Carlos Cardoso 2 anos atrás
18 de Fevereiro de 2021, a missao Marte 2020, depois de mais ou menos seis meses chega a marte e dá início ao que a NASA chama de Sete Minutos de Terror, culminando em um pouso perfeito da Perseverance, tornando Marte mais internacional ainda.
Frame de video em alta resolução mostrando a Perseverance sendo baixada do trenó-foguete (Crédito; NASA)
Foi a segunda vez na História que a manobra de pouso foi tentada. Não que faltem alternativas, a NASA já pousou sondas em Marte usando paraquedas, e até um conjunto de balões aonde a sonda saiu quicando até parar, mas com uma tonelada de peso final, o robô Perseverance era grande demais, então o jeito foi apelar.
Primeiro, na aproximação final do planeta o módulo de propulsão é separado do módulo de pouco, composto de um escudo de calor e uma capa protetora. Entrando na atmosfera marciana a 18000km/h, propulsores estabilizam e direcionam a sonda para a área de pouso.
Quando não é mais necessário, o escudo de calor é alijado. A Perseverance pela primeira vez enxerga o solo, enquanto altímetros-radares confirmam a altitude e velocidade comparando com os modelos matemáticos projetados, e ajustam o curso.
Um paraquedas transônico é acionado, diminuindo ainda mais a velocidade do conjunto. As câmeras do sistema EDL (entry, Descent and Landing) alimentam o subsistema de Inteligência Artificial que varre a área de pouso à procura de um ponto limpo, plano e sem ledras.
Quando se aproximam do solo, a mais ou menos 2Km de altitude, a Perseverance está a 250Km/h, ainda rápido demais. Nesse momento a capa protetora e o paraquedas se separam, a Perseverance agora está presa a um trenó-foguete, que desce de forma controlada até uns 10m de altitude, quando o robô é liberado, preso por vários cabos. O trenó então desce até o robô tocar no solo. Os cabos são liberados e o trenó voa para longe.
Isso é feito para que o Perseverance não seja danificado pelo excesso de detritos levantados pelos jatos dos motores, e ao mesmo tempo evita que o robô tenha que usar motores próprios, que se tornariam peso morto depois do pouso.
Neste momento a Perseverance está na ponta de um link de dados de 200 milhões de Km, o sinal leva 11 minutos para chegar na Terra. A velocidade é de incríveis 500Kbps. A primeira ação é fotografar o solo em volta, a imagem é feita em preto e branco e baixa resolução, para gerar um arquivo pequeno e ser transmitido rapidamente, diminuindo as chances da sonda quebrar durante o processo e não recebermos nada. Sim, já aconteceu.
Claro, a Internet, em sua previsível estupidez, chilicou com os comentários “meu celular tira fotos melhores”, “a NASA não tem câmera colorida?” e outras bobagens, cópia exata dos mesmos comentários idiotas ditos quando a Curiosity mandou sua primeira imagem em baixa resolução, em 2012.
Embora visualmente sejam bem parecidos, os dois robôs possuem propósitos diferentes, e o Perseverance conta com vários upgrades. Ele tem um radar de penetração (ui!) capaz de estudar o solo até 10 metros de profundidade, espectroscópios, um experimento para tentar produzir oxigênio a partir do CO2 da atmosfera marciana, e vários outros equipamentos.
Uma das novidades é um sistema de coleta de amostras, que serão acomodadas em recipientes hermeticamente fechados, soltos pelo caminho e, se tudo der certo, recolhidos em uma missão futura, para serem trazidos para a Terra.
A Missão primária da Perseverance e procurar por vida, ou mais precisamente, provas de que Marte já abrigou vida, e seu local de pouso é ideal para isso. Ela está na cratera Jezero, uma formação com 40Km de diâmetro, que alguns bilhões de anos abrigou um lago.
Para qualquer geologista é claro feito a água que não existe mais: Há todas as indicações, dos pontos de entrada e de saída dos rios até o delta sedimentar.
Se houve vida em algum momento da História de Marte, vão achar resquícios dela na cratera Jezero.
Além de toda a instrumentação científica, o Perseverance está levando também o Ingenuity, um mini-helicóptero que se funcionar será a primeira vez que um equipamento construído pelo Homem irá voar, e não cair com estilo, na atmosfera de outro corpo celeste.
