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Rússia: games, êxodo da indústria e pirataria

Devido à guerra na Ucrânia, muitas empresas de games deixaram a Rússia, o que tem consequentemente feito a pirataria explodir no país

38 semanas atrás

Imagine um país onde dezenas de milhões de pessoas são apaixonadas por videogames. Nele, boa parte desse público não tem acesso aos games de maneira legal, precisando recorrer à pirataria, com a justificativa para isso podendo ir desde a desigualdade social até os exorbitantes preços praticados. Pensou no Brasil? Tudo bem, mas estamos falando de um lugar a mais de 14 mil quilômetros daqui, estamos falando da Rússia.

Pirataria de games

Crédito: Reprodução/upklyak/Freepik

Tal como cá, no maior país do mundo a luta contra a pirataria de games é algo antigo. De um lado temos as empresas, que mesmo com representações oficiais pouco podem fazer para se proteger, já do outro estão os consumidores, que utilizam as cópias ilegais para poderem ter acesso aos últimos lançamentos.

Porém, neste embate que parece longe de um desfecho, enquanto no Brasil tenho percebido cada vez mais pessoas se rendendo às maravilhas da distribuição digital e às promoções que costumam ser realizadas nas lojas virtuais, a Rússia estaria indo pelo caminho inverso e o cenário geopolítico local explica esse fenômeno.

O problema começou pouco após o final de fevereiro de 2022, quando a Rússia enviou suas tropas para a Ucrânia. Com as sanções pipocando por todos os lados, diversas empresas decidiram apoiar diretamente o país que teve suas terras invadidas, o que incluiu desde a doação de suprimentos e dinheiro, até a interrupção de negócios com os russos.

Diante da situação, o governo de Vladimir Putin decidiu partir para medidas desesperadas, chegando a sugerir a descriminalização da pirataria, o que afetaria diretamente a indústria de games. E aqui vale um adendo: só em 2018 os russos gastaram mais de US$ 1,6 bilhão de dólares com jogos eletrônicos, colocando-os a frente de países como México e Brasil.

O ótimo beat 'em up Mother Russia Bleeds (Crédito: Divulgação/Le Cartel Studio)

A população, por sua vez, preferiu não esperar. Sem acesso aos jogos que tanto amam, os russos partiram para aquela que despontava como uma das poucas opções para poderem continuar se divertindo, o que fez com que a pirataria de games explodisse no país.

Segundo uma pesquisa realizada pela School XYZ, empresa dedicada a formar desenvolvedores de jogos na Rússia, 69% dos participantes afirmaram ter pirateado ao menos um jogo em 2022. Além disso, dos entrevistados, 51% disseram ter recorrido à pirataria muito mais do que no ano anterior.

Dentre aqueles que responderam positivamente à utilização de jogos piratas, 27% afirmaram ter feito isso com pelo menos três títulos; já 20% foram bem além, admitindo ter pirateado dez ou mais jogos. Quanto aos que não se renderam à pirataria de games, todos disseram ter feito isso por serem contra a prática, enquanto apenas 7% garantem não ter comprado nenhum jogo em 2022.

Vale mencionar que a pesquisa aconteceu apenas através da internet, contando com 1500 participantes de todas as regiões da Rússia e considerando basicamente apenas pessoas que tinham interesse em games. Ela também confirmou algo que muitos já poderiam imaginar: quando se trata de obter jogos ilegalmente, os torrents costumam ser a maneira mais utilizada.

Crédito: Reprodução/cottonbro studio/Pexels

Um detalhe interessante é que não teria sido apenas a debandada das empresas o que levou as pessoas a praticarem pirataria de games. Para Alexander Kuzmenko, que foi editor da revista e site Igromania (Game Mania), as dificuldades impostas por aqueles que continuaram atuando em solo russo também teria desmotivado quem quer adquirir seus jogos por vias legais.

Um exemplo disso seria o Steam e o GOG. Embora tais lojas continuem funcionando no país, elas deixaram de aceitar os cartões de bancos russos como forma de pagamento. Assim, aqueles que quiserem comprar jogos nelas ainda podem fazer isso, mas apenas através de gift cards ou vouchers.

“Os jogadores estão acostumados a comprar jogos no Steam com um clique e agora, para comprar um jogo, você precisa realizar as mesmas ações de quando baixava uma versão pirateada, então todo mundo escolhe por economizar dinheiro,” explicou Yegor Tomsky, CEO do Watt Studio.

Essa pode parecer uma comparação exagerada, mas ela vai ao encontro de algo que Gabe Newell defendeu há 12 anos. Naquela ocasião, o mandachuva da Valve afirmou que “A pirataria é quase sempre um problema de serviço e não um problema de preços.” Ele até usou um exemplo interessante para ilustrar sua opinião: “se um pirata oferece um produto em qualquer lugar do mundo, 24 horas por dia, sete dias por semana, comprável da conveniência de seu computador pessoal, e o provedor legal diz que o produto é bloqueado por região e chegará ao seu país apenas três meses após o lançamento nos EUA, e só pode ser comprado em uma loja de tijolo e argamassa, o serviço pirata torna-se muito mais valioso.”

Tela do jogo I'm Russia — disponível no Steam (Crédito: Divulgação/Bee Hive)

E no caso da situação atual da Rússia o problema é muito maior do que uma mera dificuldade na distribuição/prestação de serviço. Por lá, a incerteza sobre o futuro próximo tem feito muitas pessoas economizarem o máximo possível e todos nós sabemos que em casos extremos o luxo será a primeira coisa que as pessoas deixarão de aquirir — por mais que até mesmo Vladimir Putin afirme que games não são meros brinquedos.

“Os videogames devem ajudar as pessoas a se desenvolver, ajudar a se encontrar,” defendeu o presidente, em palestra recente realizada num evento sobre a indústria. “Eles devem ajudar as pessoas numa estrutura de valores humanos universais e dentro da estrutura do patriotismo do ponto de vista humanitário.”

Mas nem toda a demagogia do mundo seria suficiente para colocar comida no prato das pessoas e isso tem sido sentido por aqueles que trabalham na criação de jogos eletrônicos na Rússia. Segundo dados divulgados pelo site de busca de empregos HH.ru, apenas no primeiro semestre de 2023 o número de vagas para quem trabalha na área caiu 38%.

Enquanto isso, estúdio como o Four Quarters, que em 2021 lançou o elogiado Loop Hero, achou melhor eximir da culpa os russos que adorariam jogar sua criação. Cientes da dificuldade que alguns estão encontrando para adquirir o jogo, a desenvolvedora situada na Rússia recorreu a uma rede social local para se prontificar a “erguer a bandeira da pirataria” e compartilhou o link para o principal torrent do jogo.

Como o cenário por lá não dá sinais de mudança, aparentemente seguiremos vendo a pirataria de games se alastrando pela Rússia.

Fonte: TorrentFreak

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