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FIFA, Song 2 e o casamento entre música e futebol

Produtores contam como conseguiram os direitos da música Song 2, do Blur, para o FIFA 98, jogo que aproximou a música do futebol virtual

05/03/2024 às 9:53

Eu não sei se isso também acontece em outros países, mas no Brasil, o futebol sempre caminhou de mãos dadas com a música. Daquelas adaptadas pelas torcidas dos times até artistas que se dedicaram a homenagear o esporte, essa simbiose está tão enraizada na cultura futebolística, que muitas vezes nem nos damos conta disso. Já nos jogos que tentam reproduzir o futebol, a chegada das músicas licenciadas é algo bem mais recente e que nem deveria ter acontecido.

FIFA Road to World Cup 98 - Futebol

FIFA Road to World Cup 98, onde tudo começou (Crédito: Reprodução/Maba Uti/MobyGames)

No caso da série produzida pela Eletcronic Arts, tudo começou durante o desenvolvimento do FIFA Road to World Cup 98. Na equipe que criou aquele jogo estava o especialista em áudio, Chris Taylor, que por sua vez foi baterista em uma banda chamada The Payolas. Como o músico havia trabalhado também licenciando músicas para programas de TV, tinha alguma experiência nessa área.

“Tínhamos um cara que era particularmente apaixonado por fazer coisas com música licenciada e ele buscou isso,” revelou o designer de áudio e programador, Robert Bailey. “Foi uma sinergia interessante, mas a ideia de licenciar o material de outra pessoa em vez de escrevê-lo você mesmo inicialmente foi considerada um tanto ofensiva; houve uma certa resistência por parte do pessoal do departamento de áudio sobre isso. Mas, no final das contas, passou a ser visto com: ‘Ok, isso é um tipo válido de marketing’. Hoje entendo, mas não significa que estava feliz sobre isso na época.”

Mas se o ego do pessoal do departamento de áudio teria sido atingido pela proposta de Taylor, quando ela chegou no alto escalão da companhia é que ficou muito mais perto de ser barrada. Quem contou essa parte da história foi o produtor Marc Aubanel.

“Larry Probst [então CEO e presidente da EA] chegou numa reunião e disse, ‘chega de música licenciada’ e estávamos nessa reunião meio que olhando uns para os outros. O que aconteceu foi que o Road Rash saiu para o 3DO com um monte de música licenciada e eles distribuíram royalties, enquanto na indústria do cinema e TV você pagava uma taxa fixa. Eles estavam dando [aos detentores dos direitos sobre as músicas] uma parte do lucro [do jogo], o que era loucura, porque no final das contas, a música é um complemento à experiência da jogabilidade. Você pode ter a melhor música do mundo, mas se o jogo for uma porcaria, não vai vender nada. A menos que esteja falando de um Guitar Hero, é difícil ver isso como um elemento primordial de um jogo.

Então meio que entramos em pânico e dissemos, ‘Bem, isso é uma mer**’ e não contamos ao Larry. Então, mais tarde, jogamos em uma revisão e o Larry gritou, ‘Pare!’ e começou a gritar com a gente. Ele estava tipo, ‘Porque diabos vocês colocaram música no jogo?’ e nós dissemos, ‘Bem, um salário é X muitos dólares por ano e basicamente nos custou nove meses do salário de uma pessoa para conseguir oito músicas do top 10 para o jogo’. Ele meio que disse, ‘Oh, acho que está tudo bem, então’. Mas estávamos suando na época.”

Cena do clip de Song 2 (Crédito: Reprodução/YouTube)

E entre as músicas que a equipe conseguiu para o FIFA Road to World Cup 98, aquela que mais se destacou foi a Song 2, da banda Blur. Presente na abertura do jogo, até hoje ela é associada à franquia da EA, tendo se tornado um hino entre os que jogaram incansavelmente aquele capítulo.

O interessante é que os membros da banda inglesa não fizeram (pelo menos diretamente) uma grande fortuna ao ceder os direitos para a utilização daquela faixa. Na verdade, o que os músicos levaram foi uma experiência marcante para qualquer apaixonado por futebol.

“Aqueles caras, Damon [Albarn, vocalista] e Alex [James, guitarrista] especificamente, queriam quatro ingressos para a Copa do Mundo na linha central e tínhamos muitos ingressos assim,” contou o produtor executivo, Bruce McMillan. “Eles eram grandes fãs de futebol, então não foi muito difícil conseguir a Song 2. Na verdade, foi muito fácil. Eles queriam muita atenção para sua música e foi isso o que conseguiram com o FIFA 98. Enviamos muitas unidades [às lojas], então, quando algo é lançado e vende dez milhões de cópias, isso é mais do que a maioria dos álbuns consegue,” explicou.

No Mega Drive, a Copa de 98 ainda era assim (Crédito: Reprodução/Unicorn Lynx/MobyGames)

Contudo, aquele não foi o único acordo realizado entre o pessoal da EA e do Blur. Inicialmente, os direitos sobre a música falavam em utilizá-la apenas no jogo, mas a desenvolvedora queria aproveitar a faixa também nos comerciais para TV. O problema é que não havia orçamento para fazer essa aquisição e após conversarem com o manager da banda, os criadores do jogo receberam uma proposta, como conta Sean Ratcliffe, responsável pelo marketing da EA no Reino Unido:

“Espere um minuto, os caras da banda são grandes fãs de futebol e vocês têm o Road to World Cup e possuem a licença oficial, certo? Dissemos que sim e eles disseram que abririam mão da taxa se conseguíssemos quatro ingressos para a final a Copa do Mundo,” contou Ratcliffe.

O resultado da parceria foi a Song 2 tocar tanto no comercial que divulgava o FIFA Road to World Cup 98, quanto no vídeo de abertura. Para o pessoal o Blur, pode até parecer que eles cederam muito fácil, mas temos que levar em consideração o quanto a popularidade do jogo ajudou a espalhar o nome da banda por todo o mundo.

FIFA Road to World Cup 98 - Futebol

Crédito: Reprodução/Plok/MobyGames

Isso me faz repetir o que disse noutra matéria, sobre como esse tipo de situação parece algo restrito a um passado relativamente remoto da indústria. Na época em que o FIFA Road to World Cup 98 saiu, esse era um meio que já movimentava muitos milhões de dólares, mas hoje em dia é difícil imaginar uma banda cedendo os direitos das suas músicas em troca de alguns ingressos para uma partida de futebol.

Se isso é algo positivo ou não, deixo para vocês avaliarem, mas a verdade é que adoro conhecer esses bastidores e pensar em como as coisas funcionavam de maneira tão diferente nos estúdios de games nas décadas de 80 e 90.

Fonte: Time Extension

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