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Resenha: He-Man e os Mestres do Universo: salvando Eternia

He-Man voltou, pela 4ª vez mas voltou, dessa vez em uma versão mais adulta mais moderna e mais polêmica, do jeito que Kevin Smith gosta

3 anos atrás

He-Man é a nova série animada da Netflix, uma releitura moderna e mais adulta da série que foi um fenômeno dos Anos 80, capitaneada por Kevin Smith. As reações estão um tanto extremas, mas para entendê-las, antes da resenha precisamos contextualizar o que foi He-Man.

Queriam He-Man sem He-Man? Não tá bom assim? (Crédito: Netflix)

Os Anos 80 foram bem férteis em termos de desenhos animados, e brinquedos associados a eles. Os fabricantes de brinquedos estavam bem felizes, mas era um mercado competitivo, crianças perdiam interesse rápido e novas linhas tinham que ser criadas.

A Mattel vivia muito bem, a Barbie era uma fábrica de dinheiro, mas a empresa percebeu que não tinha nada no segmento de meninos de 5 a 12 anos, mais ou menos. Para piorar, eles tinham acabado de rejeitar uma proposta para fabricarem bonecos de um filminho de ficção e aventura, um tal de Guerra nas Estrelas.

Na esteira de Star Wars, um monte de filmes no estilo foram produzidos, e todos cobravam fortunas de licenciamento. A Mattel era esperta o bastante pra não topar esses acordos, e decidiu ela mesma desenvolver uma linha de personagens.

Fizeram um monte de pesquisas de Marketing, e descobriram algo que qualquer criança sabia: Meninos entre 9 e 13 anos não tinham exatamente uma abundância de poder de decisão sobre suas vidas. Os pais diziam que horas eles iam dormir, que horas acordavam, quando podiam brincar, quando podiam ver TV, e até o que iriam almoçar.

Esses meninos quando brincavam gostavam de imaginar personagens poderosos, que não recebiam ordens de ninguém. Poder, Força era a base desses personagens.

Com esse conceito em mente, os artistas da Mattel começaram a desenhar personagens no estilo Conan, mas mais exagerados ainda. Chegaram a um visual de bárbaro, com um machado e tanga de pele, e o nome He-Man surgiu para coroar o personagem.

O primeiro He-Man era um Conan Louro, isso rendeu até processo. (Crédito: Mattel)

Nessa fase a produção era 100% focada no visual, eram criados os personagens do Bem, os personagens do Mal, mas não havia nenhuma história, nenhum background. A necessidade disso surgiu quando a Mattel apresentou os bonecos para um de seus clientes, que perguntou como as crianças iriam aprender a mitologia por trás dos personagens.

Um dos executivos da Mattel inventou na hora: “Nós não falamos? Cada boneco vai vir com um gibi, grátis, contando uma história do Universo He-Man”.

Daí foi a correria pra produzirem, junto com a Marvel, os gibis. Só que quando tentaram vender para a Toy’R’Us a mesma bulshitagem, não colou. Os executivos da franquia lembraram que crianças de 5 anos não são conhecidas por suas exímias habilidades de leitura.

O pessoal da Mattel jogou o vaporware no 11 e falou que estavam produzindo dois filmes para a TV de 1h, com as aventuras do He-Man.

Aí o jeito foi correr atrás, e crianças, como deu certo.

A Filmation, produtora de boa parte de tudo animado que foi ao ar na TV dos Anos 80/90 transformou He-Man de uma espécie de kibe do Conan em um personagem simpático, bonzinho sem ser bobão e com um dos melhores vilões de todos os tempos, ao menos visualmente falando. Poucos superam o Esqueleto.

Os resultados foram imediatos. A Mattel projetou lucros de US$13 milhões no primeiro ano de lançamento de He-Man. Faturaram US$35 milhões. Nos anos seguintes atingiram um pico de US$400 milhões por ano, o que equivale a pouco mais de US$1 bilhão, em valores de 2021. He-Man deixou a Barbie na poeira.

