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Cosmos: dessa vez mandaram um poeta

Se você está lendo isto, parabéns. Significa que alguns bilhões de anos atrás uma estrela explodiu, espalhando pelo Universo os elementos que compõe seu corpo. Não somos barro, somos poeira de estrelas. Se isso soa fascinante, acredite, é apenas o começo. Em Cosmos — A Spacetime Odyssey, Neil DeGrasse Tyson nos leva em uma viagem abrangendo apenas tudo que existe, existiu ou existirá. Ambicioso? Com certeza. Ele conseguiu? Sim, mas leia a resenha mesmo assim.

10 anos atrás

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Antes de mais nada, Cosmos — A Spacetime Odyssey não é um remake, não é um reboot, não foi feito para competir ou destronar o trabalho de Carl Sagan. A internet adora comparar e diminuir tudo, ao invés de agregar, e Cosmos agrega.

São 30 anos de descobertas científicas, quase tudo da primeira versão está desatualizado, mas Neil DeGrasse Tyson não se propõe a corrigir Carl Sagan, mas a prosseguir com seu trabalho, mostrando uma ínfima e infinita fração das maravilhas que povoam o Cosmos. E sim, ele conseguiu.

Cosmos mostra o quanto somos pequenos, mas também mostra que podemos pensar grande. Sagan dizia que nós somos uma forma do Universo conhecer a si mesmo, e isso não tem nada de pequeno. Mesmo sabendo muito pouco, mesmo com nossa civilização tendo poucos milhares de anos (conto da invenção do Atari pra cá) em pouquíssimo tempo passamos de um disco de terra de 6 mil anos flutuando num oceano sem fim para um Universo de 13 bilhões de anos. Talvez um entre infinitos Universos. O simples fato de concebermos 13 bilhões de anos já mostra nossa capacidade de imaginar.

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E por falar nisso, a Nave da Imaginação está de volta. Meio Vôo do Navegador, meio Slave-1 do Boba Fett, meio Enterprise do JJ Abrams (Lens flare, alguém?) nesse primeiro episódio ela faz um rápido tour do Sistema Solar às fronteiras do universo observável. Tyson fala do que sabemos, do que não sabemos e como querer saber, questionar e exercitar a curiosidade nos tirou das cavernas. Como os primeiros astrônomos aprenderam a prever as estações e as migrações de animais, pelo movimento das estrelas.

Ele também mostra como já foi, e ainda é perigoso questionar. Em uma sequência de animação primorosa é contada a história de Giordano Bruno (1548 – 1600), um frei dominicano que foi ridicularizado, preso e queimado na fogueira pelo terrível pecado de questionar dogmas da Igreja Católica. Bruno era antes de tudo insatisfeito com a visão mesquinha e limitada de Universo que era padrão na época. O modelo heliocêntrico de Copérnico, divulgado em 1543 ainda não havia descido pela garganta de muita gente, e Giordano Bruno começou a falar de um Universo infinito, com incontáveis planetas e estrelas.

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No que talvez seja a cena mais significativa do episódio Giordano Bruno é mostrado dando uma palestra em Oxford, quando a platéia se revolta com suas idéias heréticas de mundos infinitos criados por um Deus infinito, tirando a Terra de seu lugar de destaque. Os acadêmicos o atacam, defendendo a visão de que a Terra é tudo que há. Bruno, inconformado, responde: “Seu Deus é pequeno demais”.

10 anos depois da morte de Giordano Bruno na fogueira, Galileu e seu telescópio descobrem que a Lua, Júpiter e seus satélites são outros mundos.

Giordano Bruno não era um cientista. Tyson diz com todas as letras, a visão dele estava certa por pura sorte. Ele também não é nenhum ícone do ateísmo, como também não o era o Monsenhor Georges Lemaître, primeiro cientista a propor a idéia do Big Bang. Bruno é, sim, um ícone do inconformismo com dogmas, do questionamento, que são a base da Ciência.

