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James Webb, Einstein, Sobral e galáxias como lente de aumento

Telescópio Espacial James Webb usa efeito de distorção da luz descrito por Einstein para enxergar galáxias nos confins do Universo

1 ano atrás

O Telescópio Espacial James Webb (JWST) mal completou 6 meses de serviço, mas já forneceu imagens espetaculares do espaço longínquo, compensando a longa "obra de Igreja" que ele foi para a NASA, que consumiu 25 anos e 20 vezes mais grana do que o orçamento original, de "pífios" US$ 500 milhões.

Porém, mesmo o James Webb não consegue captar as fotografias antigas das estrelas e galáxias mais distantes do Universo, ao menos, não diretamente. Para isso, cientistas usam objetos massivos como "lentes de aumento", um truque previsto por Einstein e comprovado pelo Experimento de Eddington, a observação do eclipse solar de 1919, no qual o Brasil teve uma essencial participação.

James Webb continua entregando imagens de cair o queixo (Crédito: dima_zel/Getty Images)

James Webb continua entregando imagens de cair o queixo (Crédito: dima_zel/Getty Images)

Em 1911, Albert Einstein publicou um artigo, descrevendo cálculos para o efeito de deflexão gravitacional da luz, ainda que incompletos. A ideia geral era de que a gravidade não seria uma força que atuava diretamente sobre os objetos, mas que estes curvariam o espaço ao seu redor, um efeito que variaria conforme a massa dos mesmos.

Desde 1905, Einstein causava burburinho na comunidade científica, ao propor que tempo e espaço não são fixos, mas que ao invés disso, podiam ser dilatados e comprimidos pela gravidade exercida por corpos extremamente massivos, como estrelas e galáxias. Em 1915, com a publicação da Teoria da Relatividade Geral, o alemão apresentou um cálculo baseado nos estudos das equações de Karl Schwarzschild.

Para comprovar que os cálculos estavam certos, era preciso observar o efeito de deflexão da luz, e nada na nossa vizinhança possui mais massa que o Sol. A luz de estrelas, ao passar por sua vizinhança, não seguiria em linha reta, ao invés disso, seria curvada pela gravidade do astro, assim, para um observador na Terra, elas pareceriam fora de posição. Einstein calculou o valor exato, 1,75 segundo de arco, ou ridículos 0,00048º de desvio, ainda assim, uma variância perfeitamente detectável.

Einstein e Eddington (dir.) em foto de 1925; ao centro, Hendrik Lorentz, Nobel de Física em 1902 pela descrição do efeito Zeeman (Crédito: domínio público)

Einstein e Eddington (dir.) em foto de 1925; ao centro, Hendrik Lorentz, Nobel de Física em 1902 pela descrição do efeito Zeeman (Crédito: domínio público)

Problema: observações diretas seriam impossíveis, era preciso um eclipse para o Sol não atrapalhasse o experimento, e com condições apropriadas. O mais adequado era o esperado para o dia 29 de maio de 1919, visível na costa da África e no nordeste do Brasil.

O experimento foi organizado por Arthur Stanley Eddington e Frank Watson Dyson, dois astrônomos ingleess e membros da Royal Society, que proveram os fundos e meios necessários. Duas expedições foram definidas, na ilha do Príncipe e em Sobral, no Ceará.

A dica foi dada por Henrique Morize, então diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, ao explicar que a faixa de observação do eclipse duraria 6 minutos e 51 segundos, indo da América do Sul até a África. Ele emitiu comunicados a diversas instituições científicas, e Eddington e Dyson se interessaram em realizar a empreitada.

A observação em si teve uma série de perrengues, do dia amanhacer nublado à observação de Príncipe dar chabú, e os instrumentos usados em Sobral terem captado menos estrelas do que o esperado. Ainda assim, as observações demonstraram, sem sombra de dúvida, que Albert Einstein estava absolutamente certo. Os dados coletados casaram perfeitamente com o postulado da Teoria da Relatividade.

