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NASA recorre ao SLS para trazer amostras de Marte

NASA não vai torrar US$ 11 bilhões na Mars Sample Return, e pode usar SLS para resolver tudo em uma missão... mas ainda não vai sair barato

13/05/2024 às 10:20

Como previsto, a NASA não vai bancar o plano original da missão Mars Sample Return (MSR), uma joint venture com a Agência Espacial Europeia (ESA) para coletar, armazenar, e enviar amostras de solo de Marte para a Terra, de forma autônoma.

Graças a uma série de decisões erradas, o escopo escalou de tal forma que os custos projetados chegaram à insana cifra de US$ 11 bilhões; a título de comparação, o Telescópio Espacial James Webb (JWST) custou US$ 10 bilhões, e os legisladores já não ficaram felizes com isso.

Proposta da Boeing para missão Mars Sample Return usa um único lançamento do SLS, para levar o lander e o MAV (Crédito: Nathan Koga/NASASpaceFlight.com)

Proposta da Boeing para missão Mars Sample Return usa um único lançamento do SLS, para levar o lander e o MAV (Crédito: Nathan Koga/NASASpaceFlight.com)

Em abril de 2024, a NASA abriu a concorrência da missão para a iniciativa privada, em busca de propostas mais decentes e para gastar menos. A Boeing foi a primeira a apresentar um plano que envolve seu foguete SLS, capaz de resolver tudo em um lançamento só, mas caso outras companhias não apresentem nada, este plano pode sair menos caro... mas ainda não será barato.

SLS pode resolver, mas é caro

A missão Mars Sample Return começou a ser planejada pela NASA em 2001, mas o plano só pegou tração em 2018, com o envolvimento da ESA. O plano original consistia em um lançamento com um lander, que traria um rover dedicado para coleta, um braço robótico para a transferência do material, e um MAV (Mars Ascension Vehicle, ou Veículo de Ascensão Marciana), basicamente um foguetinho, em que as amostras seriam colocadas e despachadas.

Um segundo lançamento acessório colocaria uma sonda em órbita, esta responsável por coletar o MAV, e redirecioná-lo para a Terra.

O propósito do plano consiste em estudar amostras de Marte quanto antes, visto que não há a menor previsão de uma missão tripulada para o planeta vermelho, e as amostras coletadas hoje pela sonda Perseverance não têm como ser recuperadas. Algumas estão armazenadas em uma unidade em solo, enquanto outras serão mantidas no veículo, para alguém coletar... um dia.

Originalmente planejada para 2026, a MSR começou a se complicar quando a equipe de pesquisadores responsável, liderada por Thomas Zurbuchen, o então administrador associado da Diretoria de Missões Científicas (SMD) da NASA, decidiu alterar o escopo da missão em prol da segurança, e começou a atochar um monte de módulos adicionais, o que implicava em maior tempo de Pesquisa e Desenvolvimento, e consequentemente, mais dinheiro gasto.

Em um certo ponto, a missão deveria contar com dois landers, e dois helicópteros para coleta de material (justificados após os bons resultados do Ingenuity), além da Perseverance como backup e a estação orbital. Os custos médios com P&D já estavam na casa de US$ 1 bilhão por ano, e como se não bastasse, o projeto fez a missão Psyche, para estudos do núcleo do asteroide de mesmo nome, ser lançada com um ano de atraso.

No fim das contas, a NASA não conseguiu justificar a missão junto ao Congresso, que dado o escopo alcançou um orçamento de US$ 11 bilhões, um bi a mais do que o JWST custou. Zurbuchen rodou, bem como Jim Green, ex-cientista chefe e líder da divisão de Ciência Planetária da agência. No fim, a solução foi abrir para a iniciativa privada, a fim de controlar os custos, e deixar os suspeitos habituais baterem cabeça.

Diagrama da proposta completa da Boeing, com a Perseverance como único sistema de coleta (Crédito: Reprodução/Boeing) / nasa

Diagrama da proposta completa da Boeing, com a Perseverance como único sistema de coleta (Crédito: Reprodução/Boeing)

A primeira companhia a apresentar uma proposta foi a Boeing, esta uma favorita entre os legisladores dos Estados Unidos, mesmo apresentando uma série de dificuldades (não custa lembrar que ninguém, seja na NASA ou no Congresso, vai com a cara de Elon Musk), mas chega a ser irônico que, para resolver um problema de custo, a companhia tenha sugerido usar o SLS, o foguete mais caro da história. Ainda assim, há um certo sentido nisso.

O plano da Boeing consiste em resolver tudo com um único lançamento de seu foguete, que com seus 39,1 MN de impulso, é mais do que o suficiente para lançar a carga proposta em direção à Marte: um único conjunto consistindo de um lander, um rover de busca, equipado para coletar as amostras da Perserverance, e do MAV, este capaz de ajustar sua trajetória por conta própria após ser lançado com as amostras, dispensando assim a sonda orbital.

A ideia é usar a Perseverance como um rover backup, no que ele seria compatível, mas não pode ser usado como o padrão, devido sua capacidade limitada de carga de apenas 43 cápsulas de titânio, cada uma do tamanho de um cigarro, no que 10 já foram usadas e depositadas em solo.\

Empregar a Perseverance, já em uso, e um rover mais modesto busca poupar dinheiro, mas, por outro lado, isso deixa a MSR sem muitas redundâncias e planos de backup; se qualquer das partes der chabu, JAERA.

