Ronaldo Gogoni 2 anos atrás
Dois dias após o Twitter deletar uma postagem do presidente da Nigéria Muhammadu Buhari, no que foi entendido como uma ameaça de uma nova guerra civil contra separatistas da região sul do país, o governo suspendeu as atividades locais do app. Quem for pego tuitando poderá ser preso e processado.
Segundo o Ministério da Informação nigeriano, o Twitter tem "padrões duplos" e a operação do app "suporta atividades capazes de comprometer a existência corporativa" do país.
A ordem de processar e prender cidadãos que forem flagrados usando o Twitter partiu do ministro da Justiça Abubakar Malami, que também é o procurador-geral da Nigéria. O bloqueio da rede social foi aplicado na última sexta-feira (4), dois dias depois que a plataforma apagou um tweet do presidente Buhari, em resposta a manifestações de cunho separatista por parte de membros do grupo étnico ibo (ou igbo), que se concentram na região sul da Nigéria.
A mensagem fazia menção indireta a um dos capítulos mais trágicos da história da África, a Guerra do Biafra, ou Guerra Civil da Nigéria. Entre julho de 1967 e janeiro de 1970, o país travou um conflito contra a região majoritariamente povoada por igbos (o 3º maior grupo étnico do país, que responde por 15,2% da população, dados de 2020) que havia declarado independência, como a República do Biafra. De modo a sufocar a rebelião, as tropas nigerianas impuseram um bloqueio continental e costeiro à região, onde nada podia entrar, nem suprimentos de emergência.
O conflito acabou com a supressão dos separatistas e o fim da República do Biafra. Entre 500 mil e 2 milhões de igbos morreram de fome e inanição, como consequência do bloqueio nigeriano, o que é considerado uma das maiores catástrofes humanitárias do século XX.
Corta para 2021: a região do Biafra ainda abriga movimentos de cunho separatista, algo que Buhari não pretende tolerar. No Twitter, o presidente publicou uma mensagem que muita gente entendeu como uma ameaça, a possibilidade de repetir o que aconteceu a mais de 50 anos:
"Muitos dos que estão se comportando mal hoje são jovens demais para terem noção da destruição e perda de vidas durante a Guerra Civil da Nigéria. Aqueles que passaram 30 meses nos campos, e que lutaram na guerra, irão tratar estes (os possíveis separatistas) na língua que eles (os que lutaram do lado nigeriano) entendem."
O texto é uma referência ao passado militar de Buhari, que serviu como major de brigada nigeriano durante a guerra civil. Para opositores do governo, o presidente deixou claro que qualquer nova tentativa de separar a região do Biafra da Nigéria será tratada como um ato de guerra, sob a ameaça de repetir novamente todo o horror da primeira guerra civil.
A cúpula do Twitter também não gostou do tom de Buhari e exterminou a postagem, classificando-a como uma infração no que tange a conteúdo abusivo e propagação de ódio. Na sexta-feira, a rede social foi banida pelo governo, embora não haja a afirmação oficial de que foi uma resposta à deleção do tweet do presidente (todo mundo sabe que foi, de qualquer forma).
O bloqueio da rede social foi anunciado através do Twitter (ah, a ironia...), pela conta do Ministério da Informação e Cultura da Nigéria, apenas dois dias após o tweet de Nuhari ter sido apagado. Dois dias antes, durante uma conferência, o ministro Lai Mohammed havia criticado o Twitter, dizendo que a rede social praticava o "dois pesos, duas medidas" e questionou a real intenção da plataforma em operar no país, levantando a possibilidade de que a empresa de Jack Dorsey seria pró-Biafra.
Entre 500 mil e 2 milhões de civis igbos da região do Biafra morreram de fome e inanição durante a Guerra Civil da Nigéria (Crédito: Romano Cagnoni/Hulton Archive/Getty Images)
A ordem de desabilitar o Twitter na Nigéria foi repassada para as operadoras de internet e telefonia locais, que são obrigadas a cumprir a solicitação. Já no sábado (5), o Ministério da Justiça endossou a aplicação da lei federal que proíbe o uso da rede social em território nacional, assim, quem tentar tuitar usando VPNs ou outros meios poderá ir em cana e processado.
Segundo o Dr. Umar Jibrilu Gwandu, porta-voz do ministério, a lei será aplicada tanto para civis quanto para empresas, e que "nenhuma liberdade (no caso, de expressão) é absoluta", como forma de justificar o banimento.
Em nota, o Twitter manifestou estar "profundamente preocupado" com o bloqueio de seus serviços na Nigéria, e que uma internet livre é "um direito humano essencial" na sociedade moderna. A empresa está buscando formas de voltar ao ar na região, mas não esclareceu se o fará de forma legal, dialogando com o governo nigeriano, ou se usará meios alternativos para tal fim.
Fonte: CNN