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Digital Eclipse e uma aula sobre como preservar a história

Entrevista com Diretor Editorial nos faz entender como a Digital Eclipse se tornou uma das empresas mais importantes na preservação de jogos

07/08/2024 às 10:36

Com o passar dos anos algumas empresas começaram a enxergar os jogos antigos como uma forma de faturamento, apostando no saudosismo do público para levar mais dinheiro aos seus cofres. Contudo, há uma desenvolvedora que tem feito um trabalho diferente quando se trata de preservar a história da indústria e seu nome é Digital Eclipse.

Atari 50: The Anniversary Celebration - Digital Eclipse

Crédito: Divulgação/Digital Eclipse

Fundada em 1992 por Andrew Ayre, Hans Kim, John Neil e Howard Fukuda como uma startup de tecnologia, os responsáveis pela companhia logo perceberam que poderiam aproveitar um software que haviam criado para ingressar no desenvolvimento de games. Porém, ao invés de apostar em títulos modernos e aproveitar a geração que estava por vir, eles miraram na emulação de jogos para fliperamas.

Conseguindo reproduzir com perfeição os jogos Joust, Defender e Robotron: 2084, eles o lançaram em 1995 para o Mac OS com a coletânea The Digital Arcade. Mas o grande salto feito pela Digital Eclipse aconteceria mesmo quando a Nintendo colocou o Game Boy Color no mercado. O processador do portátil era baseado na arquitetura Zilog Z80, mesma usada em vários fliperamas, o que facilitou o trabalho do estádio. Assim, pelos próximos anos a empresa levaria cerca de 60 jogos dos arcades para aquele aparelho.

O DNA da preservação histórica estava formado e eles continuaram adaptando jogos antigos para outras plataformas. Simultaneamente, mudanças estavam acontecendo nos bastidores e em 2003 a Digital Eclipse se juntou a ImaginEngine para criar a Backbone Entertainment. Apesar de uma criação original aqui ou ali, a emprese seguiu trabalhando com relançamentos, adaptando outros clássicos para o Xbox 360 e PlayStation 3.

A Backbone levou o Castlevania: Symphony of the Night para o Xbox 360 (Crédito: Reprodução/BurningStickMan/MobyGames)

Devido a alguns percalços pelo caminho, alguns profissionais preferiram deixar a desenvolvedora para formar a Other Ocean Interactive, até que em 2015 eles fizeram uma jogada ousada: adquiriram o nome Digital Eclipse e se comprometeram a trabalhar com a preservação de jogos eletrônicos.

Entre as pessoas que participaram dessa refundação estava Frank Cifaldi, figura que depois ficaria conhecida como o criador da Video Game History Foundation, e que sempre deixou claro o quanto se importava em garantir que a história da mídia não fosse perdida. Para ele, o objetivo dessa nova etapa da Digital Eclipse era fazer pelos games aquilo que a Criterion Collection, Inc. tem feito pelo cinema, que é licenciar, restaurar e distribuir os clássicos.

Em 2020 Cifaldi deixou o cargo de Chefe de Restauração na empresa que ajudou a formar para se dedicar à fundação, mas seja antes ou depois da sua saída, o estúdio quase sempre entregou um nível de qualidade acima da média. Coletâneas como Street Fighter 30th Anniversary Collection, The Disney Afternoon Collection, SNK 40th Anniversary Collection ou Teenage Mutant Ninja Turtles: The Cowabunga Collection apresentaram ótimos jogos para as novas gerações, assim como nos permitiram reviver clássicos que marcaram nossas infâncias.

Alguém pode lamentar a falta de mais conteúdo inédito nesses relançamentos, mas segundo Chris Kohler, isso se deve a uma exigência das empresas que os contratam para criar esses pacotes. Na visão delas, o que as pessoas querem é apenas o básico, poder revisitar os clássicos e sem a necessidade de extras. Mas a Digital Eclipse entende que pode ir além.

Atari 50: The Anniversary Celebration - Digital Eclipse

Crédito: Divulgação/Digital Eclipse

Jornalista com larga experiência na cobertura de videogames, Kohler passou por veículos como Wired, Kotaku e o podcast Retronauts e hoje responde como Diretor Editorial da Digital Eclipse. Lá ele tem a missão de pesquisar, sugerir e escrever o conteúdo presente nos relançamentos do estúdio, especialmente para uma das ideias mais fantásticas que vi na indústria nos últimos anos: a Gold Masters Series.

Funcionando como documentários interativos, o que essa série tem feito é nos entregar não apenas a possibilidade de jogar títulos lançados há algumas décadas, mas lhe dar um contexto histórico e explicar sua importância para o desenvolvimento da indústria.

