GTA: o dia em que um filme com Eminem foi rejeitado

Grand Theft Auto, ou GTA para os íntimos, é hoje a 5.ª franquia de games mais lucrativa da história, ficando atrás apenas de Mario, Tetris, Pokémon e Call of Duty. GTA V sozinho é o segundo game mais vendido de todos os tempos, em uma lista encabeçada por Minecraft, e vendeu 3 vezes mais que Super Mario Bros.

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Dan e Sam Houser sempre tiveram grandes ambições para sua criação, mas curiosamente, seus planos nunca incluíram adaptações para cinema e TV; Sam teria recusado uma oferta de Hollywood para um filme, estrelado pelo rapper Eminem e dirigido por Tony Scott (1944 – 2012), por razões nunca esclarecidas.

O causo foi trazido à tona por Kirk Ewing, veterano no cenário britânico da indústria de games, tendo ele trabalhado na direção de Earthworm Jim 3D, em uma entrevista no podcast Bugzy Malone's Grandest Game da BBC, uma série dedicada a GTA e seu impacto na mídia e na cultura global.

Ewing é amigo dos Houser e trabalhou por um tempo como agente da DMA Design, a desenvolvedora que seria renomeada em 2002 para Rockstar North. A história teria se passado nessa época, pouco tempo após o lançamento de GTA III:

Na verdade, eu não sei se devo contar essa história. Devo? (...) Eu me lembro de receber uma ligação por volta das 4 da manhã, de um produtor em Los Angeles com uma oferta para fazer um filme. Ele disse: "Kirk, conseguimos Eminem para estrelar e o Tony Scott para filmar. US$ 5 milhões de cara (pelos direitos). Te interessa?"

Eu telefonei para o Sam (Houser) e disse: "Ouça, eles (Hollywood) querem Eminem em um filme de Grand Theft Auto, e o Tony Scott para dirigir." Sam respondeu: "Não estou interessado."

Vamos analisar o contexto da época. Marshall Bruce Mathers III, o rapper mais conhecido como Eminem, era um dos músicos mais populares do mundo, e em novembro de 2002, faria sua estreia no cinema com 8 Mile - Rua das ilusões, um drama musical semi-autobiográfico, que não só foi sucesso de crítica e público, como rendeu a Eminem o Oscar de Melhor Canção Original, por Lose Yourself, deixando filmes como Gangues de Nova Iorque, Chicago e Frida para trás.

Tony Scott, por sua vez, era um diretor consagrado, tendo no currículo filmes como Top Gun, Maré Vermelha, Dias de Trovão, Fome de Viver, Inimigo do Estado e Jogo de Espiões, na época, seu trabalho mais recente.

É possível que Sam Houser tenha achado os US$ 5 milhões pelo licenciamento de sua marca uma piada de mau gosto, ainda mais porque GTA III fechou 2001 como o game mais vendido do ano, e ficaria com a medalha de prata no ano seguinte, atrás de... Grand Theft Auto: Vice City.

GTA > Hollywood

Na entrevista, Kirk Ewing acrescentou que a partir daquele contato mal sucedido de Hollywood, a Rockstar Games se removeu de todas as conversas e negociações sobre adaptar GTA para outras mídias; os irmãos Houser teriam se dado conta que possuíam um produto mais poderoso do que qualquer filme, série de TV, animação, etc.

Com o salto gráfico entre GTA II e GTA III, tendo deixado a visão de cima para adotar cenários em 3D, o game estabeleceu um conceito de "simulador de vida bandida", no que o jogador, na pele dos protagonistas (mesmo não sendo customizáveis, ainda), poderia interagir com o cenário, NPCs e diversos elementos da maneira que quisesse.

Com os títulos mais recentes, com GTA V sendo hoje a vaca-leiteira da Rockstar (9 anos de lançado, atravessou três gerações de consoles, e ainda vende a rodo), os desenvolvedores puderam trabalhar formas de exploração que permitem ao público não apenas cumprir as missões, mas curtir o ambiente, assistir programas de TV fictícios, jogar mini-games, enfim, fazerem o que lhes der na telha.

Talvez por isso, a Rockstar sempre ignorou a possibilidade de levar Grand Theft Auto para a tela grande, ou mesmo a pequena, o que levou a produtora a entrar em atritos com a BBC. Em 2015, a emissora britânica produziu o telefilme The Gamechangers, que aborda o fenômeno cultural que foi GTA no início dos anos 2000, e como ele atraiu a atenção da mídia contra ele, pela suposta glorificação à violência e à vida criminosa.

O filme conta com Daniel Radcliffe como Sam Houser, e com o eterno bucha de canhão Bill Paxton (1955 – 2017) como o folclórico ex-advogado oportunista Jack Thompson, que dedicou sua carreira a relacionar os videogames a tudo o que existe de ruim no mundo.

Quando o filme foi anunciado, a Rockstar entrou com uma ação contra a BBC, alegando infração de direitos autorais, no que a desenvolvedora não teria sido consultada para a produção, em uma tentativa de barrar sua exibição. Não deu certo.

Hoje, é difícil argumentar contra a ideia de que GTA não precisa de adaptações em outras mídias, dado o tamanho que a franquia assumiu ao longo das últimas duas décadas. Hoje, Sam Houser permanece como presidente da Rockstar Games, enquanto seu irmão Dan, roteirista de GTA III e posteriores, saiu da desenvolvedora em 2020.

Por outro lado, as mudanças recentes no estúdio, que teriam sido viabilizadas pela matriz Take-Two, teriam exterminado a cultura interna de "clube do Bolinha", no que pessoas próximas apontam que se refletirá em GTA VI. Este, cujo lançamento não tem data, contaria com um tom menos agressivo em relação a minorias e grupos marginalizados, além de trazer a primeira protagonista feminina da série, em uma vibe estilo Bonnie & Clyde.

Dependendo de como a recepção do próximo GTA se der, se considerarmos a atual administração da Rockstar, influenciada por acontecimentos recentes (violência policial, George Floyd) e a não mais tolerância a quem faz piada com minorias, um resultado fraco em relação a Grand Theft Auto V poderia, sim, levar o estúdio (e a Take-Two) a reconsiderarem uma versão para cinema.

Infelizmente os envolvidos teriam que procurar outro diretor, já que Tony Scott faleceu em 2012; além disso, talvez Eminem não fosse hoje a primeira escolha para um protagonista.

Fonte: Eurogamer