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Resenha: Discovery — Trek is Back, baby! (meio sem spoilers)

Star Trek está de volta, depois de 12 anos uma nova série ocupa seu devido lugar na televisão. Clique e leia nossa resenha quase sem spoilers, mas se fosse você eu correria para a Netflix e assistiria logo.

6 anos e meio atrás

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Star Trek começou a questionar abertamente seu maniqueísmo ainda na Nova Geração, mas só em Deep Space Nine ficou claro que a Federação não era aquele poço de bondade e altruísmo. Colônias abandonadas nas mãos dos Cardassianos foram dizimadas cruelmente, gerando a semente dos Maquis, um grupo terrorista que deu bastante trabalho. Cronologicamente 3 anos antes, em The Undiscovered Country, foi mostrado do ponto de vista dos Klingons que a Federação era apenas mais um império expansionista.

Discovery, a nova série de Jornada nas Estrelas começa com um monólogo de um klingon. O império está em ruínas, todas as Casas do Conselho estão espalhadas pela galáxia, é preciso reunificar o Império, “Para nos unirmos contra aqueles que usam a saudação mortal: viemos em paz…”

A ação corta para um planeta onde a Capitã e a Imediato da USS Shenzhou estão em uma missão de rotina: ajudar uma espécie primitiva sem violar a Primeira Diretriz, ou como chamam usando o nome correto, Ordem Geral 1. Elas caminham para um poço que havia secado por causa da radiação de um asteróide Star Trek, não pense muito) e usam um rifle-phaser para furar o leito de rocha e ressuscitar o poço. YAY, a espécie está salva, não fizeram contato e agora é voltar para casa.

A tempestade que se aproxima está afetando os comunicadores, a imediato começa a se preocupar, já a capitã continua calma, e segue andando. Sendo a primeira humana a estudar no sistema educacional vulcano e se formar na academia de ciências de lá, Michael Burnham mistura lógica e emoções, nem sempre para seu próprio bem.

PS: se você está estranhando uma mulher chamada Michael, relaxe. É o século XXIII, nomes esquisitos imperam. A capitã é uma japa chamada Philippa Georgiou. Eu culpo o Pabblo Vittar.

Enquanto caminham a capitã comenta que a imediato está pronta para seu próprio comando. Michael estranha a calma da comandante, mas a confiança entre as duas é evidente. A imediato começa a imaginar o que fará se ficar presa no planeta por décadas, pois a tempestade durará 89 anos e elas são pequenas demais para ser localizadas da nave.

Na vez da capitã ela diz o que faria: “É simples, eu escaparia”. Elas encontram as próprias pegadas, a Imediato acha que estão caminhando em círculos. “Não, não em círculo”, diz a capitã. Nisso a Shenzhou sai das nuvens em meio à tempestade, paira sobre ambas, as teleporta e vai embora. No chão o desenho feito com as pegadas das duas:

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A Shenzhou chega ao som dos acordes do tema clássico, só oito notas, o mínimo necessário para assinar a mensagem que todos recebemos: Star Trek está de volta. A longa noite se foi. Depois de 12 longos anos desde que o Comandante Riker desligou o Holodeck e encerrou as aventuras de Enterprise ansiamos por uma nova série. Sim, JJ fez um bom trabalho reacendendo a chama e arando o terreno para uma nova série, mas Jornada nas Estrelas é televisão. E Discovery é televisão de primeira.

Esqueça todos os temores da USS Tumblr. Discovery não veio dar lição de moral. Se há algo que essa nova série corrigiu em Star Trek é que todo mundo é muito mais solto. Os diálogos são mais reais, as pessoas brincam. Há uma diferença visível das outras séries de Star Trek, onde as cenas “descontraídas” eram isoladas da parte “séria”.

