, segundo a internet, seria comer Paçoquita cremosa, de bacon, com Nutella, assistindo um mashup de Game of Thrones e Guardiões da Galáxia, versão LEGO, ao lado de um barbudo ou uma ruiva, com gatos no colo.

Só que depois do que vi acontecendo nesta semana, percebi que, para boa parte desta mesma internet, felicidade é tentar fazer os outros rirem a todo custo. E opinar! Seja sobre o que for, seja com o argumento que for.

Quero deixar claro aqui que não há nada de errado em tentar fazer os outros rirem. Isso é muito bem vindo e foi o que salvou muita gente — eu, inclusive — de ficar ainda mais irritado/triste com o que aconteceu na Copa do Mundo, contra a Alemanha. Apenas para citar um exemplo.

O humor sempre foi uma excelente arma pra se defender contra problemas do nosso cotidiano, em várias esferas, incluindo a política. Mas quando isso é feito com falta de respeito, perde sua legitimidade e sua essência.

Ah, antes que venham me dizer que eu sou do ~~politicamente correto~~ (entre tils duplos propositalmente), ou que eu sou contra o humor negro, quem é próximo e me conhece há algum tempo, já sabe que eu costumo fazer piada até com a minha própria mãe, que faleceu em 87.

Claro que isso acontece muito mais como uma forma de tentar achar algo engraçado em um fato tão lamentável, algo como um escudo contra a tristeza, mas fato é que humor negro faz parte do meu dia a dia tanta quanto tomar água. Importante: eu faço isso com a MINHA mãe, pois sei quanto isso dói ou não em mim. Jamais faria isso com outra pessoa.

Dito isso, queria voltar um pouco ao que aconteceu ontem, quando faleceu o candidato à presidência Eduardo Campos na queda de seu avião.

Imediatamente começaram a surgir teorias conspiratórias falando que isso foi obra do PT. A gente já imaginava que isso iria acontecer. Não a sabotagem do avião, a conspiração. Umas na base do humor, outras levando a história a sério. De verdade!

Quero que morra X, não Y!

Outros mais babacas começaram a querer trocar quem iria morrer. “Tinha que ser a Dilma no avião.” ou “Tinha que ser o Aécio”. Dica aqui: se para tentar ser engraçado neste contexto você precisa desejar a morte de alguém, você falhou como ser humano.

Existe em algumas pessoas uma falta de empatia pelo próximo que é assustadora e endêmica de ambientes virtuais. Quanto maior a distância física entre os interlocutores, menor é a preocupação com a opinião alheia e o senso de diplomacia, como apresentado no excelente artigo da Scientific American chamado "Por que todo mundo é tão nervoso na internet" (em inglês).

Não bastasse o fato de que alguém perdeu sua vida numa tragédia, indivíduos por trás de uma conta do Twitter ou do Facebook agem de forma quase que leviana, se esquecendo que, além de quem faleceu, existem várias pessoas que estão sofrendo e muito com o ocorrido.

Isso sem contar o piloto, co-piloto, cinegrafista, e comitiva do candidato. Para cada um deles, existe todo um grupo de pessoas que estão neste momento passando por uma das piores coisas de suas vidas.

Vídeo de familiares de Eduardo Campos, festejando seu aniversário 4 dias atrás

E, ao contrário do que você pensa, essas coisas chegam sim às famílias. Não bastasse a dor de perder alguém que você ama, entrar na internet e ver que estão falando este tipo de bobagem não é lá nada acalantador.

E eu não estou falando aqui que você tem obrigação de afagar alguém que está de luto. Você não tem essa obrigação, mas você precisa pelo menos demonstrar respeito.

Quer um exemplo de como isso pode atingir os envolvidos? E nem é do Brasil antes que alguém fale que isso é um problema do “povinho brasileiro”.

Zelda é filha de Robin Williams, um espetacular ator que nos trouxe tantos momentos felizes, mas que infelizmente cometeu suicídio há alguns dias.