Agora com um tiquinho mais de roupa (Crédito: Mattel)

He-Man era quase uma religião, as crianças corriam para a frente da TV nas manhãs de sábado (ou todo dia, no Brasil) e assistiam a um herói que era o Homem Mais Poderoso do Universo, mas que também era cheio de mensagens de paz e harmonia, só recorrendo à violência como último recurso.

He-Man sempre terminava com uma liçãozinha de moral, no melhor estilo GI-Joe, e os pais adoravam. Aliás, todo mundo adorava, inclusive o Trem da Alegria e a Xuxa, que faturaram uma baba com músicas sobre He-Man e She-Ra.

She-Ra aliás é um caso à parte, ela surgiu por puro ciúme da direção (feminina) da Mattel, que estava ofuscada pelo sucesso de He-Man. O mais curioso não é nem o fato dos meninos não estarem nem aí, e adotarem a She-Ra com entusiasmo. O divertido é que 20% do público de He-Man, era de meninas.

Infelizmente a ganância da Mattel inundou o mercado de bonecos terciários, a garotada queria um He-Man e só achava um Stinko, e acabaram perdendo o interesse. As vendas caíram vertiginosamente, e He-Man acabou cancelado como linha de brinquedos e desenho.

Mesmo assim a Mattel achou que poderia ressuscitar He-Man, e em 1990 lançou um novo desenho, com 65 episódios e uma linha de bonecos, As Novas Aventuras de He-Man, com uma estranha premissa de He-Man no futuro (e no espaço, obviamente) sem camisa e usando uma calça de lycra.

Não deu muito certo, apesar da estética meio anime.

O baque fez a Mattel esperar até 2002 para lançar um He-Man radical e moderno, He-Man e os Mestres do Universo, que foi quase um remake da série original, com animação excelente, mas não era o que as crianças queriam. Em 2002 a moda era Jimmy Neutron, Kim Possible, Clone High, não um sujeito seminu de tanga de pele brandindo uma espada que crescia quando ele se animava (sério).

Depois de duas temporadas e 39 episódios, He-Man foi cancelado de novo, junto com o pacote de brinquedos e gibis.

Chegamos em 2021, aonde a Netflix aprova qualquer coisa e todo mundo está desesperadamente atrás de conteúdo. A Mattel vê nisso uma chance de revitalizar o He-Man, mas não mais com foco nos garotos de 5 a 12 anos, mas nos pais e avós desses garotos, na geração que cresceu vendo He-Man e quer ter suas memórias afagadas, não com um He-Man que também cresceu, ficou mais sábio, mais maduro.

E nada melhor para isso do que botar o projeto na mão de um crianção, Kevin Smith.

Crianção, claro, com todo o carinho do mundo. Kevin Smith é um nerd de raiz, um sujeito que com muita honra chora vendo trailers de filmes de heróis, e consegue ainda se maravilhar de ver na tela grande (e agora na pequena) todos os personagens que amamos na infância, e nunca esperávamos ver com a qualidade e o respeito que merecem.

Ninguém que cresceu com os painéis de Jack Kirby, Frank Miller, Alex Ross, John Romita Jr e tantos outros consegue ficar impassível diante da gloriosa cena dos Portais em Endgame.

Kevin Smith entende a criança dentro dos fãs, ele sabe que há uma enorme diferença entre fazer uma história mais adulta e uma versão dark e soturna estilo Zack Snyder, aonde ninguém é feliz e o Homem Mais Poderoso da Terra anda o tempo todo com cara de bunda e chora se alguém falar “Martha!”

He-Man – A Resenha (finalmente)

Em Mestres do Universo – Salvando Eternia, começamos quase como uma continuação da série original, e é uma jogada quase enxadrística de Kevin Smith para fazer os velhos fãs se sentirem em casa. Pacato está com medo de fogos de artifício, Gorpo faz caquinha, Tila é elogiada pela Rainha e pelo Mentor, e o mané do Adam está atrasado pra cerimônia que homenageará sua amiga.

A grande mudança é que Tila vai ganhar o título de Mentora, mas um ataque de Esqueleto ao Castelo Grayskull coloca a Feiticeira em perigo. As tropas de Eternia vão em sua defesa, Adam disfarça, sai de vista e se transforma em He-Man.

