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Cygnus – A cápsula que capota mas não breca

Uma cápsula Cygnus levando suprimentos para a ISS sofreu alguns contratempos, incluindo uma cambalhota. Acontece

1 ano atrás

A cápsula Cygnus é uma das opções da NASA para enviar suprimentos para a Estação Espacial. Além dela, temos o HTV japonês, a Progress russa, a Dragon e, futuramente, quem sabe, talvez o DreamChaser.

Alguns dizem que a cápsula Cygnus parece uma lata de lixo. Isso é calúnia, ela só vira lata de lixo no final da missão, quando queima na atmosfera com o lixo da ISS (Crédito: NASA)

Hoje os EUA controlam duas dessas cápsulas, a Dragon e a Cygnus, e de todas elas, somente a Dragon tem capacidade de reutilização, podendo trazer de volta para a Terra experimentos e materiais. (de novo: O DreamChaser primeiro precisa voar)

Construída pela Northrop Grumman, a Cygnus não é barata – Dependendo de onde você pergunte, cada uma pode custar US$237 milhões, mas ao menos ela é confiável. Ou pelo menos, resistente.

Claro, acidentes acontecem. Em 2015 a missão CRS-3 terminou de forma catastroficamente espetacular, quando um foguete Antares levando uma cápsula Cygnus explodiu de forma michaelbayana alguns segundos após a decolagem.

De lá para cá ela tem se comportado, ao menos, até a 19.ª missão, a NG-18, dia 7 de novembro de 2022. Spoilers: Entre mortos e feridos salvaram-se todos, os astronautas receberam seu suprimento de roupas de baixo, sorvetes e experimentos científicos, mas dessa vez foi... com emoção.

Na chegada à Estação Espacial Internacional, um dos LIDARes da Cygnus deu defeito. O LIDAR é, em termos simples, um radar a laser, que escaneia a região à sua frente. Ele é usado para identificar com precisão a posição e a distância da cápsula em relação á estação espacial.

Salvou-lhe a boa e velha redundância. Outro sistema assumiu, mas a NASA nem tinha certeza de que iria liberar a Cygnus para atracar. O motivo? Nessa missão zicada um dos painéis solares, que se abrem como elegantes pétalas, travou e não abriu nem com reza braba.

Painéis solares são componentes que costumam dar problema, em 2014 a Soyuz TMA-14M levando três tripulantes para a Estação Espacial sofreu uma pane e somente um de seus painéis solares abriu.

Chegar, chegou (Crédito: NASA)

Nesses casos trabalha-se reduzindo o consumo dos sistemas internos, desligando equipamentos não-essenciais, e calcula-se a capacidade de carga do painel remanescente, incluindo a cara inicial das baterias.

Lançada em outubro de 2021, a sonda Lucy também teve problemas, um de seus enormes painéis solares não abriu totalmente, e não estava gerando energia suficiente.

Depois de muito diagnóstico, os engenheiros determinaram que um dos cabos estava embolado na carretilha. Sim, esses modernos painéis são montados com cabos, molas e motores, e como todo equipamento com partes móveis, dão problema.

Um dos painéis solares da Lucy. É grandinho (Crédito: NASA)

Foram meses pesquisando soluções, montando simulações e construindo réplicas. No final a NASA decidiu usar a complexa e altamente científica técnica de dar um puxão com força; o motor que puxava o cabo foi acionado junto com o motor de backup (olha a redundância aí de novo) e ambos desengastalharam o cabo, o painel abriu 357 graus, dos 360 ideais. Nada mal, para um conserto feito a milhões de km de distância.

No caso da Cygnus, não havia tempo nem necessidade de tentar forçar a abertura do painel. O temor da NASA era que durante a atracagem, o painel se ativasse e começasse a se montar sozinho, o que poderia causar algum desequilíbrio na cápsula. Alguns cálculos depois, viram que não tinha problema, e a atracagem foi liberada.

Agora, a causa. Por enquanto ninguém sabe, mas suspeita-se que talvez acelerações fora de eixo tenham entortado alguma peça do painel. E de onde vieram essas acelerações?

A cápsula Cygnus é lançada de um foguete Antares 230+. São 42,5 m de altura, 298 toneladas, capaz de colocar 8 mil kg em órbita baixa. No caso da Cygnus, fora a massa da cápsula, são 3,7 toneladas de suprimentos.

O Antares é bem grandinho também (Crédito: NASA/Patrick Black)

O Antares é complementado por um segundo estágio Castor XL, com 6 m de comprimento, 2,3 m de diâmetro e pesando 25 toneladas.

O diferencial é que o Castor XL é um motor de combustível sólido, ao contrário do booster principal do Antares, que usa a mistura convencional de querosene e oxigênio líquido.

A desvantagem é que motor de combustível sólido, após ligado, vai queimar até o fim do combustível, e não dá pra controlar a potência. Por isso, assim como as do Chapolim, as manobras do Castor são friamente calculadas.

Imagine que você tem que atravessar um riacho, há pedras no meio do caminho, você consegue pular da margem pra uma pedra, depois outra, até chegar ao outro lado. Agora imagine que você tem que pular vários dias, carregando uma mochila com mais ou menos peso. O nível do rio muda, então as pedras estão em posições diferentes. E a margem oposta está se movendo a 28000 km/h.

Um Castor 30XL sendo testado (Crédito: Northrop-Grumman)

O computador do Castor tem que calcular como chegar nas posições pré-determinadas, de acordo com sua massa, posição, massa da carga útil e tempo da queima do combustível.

Isso já está bem dominado, mas neste lançamento descobrimos que o pessoal da Northrop-Grumman também trabalha com... wait for it... redundância.

Logo após a separação do 1º estágio, o segundo começou a girar, ficando mais de 90 graus fora de eixo. Isso pode ter sido por alguma válvula presa, algum contado durante a separação, micrometeoritos, aliens, tanto faz.

O software prosseguiu com a separação da carenagem, em seguida a proteção interestágios (que deve ter algum nome besta em português que só o @spacetoday1 conhece, provavelmente a nomenclatura oficial é “anágua”) foi liberada.

A manobra deixou o pessoal do NASASpaceflight coçando a cabeça, mas os canais oficiais não comentaram nada. O que vimos foi o Castor acionar os jatos de manobra, para em seguida ligar o motor principal, mesmo em posição quase retrógrada, perder velocidade momentaneamente, mas usar o gimbal do motor para realinhar a trajetória e continuar com a missão.

Em fogueteria tudo é ensaiado e panejado. Quando algo sai da rotina, em geral, é sinal de que alguma coisa não está bem, então idealmente missões devem ser burocráticas, calmas e seguindo todas as regras.

Existem mais cinco missões da cápsula Cygnus planejadas, incluindo três voando no Falcon 9, já que o Antares 230+ usa os excelentes motores RD-181 Made in Rússia, e digamos que Putin não está disposto a continuar fornecendo motores para os americanos. Em teoria, a Firefly está construindo um novo primeiro estágio, com motores feitos nos Estados Unidos, e ele voará no segundo semestre de 2024. Até lá a SpaceX mandará a Cygnus para o espaço. No bom sentido, de preferência sem emoção.

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