Zelda tem esse nome sim em homenagem à princesa do jogo da Nintendo. Isso por si só já deveria criar algum tipo de simpatia pela garota. Mas ignore este fato, pense apenas que o pai dela morreu.

Imagine agora você leitor, que seu pai ou sua mãe faleceu, de uma hora para a outra, e você nunca mais vai vê-los. Como é sentir isso?

Gostaria de ver alguém falando coisas como “tinha que morrer mesmo, drogado, alcoólatra!” ou “ele escolheu o caminho mais fácil, agora vai queimar no fogo do inferno pois é o que está na Bíblia!”? Que tal “olhe aqui, fotos do seu pai morto”? Pois é!

Acontece que esse tipo de coisa chegou a obrigar Zelda a abandonar as redes sociais.

Eu estou deixando essa conta enquanto eu tento me recuperar e decido se vou deletá-la ou não. Neste momento difícil, por favor tente ser respeitoso em relação a mim, minha família e meus amigos. Deixar esse tipo de coisa chegar até a gente, nos enviar fotos do meu pai, julgá-lo ou me julgar é cruel e desnecessário.” — disse ela.

Isso acompanhou outras mensagens de seus irmãos Zak e Cody e fez com que o próprio Twitter revesse suas políticas para evitar que isso volte a acontecer no futuro.

Nós não vamos tolerar abusos desta natureza no Twitter” — disse Del Harvey, vice presidente de Segurança e Confiabilidade da empresa. E completou:

Nós suspendemos um grande número de contas relacionadas ao ataque por violarem nossas regras e estamos avaliando como melhorar ainda mais nossas políticas para lidar melhor com situações trágicas como essa. Isso inclui expandir nossas regras relacionadas a auto-flagelo e informações privadas, além de aumentar o suporte aos familiares de membros que faleceram” — completou Harvey.

Mais uma vez, humor — mesmo humor negro — é engraçado e divertido, desde que ele mantenha o mínimo do respeito. E dá pra fazer, como faz muito bem o humorista americano Louis CK. Dá pra achar muita coisa legendada dele no YouTube e valem cada segundo.

Vocês só sabem falar disso agora?!

Outra coisa que tenho notado é que existe um pessoal que não entende que Redes Sociais são representações por amostragem de comportamentos… sociais.

Se muita gente gostou de um filme, é muito provável que você veja muita gente falando deste filme. Ao vivo, e condensado em seu Twitter ou seu Facebook.

Se muita gente se compadeceu com a morte de alguma pessoa que, por qualquer razão que seja, era admirada por eles, você vai ver muita gente falando disso em sua timeline.

E você pode reclamar disso e achar ruim e bancar aquele chato que não se importa com o sentimento alheio (sim, é seu direito fazer isso) ou você pode simplesmente entender que isso vai acontecer, respeitar a demonstração alheia de afeto, de carinho e saudade, e seguir em frente.

Pode até propor outros assuntos a serem conversados. Tenho certeza que muitos de seus amigos vão se juntar ao tópico. Isso pode, inclusive, ser uma forma de amenizar o incômodo de todo mundo.

Xingar as pessoas que estão fazendo isso, não.

Em suma…

Não existem regras de conduta nas redes sociais. Ao menos, não explícitas. Mas existem formas de agir que vão gerar mal estar, que vão levar sentimentos ruins a terceiros, talvez gente que você sequer conheça. E existem formas neutras que podem evitar que você seja o agente de propagação desta dor.

As redes sociais são ferramentas poderosíssimas e que mudaram completamente a maneira com a qual nos comunicamos e interagimos uns com os outros. Já derrubou barreiras, ditadores, alterou como o jornalismo trabalha, como as notícias chegam até você e encurtou distâncias entre fronteiras.

Cabe agora decidir como você pretende usar esta ferramenta. E se você ainda tiver alguma dúvida, siga o exemplo do simpático canguru abaixo e relaxa aí, fera.

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Este texto representa a opinião do autor somente, e pode não refletir o posicionamento do Meio Bit acerca do assunto.

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