Ele não é essencial para a missão, é quase um caronista, mas como o projeto era barato e havia espaço, foi incluído.
O Ingenuity tem capacidade de vôo autônomo, é recarregado por placas solares e pode voar a uma altura de 5 metros e uma distância de 150 metros. Ele usa um processador Qualcomm Snapdragon 801 a 2.26GHz, e ironicamente é bem mais poderoso que o computador do Perseverance, que usa o mesmo BAE RAD750 da Curiosity, rodando a 133MHz, com 128MB de RAM e 4GB de memória Flash.
Se tudo der certo o helicóptero capturará vídeo em 4K de resolução, com sua câmera frontal de 13 Megapixels. Ah sim, ele roda Linux, realizando o antigo sonho de Steve Balmer de mandar o Linux pro espaço.
Ao contrário dos computadores no Perseverance, o hardware do helicóptero é todo comercial, comum sem nenhuma proteção contra radiação, e um dos objetivos da missão é justamente identificar quanto do risco é real, se realmente a proteção caprichada (e muito cara) dos chips usados pela NASA é necessária.
A cada dois anos abre-se uma janela de lançamento aonde é possível partir da Terra para Marte gastando menos combustível e chegando mais rápido. Quem pode aproveita e faz seus lançamentos. Na última janela foram três missões, a Perseverance, da NASA, a Hope dos Emirados Árabes e a Tianwen-1 chinesa.
A Tianwen-1 é de longe a missão mais ambiciosa.
Em 2011 um orbitador chinês, o Yinghuo-1 iria de carona para Marte com a missão russa Fobos-Grunt, mas como o foguete deu xabu (por não ser fogos Caramuru) nunca conseguiram sair da órbita da Terra, e os planos chineses foram arruinados.
Agora eles usaram o conhecimento acumulado com as missões lunares e planejaram uma missão própria, que vai fazer barba cabelo e bigode: Não só entrarem em órbita com uma sonda que monitorará e estudará Marte, como ainda tem um módulo de pouso E um robozinho, bem mais modesto que o Perseverance, mas lembre-se, a NASA começou com o Sojourner, praticamente um brinquedo.
No momento a Tianwen-1 já está em órbita marciana, circularizando e se preparando para liberar o módulo de pouso. QUANDO isso vai acontecer, só a China sabe, e como sempre eles são completamente esquizofrênicos, em alguns momentos é capaz até de negarem que tem uma missão em Marte, no momento seguinte abrem um feed com apresentadores falando inglês e divulgando o lançamento.
Já a Hope foi anunciada em 2014. Os Emirados Árabes Unidos decidiram que já era tempo de investir em Ciência, como seus antepassados fizeram, preservando a Cultura e o Conhecimento da antiguidade, enquanto a Europa passava pela Idade das Trevas. A Agência Espacial foi criada, dinheiro foi investido, produzindo conhecimento e cientistas, homens e mulheres, e o resultado foi inevitável.
Em 2020 subiu, levada por um foguete H2-A japonês, uma sonda de 1350Kg que irá estudar o clima marciano.
Em 9 de Fevereiro de 2021, os Emirados Árabes entraram para o seletíssimo grupo de países, composto apenas pela Índia, que conseguiram sucesso em sua primeira missão a Marte.
Nos próximos meses teremos muitas novidades, com quatro nações explorando Marte ao mesmo tempo, “cinco” se contarmos as missões da União Europeia. Teremos um helicóptero, e teremos chances reais, mesmo que ínfimas, de descobrir se Marte já abrigou vida.
Primeira imagem de Marte, enviada pela Hope - Clique para engrandalhecer (Crédito: Agência Espacial Emirados Árabes Unidos)
PS: Está rolando um vídeo com uma imagem panorâmica de Marte, acompanhado do que seria “áudio de Marte”. É falso. O vídeo é da Curiosity, feito em 2019 e em vários momentos dá pra literalmente ver “Curiosity” escrito no robô, já o áudio é uma versão dos dados sísmicos da sonda INSIGHT, transformados em som.
O Perseverance está levando um microfone, e em algum momento ouviremos pela primeira vez os sons de outro mundo, mas não agora.
Se você quiser acompanhar direto da fonte, as imagens e vídeos do Perseverance são postados diariamente no site oficial da missão.