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A tecnologia que usou o Trackmania para melhorar a vida de cegos

Para desenvolver um cinto háptico que pretende facilitar a mobilidade de pessoas cegas, uma empresa francesa recorreu a jogos como o Minecraft e Trackmania

1 ano e meio atrás

Quando um grupo de pesquisadores franceses se dispuseram a criar um equipamento para ajudar pessoas com deficiência visual, poucos poderiam imaginar que os videogames poderiam ter um papel importante no processo. Porém, títulos como Minecraft e Trackmania tem acelerado muito tanto o desenvolvimento da tecnologia, quanto o aprendizado dos usuários.

Trackmania

Crédito: Divulgação/Ubisoft

Criada em 2018, a Artha France é uma organização cujo objetivo era criar um cinto háptico que, com a ajuda de sensores 3D, informaria o usuário dos obstáculos que surgissem no seu caminho. Resumidamente, as pequenas vibrações realizadas na região lombar funcionariam como a bengala que os cegos utilizam diariamente.

Vindas de uma câmera localizada em óculos especiais ou de um computador, segundo os criadores, as informações são “interpretadas naturalmente, seja [o usuário] cego de nascença ou não.” Eles ainda afirmam que “o sistema se adapta a cada usuário e seu nível de controle do dispositivo. Funcionando em ambientes internos ou externos, seja em meio à natureza ou nos corredores do metrô no horário de pico.”

Com o conceito elaborado, o grupo desenvolveu um protótipo mecânico e depois um eletrônico, mas testar a ideia poderia ser algo perigoso. A solução então foi recorrer a um ambiente controlado e nada melhor do que mundos virtuais para fazer isso.

Utilizando o Minecraft, eles passaram a colocar os voluntários para encarar labirintos gerados aleatoriamente. Dessa forma as pessoas podiam testar a movimentação e a orientação, num processo que exigia cerca de 20 horas de treinamento.

Crédito: Divulgação/Mojang

Aproximadamente um ano após essa “fase virtual”, o pessoal da Artha France decidiu levar a sua criação para as ruas e lá se depararam com um grande problema. Com a resposta tátil sendo passada através de uma pulseira, era difícil informar precisamente as direções e após uma conversa com fisioterapeutas, os pesquisadores receberam a sugestão de um cinto que atuasse na região da coluna lombar.

Embora inicialmente a proposta tenha parecido absurda, já que essa região do corpo não está acostumada a receber esse tipo de informação, eles perceberam que tudo não passava de nos habituarmos. E ao contrário do que acontecia antes, dessa forma o usuário precisaria de apenas duas horas de treino para conseguir entender os comandos.

O grande problema então passou a ser a questão da velocidade, com aqueles que utilizavam o equipamento se movendo muito lentamente. Então, a saída encontrada por eles foi adotar outro videogame, o Trackmania. Por se tratar de um jogo de corrida, seria possível melhorar a reação e a percepção de distância. Contudo, a implementação não foi simples.

Inicialmente, fazer com que um jogador cego conseguisse guiar um carro no Trackmania numa velocidade de 130 km/h exigia cerca de seis horas de treino. Após muitos aperfeiçoamentos, hoje eles conseguem um resultado semelhante, mas com o usuário precisando passar por apenas uma hora de aprendizado.

A partir daquele momento, a pergunta que a equipe da Artha France passou a se fazer foi: se uma pessoa cega pode dirigir um carro no Trackmania, ela poderia fazer o mesmo com um automóvel real? Pois em março de 2022 eles começaram a realizar testes neste sentido e novamente o resultado foi positivo.

De acordo com um levantamento realizado pelo French Vision Institute, das 13 pessoas que testaram essa tecnologia, dez afirmaram ter notado um ganho de mobilidade. Talvez o mais impressionante tenha sido eles terem precisado de apenas dez minutos para se acostumarem ao cinto e que com apenas poucas horas de treino já conseguiam andar na velocidade que queriam.

Agora o objetivo da equipe é aperfeiçoar o equipamento, fazendo, por exemplo, com que o campo de visão seja reduzido ou foque num determinado objeto quando o usuário estiver se movendo em velocidades maiores.

Mesmo com o Trackmania ou o Minecraft não tendo sido criados com esse objetivo, é muito interessante notar como os videogames podem servir para muito mais do que apenas nos divertir. Se não fosse pela existência desses jogos e a sensibilidade dos pesquisadores em utilizá-los, o quão atrasada ainda poderia estar a criação desse cinto háptico?

E apesar de uma coisa talvez não ter muita ligação com outra, espero que a iniciativa da Artha France faça com que vários desenvolvedores percebam como a questão da acessibilidade nos jogos é algo que merece uma maior atenção. Sim, nos últimos anos vimos várias empresas se dedicarem com mais afinco a isso, mas esse é um problema que infelizmente ainda é bastante comum.

Da falta de opções de configurações para daltônicos até a simples mudança no tamanho das legendas, é comum vermos títulos que não fazem o menor esforço para atender pessoas com algum tipo de problema de visão. O pior é já ter lido pessoas defenderem que isso é um gasto desnecessário, que beneficia apenas um pequeno grupo e que seria melhor os estúdios gastarem tempo e dinheiro para tornar suas criações melhores.

Falta de empatia a parte, fico muito feliz ao ver empresas como a QUByte Interactive afirmarem que tornar seus jogos mais acessíveis não é gasto, mas investimento, pois assim eles podem levar suas obras ao maior número possível de pessoas. Tomara que um dia essa seja a postura padrão na indústria.

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