O mundo real não é assim, até como alívio de tensão, as pessoas brincam. Vide a famosa porta de um silo de mísseis nucleares…

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A fascinação com Ciência e o Universo está presente, de forma explícita. A história na nave começa com o diário de bordo da Imediato, demonstrando como está impressionada com um sistema binário que estão visitando, para identificar a causa dos danos em uma bóia sinalizadora da Federação.

Basicamente a Imediato faz caquinha, coloca a nave em perigo, conseguem salvar a nave, tentam de novo e dessa vez ela consegue. Estraga o dia de uma forma que coloca em risco todo o Quadrante. Digamos assim, a Comandante Michael Burnham não perde em nada pro Jar-Jar Binks. No final do segundo episódio ela, que estava prestes a ganhar um comando, perde tudo. Tudo.

Os dois primeiros episódios foram apenas as preliminares, descobrimos que não vimos NADA de Discovery ainda, mas vimos muito de Star Trek. Os Klingons estão de voltas, mais feios e malvados. Ainda praticam seu Grito de Morte, os consoles das naves da Federação ainda explodem se você olhar feio pra eles, e capitães ainda insistem em sair em missões perigosas.

Trekkers de longa data se sentirão em casa, a Shenzhou é uma mistura de interfaces modernas com referências que remontam à série clássica, como boa parte dos efeitos sonoros. O visual do Alerta Vermelho veio direto dos filmes com a tripulação original. As naves são hiper-detalhadas mas com um ar retrô. O ritmo da história é bem mais ágil do que os seriados anteriores, é uma demanda dos novos tempos, mas mesmo assim conseguiram encaixar ótimas cenas com Sarek.

Os Personagens

Michael Burnham é a única sobrevivente de um ataque terrorista Klingon. Ela foi acolhida por Sarek, pai de Spock e segue a cultura vulcana, embora seu lado humano a torne emocional demais para isso. Fica claro que ela mudou bastante, da arrogância vulcana original a uma situação confortável onde ela confia e aprecia seus companheiros de farda.

O Tenente Suru é o oficial de ciências, um Kelpien, criatura extremamente desconfiada, já que em seu planeta sua espécie evoluiu como presa, não como predador. Extremamente inteligente, adora soltar umas piadinhas bem sarcásticas. Dizem que a espécie tem um sexto sentido para perigos de morte. É meu personagem preferido. Em uma cena ele sacaneia Michael em uma referência direta a Galaxy Quest.

T'Kuvma é um klingon com pretensões messiânicas. Ele acredita ser a reencarnação do grande Khaless, e em certo momento se expõe a um ataque da Federação. A Capitã quer cair com tudo, já a Imediato usa de sua lógica vulcana e lembra que se T'Kuvma for morto se tornará um mártir, unificando as Casas do Conselho Klingon em uma guerra contra a Federação. É imperativo que ele seja capturado vivo.

Fora esses, não há nenhum outro personagem realmente relevante. Sim, Sarek é legal, o Almirante Bucha aparece no horário certo pra morrer, mas quando terminamos o segundo episódio percebemos que ficamos o tempo todo basicamente acompanhando Michael e a Capitã. É um excelente exercício de roteirização algo assim não ficar chato. E no final ficou o oposto de chato, os dois episódios passam voando. Sobra espaço até para um mini-trailer do resto da temporada. É necessário, pois do jeito que termina parece ser a série mais curta já feita: no segundo episódio deu tudo errado pra todo mundo, the end.

O Visual

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Eu vou confessar, levei algum tempo para me acostumar. Cinema tudo bem, tela grande, aquela epopéia visual do JJ funciona, mas Star Trek na TV sempre foi uma coisa mais simples, mais contida, um fundinho de matte, uma maquete de nave, mais nada. Cenários limpos, pois é o que o dinheiro deu pra comprar. Discovery tem a qualidade visual dos filmes, chega a distrair. Os mais simples adereços e objetos cenográficos são detalhados num nível cinematográfico.