A Tila de vez em quando dá uma prensa no frangote (Crédito: Netflix)

Durante a briga He-Man faz o que a gente sempre quis que ele fizesse: Enfia a espada na barriga do Esqueleto, mas é um subterfúgio. A espada é a chave pros maiores segredos do Castelo, agora sob controle do Esqueleto. Ele destrói um orbe que contém toda a magia usada para criar Eternia e o resto do Universo.

A Feiticeira congela o tempo enquanto tentam achar a solução. He-Man sugere invocar os Poderes de Grayskull segurando a Espada do Poder, a Feiticeira diz que isso pode funcionar mas ele irá morrer.

He-Man absorve as energias do Orbe, a Espada do Poder se separa em duas (isso remonta aos quadrinhos originais, antes mesmo da mitologia atual da primeira série ser escrita).

Revertido à forma de Príncipe Adam, He-Man fica vulnerável. Esqueleto segura uma das metades da Espada do Poder, uma explosão ocorre e ambos são desintegrados.

Aqui a coisa degringola totalmente. He-Man viram uma distopia.

O Rei Randor fica FURIOSO quando Mentor conta que Adam e He-Man eram a mesma pessoa. Ele culpa Mentor por não ter cuidado de seu filho, ele é banido do reino, e sob pena de morte nunca mais pode criar armas ou tecnologia.

Tila por sua vez está subindo nas tamancas, ela era a melhor amiga de Adam, e não aceita que ele não tenha contado a ele seu segredo, mesmo tendo lutado juntos tantas vezes. E ela estende a traição para Gorpo, Pacato e Mentor, seu pai adotivo. Tila pede as contas e vai embora também.

No segundo episódio o que estava ruim agora piorou. Sem a magia de Grayskull, Eternia está definhando. As criaturas mágicas estão morrendo, incluindo o Gorpo. Tila é uma mercenária que acaba se aliando a uma antiga inimiga, a Maligna, para tentar salvar a magia de Eternia, embarcando em uma jornada literalmente do céu ao inferno, onde descobrem que os mortos não estão tão mortos assim.

He-Man terá dez episódios de mais ou menos 25 minutos cada. A Netflix passou a primeira metade da Temporada, que termina em um cliffhanger maravilhoso, mesmo que sendo uma referência à mini-série em quadrinhos He-Man vs Thundercats, de 2017. Não, não aparecem Thundercats, calma.

A Parte Adulta

He-Man tinha muito de qualquer desenho de sua época; não havia conseqüências. Tudo que acontecia no episódio era zerado na semana seguinte. Ninguém morria, nada de importante era destruído, e o ciclo se perpetuava.

Na versão de 2021 He-Man mata o Esqueleto depois que ele incinera o Monstro do Pântano Homem-Musgo, dando a entender que mortes são importantes naquele Universo. Há vários sacrifícios no meio do caminho, e melhor que redenção, temos personagens do mal com motivações reais e capazes de reconhecer e estimular a grandeza alheia.

Como toda obra do Kevin Smith, vemos personagens conversando, e adicionando à Mitologia.

As Mudanças

O He-Man original foi feito com orçamento de conserto de geladeira, então todos os homens tinham o mesmo corpo, assim como as mulheres, que eram desenhadas estilo Barbie pra aproveitar os moldes que a Mattel já tinha prontos.

O Príncipe Adam era incrivelmente bombado, a única diferença dele pro He-Man era o bronzeado artificial estilo Trump. Ele tirava a camisa, vestia o escudo do Vasco, trocava a tanga de pele roxa por uma não-tingida, e tirava a meia-calça púrpura.

Sim. Gorpo enfrentando o Esqueleto. #Respect (Crédito: Netflix)

O novo Adam é um moleque franzino, bem mais plausível que ninguém ache que ele era o He-Man.

Claro, de todas as mudanças a melhor foi o Gorpo. Ele era meio Jar-Jar, a gente adorava odiar o Gorpo, ele era basicamente inútil. Nessa nova versão ele ainda é enrolado, mas capaz de gestos de coragem extrema, e conseguiu enfrentar a Maligna!

A Série é da Tila?