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Cosmos não tem problemas de ir aonde Carl Sagan não foi, ou de voltar e corrigir onde ele errou. Ciência é colaboração, não competição.

Nesse primeiro episódio só molhamos os pés na espuma do Oceano Cósmico. Vem muito mais por aí.

Na parte técnica só feras, e dá pra sentir o cheiro do trabalho de cada um.

Alan Silvestri  — Foi chamado para compor o tema de abertura, mas disse que só faria se deixassem compor a música da série toda, os 13 episódios. Como resultado a atmosfera musical é perfeita, dá para perceber toques de vários trabalhos anteriores dele, como Forrest Gump, Segredo do Abismo, De Volta Para O Futuro e, claro, Contato. O Cosmos original fez muito uso de música clássica. A trilha original desta versão ajuda a diferenciar os dois, sem perder o senso de deslumbramento.

Brannon Braga — Fora seu maior mérito – ter sido casado com a Jeri Ryan – foi produtor-executivo de 24h, Terranova e várias séries da franquia Star Trek. A Espaçonave da Imaginação tem um ar de Enterprise Minimalista, com os arcos entre a cadeira do capitão. Braga é produtor-executivo de Cosmos e como diretor, um dos responsáveis pelo clima da série. A abertura inclusive tem uns toques da abertura de Star Trek Voyager.

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Ann Druyan — Viúva do Sagan, co-autora do Cosmos original, responsável pela seleção das músicas incluídas no disco das Voyagers, produtora de Contato e parceira inseparável de Carl, ela é a Grande Mulher que existe ao lado de todo Grande Homem.

Seth MacFarlane — Assim como Matt Groening, Seth ficou podre de rico fazendo desenhos animados que a internet adora odiar, diz que ninguém vê mas ainda assim rendem rios de dinheiro para a Fox. A ponto de não reclamarem das mensagens liberais que vão contra tudo que Rupert Murdoch, dono da Fox Networks acredita. Claro, Murdoch acredita acima de tudo em dinheiro, e enquanto o dimdim continuar entrando trazido por caminhões, podem continuar sacaneando a Fox à vontade.

MacFarlane é a grande força por trás do projeto, que Ann passou 8 anos tentando produzir. Ele conseguiu convencer a Fox a dar carta-branca para a série. O orçamento do Cosmos original, filmado entre 1978 e 1979, foi de US$ 23,6 milhões em dinheiro atual. Com locações em 30 países duvido que a versão nova tenha custado menos de US$ 100 milhões, e você percebe cada centavo. Uma parte considerável foi em esforços de divulgação (menos da NatGeo HD Brasil, que subiu trailers em resolução porca de 480p).

A estréia, ontem, passou em nada menos que dez canais simultaneamente, com direito a uma introdução feita pelo Presidente Obama em pessoa. O episódio termina com Neil DeGrasse Tyson celebrando Carl Sagan, contando como foi seu primeiro encontro e como sua vida foi mudada por ele.

O grande tema do episódio foi que precisamos pensar grande. Idéias mesquinhas e limitadas são perigosas, pois tendem a querer limitar os outros. Comparar Tyson e Sagan é ser limitado, é ser mesquinho. E não há nada mais mesquinho do que forçar uma competição, quando esse novo Cosmos só existe por causa de um astrônomo judeu do Brooklyn que nos Anos 70 passou o dia conversando com um jovem negro do Bronx, de 17 anos, que queria ser cientista.

Qualquer um que perde tempo discutindo qual é melhor, está deixando de se maravilhar com um Universo grande o suficiente para dois Grandes Divulgadores e dois Grandes Documentários Cosmos. Talvez até três.

Em Contato, também de Carl Sagan, a personagem de Jodie Foster diante das maravilhas do Cosmos, diz que deveriam ter mandado um poeta. O conselho foi ouvido. Cosmos — A Spacetime Odyssey para todos os fins práticos é pura poesia.

Cosmos estréia no Brasil quinta-feira 22 h 30 min no NatGeo. Lá fora passa todo domingo, 21 h, estando disponível também na Locadora do Paulo Coelho.

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