Compare esta d'k tahg klingon usada na Nova Geração

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Com esta usada em Discovery:

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Mesmo assim não é cenografia que faz Star Trek. Star Trek está nos detalhes, está no espírito da série. Em um momento, logo antes de morrer o Alferes Expendable McRedShirt, sofrendo de uma concussão pergunta à imediato… “Por que estamos lutando? Nós somos a Frota Estelar. Somos exploradores, não soldados…” E isso, crianças, é Star Trek. Você luta por ser preciso, é seu último recurso.

O Elenco

Doug Jones parece repetir em seu Tenente Saru o sarcasmo e impaciência de seu Abe Sapien, em Hellboy. Por mim tudo bem, o personagem é excelente e ele é um ótimo character actor. Boa parte de sua atuação é visual, e ele abraçou perfeitamente a persona de um alienígena excepcionalmente alto.

Michelle Yeoh como sempre dá um show, desta vez em um papel bem mais contido, e fugindo da trope de portadora de sabedoria ancestral oriental. Ela é uma excelente capitã, que consulta e confia em seus oficiais. Os fãs de Marco Polo vão adorar ver sua atriz favorita de volta.

Sonequa Martin-Green não vai deixar ninguém dormir com sua atuação (sim, foi horrível. Não gostou me processa). Ela gerou uma reação visceral e negativa entre muitos floquinhos acostumados com seus Picards perfeitinhos e sem manchas. Curioso é que Tom Paris em Voyager era basicamente um presidiário convocado pra uma missão, e metade da tripulação era de terroristas Maquis, mas ver a personagem fazer as besteiras, errar e errar feio ofende a alma pura dos Trekkers de Butique. Não se enganem, ela vai superar toda essa desconfiança, que é compartilhada entre os personagens.

Ah sim, bom perceber que mesmo no século XXIII ainda existe o Daft Punk.

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Os Uniformes

Discovery traz uniformes que lembram uma versão moderna dos usados pela Enterprise de Archer, ainda não há a divisão de cores do tempo de Kirk, ainda uns 10 anos no futuro. Isso quer dizer que fica muito mais divertido apostar em quem vai morrer, já que ninguém usa camisa vermelha.

Mas é Melhor que Orville?

Sério. Parem com isso. Vocês estão destruindo o mundo com essa mania nojenta de transformar tudo em guerrinha, tudo em competição, onde sua série preferida fazer sucesso não é suficiente, é preciso que a dos outros seja um fracasso. São séries diferentes, ambas são Star Trek de raiz, mas Orville tem uma pegada mais Série Clássica, Kirk Spock e McCoy. Há um quê de inocência em Orville que não existe em Discoverye não há problema nenhum nisso.

Eu cresci amando Battlestar Galactica. Eu gravava os episódios em fita K7 para ouvir de noite. Quando saiu a versão de Ronald Moore os personagens eram esquisitos, a série era sombria, Starbuck era mulher e eu queria transar com uma cilônia. Qual a melhor? Nenhuma das duas, não vou violentar minha memória afetiva criando uma disputa artificial. Meu coração tem espaço para as duas séries. Dá para gostar de todas igualmente, a pergunta é sem-sentido como perguntar qual dos seios de sua namorada você gosta mais, do esquerdo, do direito ou o do meio, e se você entendeu essa sem pensar em Total Recall, +50 pontos pra Gryffindor.

Star Trek Discovery ainda não começou. Tivemos apenas um prólogo, os dois primeiros episódios prepararam o caminho para uma jornada muito mais ambiciosa. No final d'A Terra Desconhecida Kirk dedicou o futuro às novas tripulações, que continuariam explorando o Universo. Se depender de Discovery, essa jornada chegará aonde ninguém jamais esteve.

Star Trek: Discovery está disponível na Netflix.


Star Trek: Discovery | Official Trailer [HD] | Netflix

Cotação:

januaria

5/5 Janeways só vendo a turma celebrando a primeira série com protagonista mulher.

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