Pois foi esse um dos assuntos abordados por Chris Kohler durante uma entrevista concedida ao site Video Games Chronicle. Ao citar como exemplo a fantástica coletânea Atari 50: The Anniversary Celebration, ele mostrou como as empresas podem fazer um trabalho muito melhor quando se trata de visitar o passado de marcas tão poderosas.

Kohler lembrou de quando começou a trabalhar na Digital Eclipse e se deparou com as muitas coletâneas que existiam por lá. Quando chegou aos jogos da Atari, ele se incomodou em vê-los simplesmente dispostos em um menu, o que fazia com que parecessem todos iguais. Por ser uma criança que passou mais tempo no Nintendinho, ele até havia jogado muita coisa do Atari 2600, mas não tinha a idade adequada para aproveitá-los corretamente.

Isso fez com que se sentisse perdido em muitos títulos, sem saber ao certo o que deveria fazer. “Acabei dizendo, ‘eh, vou entrar nesse jogo... eh, talvez não seja a minha praia,’ vou para outro jogo, entro naquele jogo, também não é minha praia,” contou Kohler. “Então acabei jogando por uma hora, 45 minutos ou mais e joguei um monte de jogos, mas pareceu que ‘talvez essa coleção não fosse para mim.’”

Crédito: Divulgação/Digital Eclipse

Após pensar no sentimento que tais títulos despertaram, ele propôs a criação de algo mais parecido com um documentário interativo, pois daquela forma as pessoas poderiam acessar os jogos direto de uma linha do tempo. “A razão para aquilo é que queria que a experiência tivesse um início e um fim,” explicou. “E eu não queria começar com o Asteroids. Eu não queria nem mesmo começar com o Pong. Queria que começasse com uma foto de Bushnell e Ted Dabney, fundando a Atari.”

Kohler então afirmou que ao oferecer os clássicos dessa maneira, as pessoas poderiam iniciá-los, experimentá-los e até não gostar do que conheceram. Porém, a ordem cronológica e o contexto permitiriam que elas entendessem melhor porque tais títulos são importantes. “Você jogou um grande jogo que é parte da história da Atari, mas também a história dos videogames,” defendeu o diretor. “Porque no Atari 50, você termina nos jogos para o Atari Jaguar. Você testemunhou os videogames evoluindo e entende por que aqueles jogos são como são.”

Para ele, o objetivo era garantir que as pessoas que testassem aqueles jogos se divertissem, ficando com a sensação de que o tempo dedicado à coletânea valeu a pena. Na sequência, Kohler mencionou a inclusão de um título que serve para explicar por que erramos ao achar que apenas jogos consideramos bons merecem ser incluídos nesses pacotes.

“Quando estávamos colocando os jogos na coleção fiquei tipo, ‘ei caras, Club Drive para o Jaguar, vamos colocar isso aí,’ e a reação da Atari instantaneamente foi ‘esse jogo recebeu avaliações 1/10 quando saiu,’ e eu estava tipo, ‘isso importa?

Porque nós não estamos vendendo o jogo para a pessoa, estamos vendendo a você a lição de história, estamos vendendo a experiência. E se posicionarmos corretamente — se dissermos ‘o Club Drive foi uma tentativa muito antiga de fazer um jogo de corrida poligonal — e você entrar e mexer com ele, podemos pegar jogos que são... [pausa]

Sabe, não acredito mais que algum jogo seja ruim, entende o que quero dizer? Acho que tudo possui algo interessante para me ensinar. Com algo como o Club Drive, que é difícil de amar, na verdade, joguei ele bastante e tentei colocar esse contexto em torno dele: ‘Aqui está uma tentativa muito, muito antiga de fazer um jogo de corrida poligonal. Experimente, veja o que você acha.’”

Club Drive (Crédito: Reprodução/quizzley7/MobyGames)

Para Chris Kohler, desde receba o contexto correto, é possível pegar um jogo que não foi bem avaliado e torná-lo parte atraente de um pacote. No caso do Club Drive, o título lançado em 1994 é apontado por muitos como o pior jogo do Jaguar e até mesmo como um dos piores de todos os tempos. Mesmo assim, sua preservação histórica não merecia acontecer?

Enfim, a entrevista é bem extensa e traz vários outros pontos muito interessantes. Mas com esses trechos e após experimentar os espetaculares Atari 50: The Anniversary Celebration e The Making of Karateka, não tenho dúvida de que tanto a Digital Eclipse quanto a Gold Masters Series são extremamente importantes para a indústria.

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