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River Raid — A incursão pelo Coração das Trevas, por Carol Shaw

River Raid marcou uma geração e foi criado por Carol Shaw, uma pioneira que abriu as portas para muitas mulheres e mudou a indústria de games

29/07/2024 às 11:38

Amy Hennig, Jade Raymond, Kim Swift, Lena Raine, Kellee Santiago... Mulheres que se tornaram figuras importantes na indústria de games e que conseguiram isso por estarem sobre os ombros de uma gigante. Essa é a história de Carol Shaw, aquela que devido ao seu lendário River Raid, serviu de apoio para muitas que vieram depois.

River Raid

Crédito: Divulgação/Activision

Filha de um engenheiro mecânico, Carol Shaw nasceu em 1955 e cresceu em Palo Alto, Califórnia, já que seu pai trabalhava na região, no Centro de Aceleração Linear de Stanford. Nunca tendo se interessado por bonecas, ela preferia passar o tempo brincando com o “ferrorama” do seu irmão, hobby que carregou consigo até a faculdade.

Mas a sua paixão por ferromodelismo não foi a única coisa que chamava a atenção quando entrou para a Universidade da Califórnia. Trazendo boas notas em matemática quando passou pela escola, estamos falando da década de 70, quando o curso de Ciência da Computação contava com poucas mulheres e mesmo assim, em 1977 a jovem obteve um bacharelado naquele curso e em engenharia da computação.

Com o diploma em mãos, Shaw foi contratada pela Atari como Engenheira de Software para Microprocessador, onde teria como objetivo criar jogos para o console que eles tinham acabado de lançar. Por lá, o seu primeiro projeto recebeu o nome Polo e serviria como um material de divulgação para um perfume da marca Raplh Lauren, mas ele nunca chegou a ser lançado.

Desta forma, a estreia comercial da programadora aconteceu em 1978, com o 3-D Tic-Tac-Toe. Na empresa ela ainda criaria o Checkers. Anos depois outro programador rasgaria elogios ao talento daquela mulher.

“Era simplesmente a melhor programadora do (microprocessador MOS Technology) 6502 e provavelmente uma das melhores programadoras do período,” afirmou Mike Albaugh. “Em particular, ela fez os kernels [do Atari 2600], a parte complicada que coloca a imagem na tela para uma série de jogos os quais ela não criou completamente. Ela era a garota certa para esse tipo de coisa.”

Crédito: Reprodução/Howard Shaw/Wikimedia Commons

Também foi ela a responsável, ao lado de Keith Brewster, por desenvolver o Manual de referência BASIC para o computador Atari 8-bit, assim como o programa Calculator que a empresa lançou em 1981. Já no ano seguinte, Shaw ingressaria na Activision, empresa onde criaria sua obra-prima.

Inspirada pelo Scramble, jogo que a Konami havia lançado para os fliperamas em 1981, sua intenção era criar algo parecido para o Atari 2600, console que não contava com muitos títulos em que a tela se movimentava. Após elaborar o conceito de um jogo espacial, ela o apresentou a Alan Miller, cofundador da desenvolvedora, com David Crane, Larry Kaplan, Bob Whitehead e Jim Levy. Embora o executivo (também programador) tenha gostado da ideia, ele alegou que o mercado estava cheio de título com aquela temática e sugeriu que ela buscasse outra ambientação.

A princípio, Shaw faria um jogo com progressão horizontal, mas após começar a desenhá-lo em um papel milimetrado, percebeu que ele não funcionaria corretamente desta maneira. A solução foi mudar para uma progressão vertical, fazendo com que os objetos descessem pela tela.

Foi também com aquele papel que ela teve outra grande ideia. Ao espelhar a imagem, teríamos a sensação de estarmos em um rio, com ilhas localizadas no centro e assim a programadora pensou em nos colocar a bordo de um barco. O problema é que a embarcação não pareceu legal e então veio uma sugestão de David Crane: porque não deixar o jogador no controle de um avião, com a ação acontecendo em um cânion?

River Raid

Crédito/Reprodução/Servo/MobyGames

Carol Shaw então partiu para algo mais realista, nos colocando em um avião B1 StratoWing Assault que seria lançado além das linhas inimigas no perigoso River of No Return. E ao contrário do que acontece com Charles Marlow no romance de Joseph Conrad, subir aquele rio não nos deixaria oportunidade para voltar e contar os horrores que vimos pelo caminho.