Depois desse dia, Einstein foi elevado à condição de celebridade fora do meio científico, e Eddington é considerado o homem que o tornou famoso. Em 1925, durante sua visita ao Rio de Janeiro, o físico alemão disse que o problema apresentado pela Teoria da Relatividade "foi respondido pelo céu luminoso do Brasil".

Foto do eclipse solar de 1919 capturada em Sobral, restaurada e resolução elevada através de processos modernos. Clique aqui para ver em um tamanho maior (Crédito: ESO/Landessternwarte Heidelberg-Königstuhl/F. W. Dyson, A. S. Eddington, & C. Davidson)

Foto do eclipse solar de 1919 capturada em Sobral, restaurada e resolução elevada através de processos modernos. Clique aqui para ver em um tamanho maior (Crédito: ESO/Landessternwarte Heidelberg-Königstuhl/F. W. Dyson, A. S. Eddington, & C. Davidson)

O que isso tem a ver com a observação do James Webb? Tudo.

Se a luz sofre distorção ao passar por objetos com massa muito grande, estes podem ser usados como uma "lente", ampliando o alcance de observações por instrumentos. O efeito, chamado lente gravitacional, foi também descrito por Einstein na Teoria da Relatividade, antes de ser devidamente observado. O experimento de Sobral foi o primeiro teste prático.

Uma galáxia possui tamanha massa, que ela distorce o tecido do espaço-tempo ao seu redor, e tudo o que transitar através dele fará uma curva, luz inclusa, antes de seguir. A maior distorção é vista perto do centro, ao contrário das lentes ópticas, no que os desvios são mais pronunciados nas bordas.

Dessa forma, uma lente gravitacional não possui um único ponto de foco. Se a fonte de luz, a lente e o observador estiverem perfeitamente alinhados, a primeira formará um anel em torno do centro de massa da lente, o que é conhecido como anel de Einstein-Chwolson.

Assim como as lentes físicas, uma lente gravitacional pode ser usada como um ponto focal, permitindo que um telescópio, seja em terra ou em órbita, possa enxergar muito mais longe do que seus instrumentos foram projetados para fazer, mesmo os de ponta como o Hubble, que usa o fenômeno desde sempre.

Com o James Webb não é diferente, mas dado o equipamento moderno nele acoplado, explorar lentes gravitacionais permite captar imagens que mesmo o Hubble não consegue entregar, como a recentemente divulgada pela NASA, que usou Abell 2744, conhecido como Aglomerado de Pandora, composto por pelo menos quatro aglomerados de galáxias diferentes.

A NASA estima que a foto original possui cerca de 50 MIL pontos de luz (Crédito: NASA, ESA, CSA, I. Labbe (Swinburne University of Technology) and R. Bezanson (University of Pittsburgh). Image processing: Alyssa Pagan (STScI))

A NASA estima que a foto original possui cerca de 50 MIL pontos de luz (Crédito: NASA, ESA, CSA, I. Labbe [Swinburne University of Technology], R. Bezanson [University of Pittsburgh]; image processing: Alyssa Pagan [STScI])

Distante 4 bilhões de anos-luz da Terra, três dos aglomerados de Abell 2744 formam o que é chamado de mega aglomerado, e criam um poderoso efeito de lente gravitacional, potente o bastante para permitir que o James Webb captasse as luzes de galáxias muito mais distantes que isso, com uma qualidade absurda de detalhes.

Segundo a NASA, a imagem comporta mais de 50 mil pontos de luz próximas do espectro infravermelho, resultado de uma longa exposição do instrumento de observação NirCAM, por cerca de 30 horas. Nada mal para um projeto que muita gente julgou que jamais sairia do chão.

Se você quiser conferir a imagem original, clique aqui para baixá-la (186 MB, 17.644 x 13.422 pixels).

Fonte: NASA

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