Meio Bit » Engenharia » NASA para Boeing Starliner: "não vai subir ninguém!"

NASA para Boeing Starliner: "não vai subir ninguém!"

Teste de voo tripulado da cápsula Starliner da Boeing é cancelado outra vez, e NASA avisa: não há previsão de uma nova data de lançamento

22/05/2024 às 9:37

A NASA tem um problemão nas mãos, que atende pelo nome Starliner. A cápsula da Boeing foi projetada como uma opção à Crew Dragon da SpaceX, em missões de órbita baixa (LEO) para o envio de astronautas e provisões à Estação Espacial Internacional (ISS), mas ao contrário da concorrente já estabelecida, a segunda Obra de Igreja da agência (depois do foguete SLS) ainda não saiu do chão.

A última envolve um persistente vazamento de hélio que os engenheiros da Boeing não conseguem sanar, e após três adiamentos consecutivos, a NASA decidiu por bem cancelar tudo, e não há uma nova data de voo prevista.

Cápsula Boeing Starliner vem apresentando problemas faz tempo (Crédito: Joel Kolsky/NASA/AP)

Cápsula Boeing Starliner vem apresentando problemas faz tempo (Crédito: Joel Kolsky/NASA/AP)

Starliner vs. Crew Dragon

Quando a NASA lançou o Programa de Tripulações Comerciais em 2010, ela o fez de olho em reduzir os custos de desenvolvimento de plataformas de lançamento em órbita LEO, tanto para se livrar da Rússia, que cobrava cada vez mais caro por cada assento nas Soyuz, quanto para não ter que ela própria lidar com isso.

A solução foi repassar a missão para a iniciativa privada, na forma de contratos diferentes dos tradicionais. No modelo antigo, no qual se encontra o SLS, projetado pela Boeing, Northrop Grumman, ULA e Aerojet Rocketdyne, o foguete pertence à NASA e é uma plataforma política, no que o Congresso dos Estados Unidos determina onde e como ele será construído, controlando assim a geração de empregos em redutos eleitorais, o que se converte em votos.

Na parceria que a agência espacial norte-americana fechou para as cápsulas, as companhias recebem a grana e têm que seguir as especificações à risca, mas fora isso, SpaceX e Boeing decidem como proceder, o que reverte em uma economia considerável aos cofres públicos; por outro lado, tanto a Starliner quanto a Crew Dragon e os demais projetos da SpaceX, como a Starship e os Falcon, não estão sujeitos às vontades dos congressistas.

Aqui entra a diferença de tratamento para com Boeing e SpaceX. A companhia de Elon Musk recebeu US$ 2,6 bilhões para desenvolver a Crew Dragon, contra US$ 4,2 bilhões liberados à Boeing no projeto da Starliner, em respectivamente 6 e 4 missões. Com o tempo, ambas receberam incrementos no valor de US$ 4,39 bilhões para a Boeing, com o mesmo número de lançamentos, e US$ 3,1 bilhões para a SpaceX, mas para 14 missões no total.

Uma continha básica mostra a disparidade: em média, uma missão da Starliner custará US$ 731,7 milhões por lançamento, ou US$ 182,9 milhões por astronauta, contra respectivamente US$ 433,3 milhões e US$ 108,3 milhões da Crew Dragon. Claro, na nota ambas cobram oficialmente US$ 58 milhões por astronauta, enquanto os russos fixaram o valor por assento na Soyuz em US$ 90 milhões (dados de 2020).

Como já explicamos, o Congresso não vai com a cara de Elon Musk, porque diferente da Boeing e da Blue Origin, ele não faz lobby, e pior: não só a SpaceX entregou tudo o que se propôs a fazer, e hoje é a única plataforma de lançamentos LEO disponíveis à NASA fora as Soyuz, como a disruptividade da companhia promoveu uma revolução no setor, o que incomoda muita gente, dos dois lados do Atlântico.

Ainda assim, os parlamentares preferem trabalhar com a Boeing graças ao histórico, sua entrada no Programa de Tripulações Comerciais foi o bastante para que o projeto seguisse, pois originalmente a SpaceX era a única concorrente, e a má-vontade era geral.

Crew Dragon: mais barata e funciona de verdade, mas não é o bastante (Crédito: Divulgação/NASA)

Crew Dragon: mais barata e funciona de verdade, mas não é o bastante (Crédito: Divulgação/NASA)

Dito isso, a Boeing não se acerta com a CST-100 Starliner. Seu primeiro lançamento em 2019 fracassou de maneira épica, e vários outros desde então foram cancelados, geralmente por vazamentos intermitentes e teimosos, tanto que o mais recente desdobramento não é nenhuma surpresa.

NASA mantém cápsula no chão

O primeiro teste para um lançamento tripulado da Starliner estava originalmente agendado para o dia 6 de maio de 2024, quando os técnicos notaram um vazamento de hélio, usado na pressurização do sistema de propulsão. Na ocasião, a Boeing não o considerou um problema relevante e pretendia seguir com o lançamento, mas um problema não relacionado, em uma válvula para regulagem de pressão no Atlas V, fez com que a missão fosse interrompida.

Os astronautas Butch Wilmore e Suni Williams, que já estavam em seus assentos, tiveram que descer e voltar para suas casas, a ULA levou o foguete de volta ao hangar e trocou a válvula problemática por uma do Centaur, que funcionou lindamente, mas a saga Boeing vs. Hélio continuava.

Seus engenheiros conseguiram rastrear o vazamento, até uma "mesa" de um propulsor no sistema de controle de reação, em um dos quatro pods do módulo de serviço da Starliner, que segundo a empresa, possuem a forma de "uma casinha de cachorro". A cápsula possui 28 desses propulsores, usados para realizar correções menores de curso no espaço; eles são separados de outros dois conjuntos mais potentes, para ajustes mais pesados.

Se um desses dá pau, bem, as consequências não são legais, e não temos mais Neil Armstrong para salvar o dia.

A missão acabou sendo adiada para o dia 17 de maio, depois 21, então foi jogada para o próximo sábado, 25, até que a NASA, ao perceber que a Boeing não consegue resolver o problema, cancelou tudo por tempo indeterminado, até que tudo esteja funcionando 120%. Embora visto como "estável" e não seja considerado um risco imediato, a agência é nazista até o talo (sorry, not sorry) com a segurança e redundâncias.

As próximas datas disponíveis para a Starliner giram por volta de julho de 2024; depois disso, o calendário da ISS já está abarrotado de missões da Crew Dragon, de carga à troca da equipe residente de astronautas. Como a estação só tem uma doca, caso a Boeing não repare a cápsula até lá, ela terá que esperar pela próxima janela, entre o fim de agosto e o início de setembro.

Claro, apenas se conseguirem dar um jeito no bendito vazamento.

Fonte: Ars Technica.

Leia mais sobre: , , .

relacionados


Comentários