Com o desenvolvimento prosseguindo, Crane e o game designer Steve Cartwright fizeram outra sugestão que se tornaria uma marca registrada do River Raid: os tanques de combustível que usaríamos para reabastecer ou destruir para ganhar pontos.

Para chegar à versão final, Shaw teria acesso a apenas 4 KB de ROM, algo que se mostrou um enorme desafio. “Você não tem espaço para guardar muitos gráficos, então eu tinha apenas gráficos das várias transições entre um rio de uma certa largura indo para a próxima largura,” contou. “Ele foi dividido em 32 seções de linha e usei um gerador de números pseudoaleatórios para decidir qual seria a próxima largura.”

A dificuldade então aumentaria ao fazer com que os rio ficasse mais estreito e os tanques de combustível se tornassem mais escasso. Segundo Shaw, o código criado para o River Raid permitia que ela soubesse em que nível estávamos e baseado nisso, uma certa quantidade de tanques poderia ou não aparecer.

River Raid no Atari 8-bit (Crédito/Reprodução/subjugator/MobyGames)

Lançado em dezembro de 1982, River Raid se tornou um sucesso imediato. No ano seguinte ele respondeu como o segundo jogo mais vendido para o Atari 2600, ficando atrás apenas do Ms. Pac-Man. Embora algumas publicações da época tenham criticado a simplicidade da sua jogabilidade, o público adorou a criação de Shaw e não é exagero afirmar que ela ajudou a popularizar os jogos de tiro com progressão vertical nos consoles.

Depois ele ainda ganharia versões melhoradas para o computador Atari 8-bit, Atari 5200, Commodore 64 e MSX, onde recebeu algumas mudanças, como a adição de balões, tanques de guerra e helicópteros que disparavam contra o nosso avião. Com mais ROM, ela também pôde nos oferecer a possibilidade de escolher em qual ponte iniciar a jogatina e entregar gráficos um pouco mais detalhados.

Uma continuação direta também surgiu em 1988, mas sem a participação de Shaw e longe de causar o mesmo impacto do antecessor.  Além disso, embora um River Raid: The Mission of No Return tenha sido anunciado para o Super Nintendo durante a Consumer Electronics Show (CES) de 1991, o jogo nunca chegou a ser lançado. Desde então, vários fãs e estúdios independentes tentaram modernizar o clássico, mas nenhum obteve muito sucesso nessa árdua tarefa.

Quanto a Carol Shaw, ela deixou a Activision em 1984 e seis anos depois se aposentou do desenvolvimento de jogos, graças ao ótimo desempenho comercial alcançado com o título pelo qual ela sempre será lembrada. Em 2017 a programadora foi homenageada com o Industry Icon Award concedido pelo The Game Awards, mesmo ano em que doou ao Strong National Museum of Play vários itens relacionados a sua carreira e que tinha guardado em casa, como jogos, embalagens, documentos de design e códigos-fontes.

Segundo ela, é bom que atualmente haja mais mulheres trabalhando na criação de jogos, já que esses projetos estão parecidos com a produção de filmes. “Então, há espaço para diferentes habilidades: o software, os gráficos, a música, o design do jogo, a história e tudo o mais,” disse. Então, se as mulheres querem ingressar nessa indústria, elas deveriam fazer o que quiserem, “não deixando que as pessoas digam o que elas não podem fazer,” defendeu.

Pois esse conselho está diretamente ligado ao passado de Shaw. Pouco após entrar para a Atari, o presidente Ray Kassar a viu na empresa e disse, “Oh, finalmente! Temos uma game designer feminina. Ela pode fazer cartuchos sobre combinações de cores e decoração e interiores!” Pois a game designer garante que esses eram dois assuntos nos quais não tinha o menor interesse, mas felizmente seus colegas de trabalho disseram para Carol não dar atenção ao executivo e fazer o que quisesse.

Mesmo não tendo sido a primeira mulher a trabalhar no desenvolvimento de jogos, Shaw foi a pioneira quando se trata de ter seu nome estampado na caixa. “Acho que a Activision queria fazer dos game designers as estrelas, então eles colocavam seu nome no seu jogo,” contou, provavelmente ciente de que a sua perseverança, seu sucesso e o do River Raid abriram portas para muitas outras desenvolvedoras.

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