Claro que a NASA sabe que Marte não é amigável, vide o destino da missão Phobos-Grunt, mas, ao mesmo tempo, os indianos chegaram lá de primeira (um feito que nem os americanos, nem os russos, conseguiram) com a missão da sonda MOM, que durou oito anos. O grande problema é o custo, a agência não terá aporte governamental para gastar o que quiser, e assim, a solução é depender mais uma vez de parcerias público-privadas.

O grande problema, no momento, é a Boeing estar sozinha no páreo, o que a permite fixar os preços que quiser, desde que não cheguem aos insanos US$ 11 bilhões, porém, a cifra não deve ser muito baixa. Seu SLS sozinho custa US$ 2 bilhões por lançamento, e é perdido toda vez; o projeto do lander e MAV também não é nada modesto, quando nos damos conta das dimensões envolvidas.

Representação artística do conjunto lander/MAV da Boeing; Perseverance para escala (Crédito: Reprodução/Boeing) / nasa

Representação artística do conjunto lander/MAV da Boeing; Perseverance para escala (Crédito: Reprodução/Boeing)

Para dar uma ideia, este é o tamanho da Perseverance em relação a humanos; agora visualize-os do lado do lander.

A Perseverance é pouco menor que um Humvee, o que dá uma boa ideia do quão grande é o lander da Boeing (Crédito: Divulgação/NASA JPL)

A Perseverance é pouco menor que um Humvee, o que dá uma boa ideia do quão grande é o lander da Boeing (Crédito: Divulgação/NASA JPL)

Jim Green, hoje aposentado, está promovendo a proposta da Boeing com o argumento mais lógico possível, o SLS tem capacidade e potência de sobra para lançar uma carga massiva em direção à Marte, consistindo do lander e do MAV, no que o conjunto tem seu próprio sistema de propulsão e combustível, sendo capaz de controlar a reentrada e descida, ou seja, é autônomo o suficiente para lidar com os "7 Minutos de Terror".

O ponto contra a Boeing está em sua experiência com Marte, que é nula. A Lockheed Martin já desenvolveu módulos de pouso, enquanto a Starship da SpaceX, o foguete mais poderoso do mundo (70 MN de impulso) e desenvolvido com o planeta vermelho como alvo prioritário, seriam opções mais sensatas à NASA como contratantes principais para resolver o imbróglio da MSR, isto é, se qualquer uma das duas apresentar um plano concorrente.

Ao mesmo tempo, a NASA está coletando ideias de seus vários centros espaciais, e incumbiu a JPL de apresentar uma proposta melhor, e mais barata, que a original da missão.

NASA deve receber amostras em 2040

Segundo Green, a Boeing e o SLS têm capacidade de atender o cronograma atual da MSR, que é lançar a missão em 2034; a carga chegaria à Marte em 2035, e devido restrições de custo, o MAV seria lançado no fim do mesmo ano, mas chegaria à Terra só muito tempo depois, por volta de 2040.

Aliás, a Boeing não apresentou uma estimativa de quanto seu plano custará à NASA, no que a empresa se limitou a dizer que ele "deverá passar por uma análise de custo". Este é o grande problema de toda a empreitada, e se a etiqueta final ficar próxima demais dos US$ 11 bilhões do plano original, qual é a vantagem?

É preciso também levar em conta a longevidade do SLS: enquanto ele é o plano prioritário da missão Artemis, que levará astronautas de volta à Lua até o fim da década, sua natureza descartável o tornará obsoleto, e desnecessariamente caro, caso a Starship já esteja pronta, o mesmo valendo para outros concorrentes reutilizáveis que possam surgir até lá.

A SpaceX projeta que cada lançamento da Starship custará, com todos os amortecimentos possíveis, por volta de US$ 50 milhões, troco de pinga perto dos US$ 2 bilhões queimados com cada SLS. Ele é extremamente seguro e tem que ser mesmo, mas é preciso lembrar que ele é uma plataforma política, controlada pelo Congresso, o que não acontece com os foguetes de Elon Musk. O New Glenn da Blue Origin seria uma opção, mas ele é bem mais fraco (17,1 MN); por outro lado, Jeff Bezos é mais aberto a fazer lobby, diferente de Musk.

Sendo bem sincero, o SLS talvez não seja a melhor opção, se considerarmos que a MSR não é para agora, mas a Boeing precisa justificar seus designs a todo custo, e está empurrando o SLS para todo mundo, por não ter outra coisa para oferecer. A companhia tentou cavar seu foguete na missão Europa Clipper, com uma mãozinha do Congresso dos EUA, mas a NASA fechou o lançamento para outubro de 2024 (se nada mais der errado) em um Falcon Heavy, dada a maior disponibilidade deste.

No fim, a Boeing tem uma excelente plataforma que não atende todos os casos de uso, mas na falta de alternativa, a companhia estaria seguindo a Lei do Instrumento de Abraham Maslow:

"Quando a única ferramenta que você possui é um martelo, você tende a tratar todos os seus problemas como pregos."

Fonte: Ars Technica

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