Não. Ela é o fio condutor da primeira parte da temporada, mas há episódios do Gorpo e da Maligna, do Mentor e até do Adam. Vem muita coisa por aí ainda. Tila é a escolha natural do ponto de vista da dramaturgia, ela é quem mais rejeita Eternia do jeito que era, quem mais se ressente com Adam, com o Rei, Mentor e todo mundo. E ela é quem tem que salvar o mundo e voltar tudo ao que era.

Ela é a Capitã da Guarda desde 1983, querem que fique pra trás? (Crédito: Netflix)

He-Man é lacração?

Eu diria que sim. He-Man é uma série bem lacradora, caprichada na diversidade, cheia de moralzinha provendo aceitação e alertando contra preconceitos. Alguns exemplos:

Em um episódio o Esqueleto consegue capturar o Rei, He-Man, Mentor, Gorpo, Tila, quase todo mundo. Ele exige que o Palácio Real se renda. As tropas estão confusas, não há ninguém para liderar o ataque. Isso é comunicado à Rainha Marlena. Marlena Glenn, descendente de John Glenn.

Marlena era uma das melhores astronautas da NASA, exímia piloto, que por um acidente foi parar em Eternia e se apaixonou pelo Rei Randor. Marlena assume o comando de sua antiga nave, e demonstrando extrema habilidade lidera as tropas e derrota as forças do Esqueleto, impressionando até a Tila, que nunca havia visto pilotagem como aquela.

Também temos o episódio aonde Tila tem que salvar o dia, se passando pela Feiticeira, enfrentando e superando seus medos.

Isso mesmo, crianças. A Tila teve VÁRIOS episódios como protagonista, apesar de sua voz de Barbie feita por Linda Gary, a Tara Strong da época (ela também fazia a Maligna, a Rainha Marlena, a Feiticeira e outros personagens eventuais) Tila chutava bundas. Sempre chutou.

He-Man é "lacração" desde o começo dos Anos 80, He-Man é lacração desde antes do desenho existir. Veja um dos quadrinhos dos mini-gibis distribuídos junto com os bonecos, nas lojas de brinquedo:

Tila Loura... quase uma Ti-Ra (Crédito: Mattel)

Tila era chamada de Deusa-Guerreira, esse era o título oficial nas embalagens dos bonec-digo action figures dela. Ela sempre chutou bundas, colocar a Tila chutando bundas agora é no máximo... normal.

Esqueça o que nerds histéricos estão falando por aí. He-Man tem zero "lacração". Acredite, eu sou o primeiro a reclamar quando pegam uma propriedade intelectual consagrada e usam pra promover agendas, mas He-Man não é isso:

Argh (Crédito: Cartoon Network)

O novo He-Man também não é isto:

Argh 2 (Crédito: Netflix)

O novo He-Man não é uma versão criada para agradar as novas gerações. Sejamos honestos, os floquinhos zoomers não se sentem bem com tanta violência e músculos expostos. O novo He-Man é, sim, feito pra quem viu o antigo e quer mais do que um remake.

Ele não é feito para as novas gerações, nem para as velhas gerações que vivem com medo de se tornar obsoletas. Ele é feito para quem amava He-Man, Tila, Esqueleto, Marlena, Gorpo, Drielle, a Feiticeira, Granamir, Aquático, Maligna, She-Ra e até a inútil da Cintilante.

O novo He-Man é isto (Crédito: Netflix)

Conclusão:

He-Man é uma animação adulta, para adultos que conseguem ver desenhos sem fazer pirraça. De resto, Kevin Smith resumiu a polêmica:

“Eu vejo as pessoas online dizerem ‘Ei cara, eles estão se livrando do He-Man!'. Tipo, você realmente acha que a Mattel Television, que me contratou e me pagou, quer fazer um fucking de um programa 'Masters of the Universe' sem He-Man? Grow the fuck up, man.

Cotação:

4,5 de 5 Geninhos, meio ponto retirado por Bear McCreary tem composto uma excelente trilha mas não mantido o tema original na hora da transformação.

Onde Assistir He-Man:

Mestres do Universo: Salvando Eternia está passando na Netflix, dublado e legendado. São 5 episódios, a 1ª metade da 1ª Temporada.

Trailer:

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