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EarthBound: sobre adolescentes, aliens e ousadia

Apesar de seu conturbado desenvolvimento e do fracasso comercial nos EUA, EarthBound se tornou (merecidamente) um dos RPGs mais aclamados de todos os tempos

47 semanas atrás

O Super Nintendo foi um videogame repleto de ótimos RPGs, com vários deles figurando entre os melhores do gênero. Mas entre todos, um fracassou comercialmente nos Estados Unidos e só com o passar do tempo acabou se tornando um clássico cult. Um jogo que rompia com as tradições do gênero e apostava no humor e numa ambientação moderna. Seu nome? EarthBound!

EarthBound

Crédito: Reprodução/Ee Va How/ArStation

O ano era 1989. A Nintendo lançava para o Famicom, a versão japonesa do NES, um jogo chamado Mother. Idealizado e escrito por Shigesato Itoi, aquele RPG permaneceria exclusivo do Japão por muito tempo e sem toda a facilidade de acesso que temos hoje em dia, o público ocidental mal saberia do sucesso que o título faria entre o público local.

Fortemente inspirado na série Dragon Quest, o conceito que havia inicialmente sido rejeitado por Shigeru Miyamoto acabou recebendo o sinal verde e o resultado seria uma venda superior a 400 mil cópias, tornando-se o sexto jogo mais vendido no país naquele ano. Pois tamanho sucesso garantiu o desenvolvimento de uma continuação e embora Itoi já tivesse algumas ideias na cabeça, o projeto seria muito mais complicado do que poderia imaginar.

Na nova aventura, a ameaça alienígena conhecida como Giygas estaria de volta, mas o game designer queria alcançar um público maior, incluindo o feminino. A princípio, o jogo deveria nos levar a outros planetas, mas após considerar isso um tanto batido, o roteirista preferiu situar a história apenas em Eagleland, uma versão fictícia (e paródica) dos Estados Unidos.

Crédito: Reprodução/Unicorn Lynx/MobyGames

Se passando nos anos 90, Mother 2: Gīgu no Gyakushū ou simplesmente EarthBound, nos colocaria na pele de Ness, um garoto que é surpreendido pela queda de um meteoro nos arredores da sua casa. Após se dirigir ao local do acidente, o protagonista encontraria Buzz-Buzz, uma criatura parecida com uma abelha que lhe contaria que, para salvar o planeta, teria que coletar oito melodias contidas em Pedras da Alma espalhadas pela cidade.

Como em qualquer típico RPG da época, a história nos levaria a uma grande aventura, onde encontraríamos personagens que se juntariam à nossa missão. Mas o que diferenciava o EarthBound de clássicos como Final Fantasy ou o próprio Dragon Quest era a maneira como ele brincava com as convenções do gênero.

Um bom exemplo disso está na maneira como somos recompensados após as batalhas. Enquanto a maioria dos jogos nos dão algum tipo de moeda quando derrotamos os monstros, em EarthBound isso se dará através do pai de Ness, que depositará uma certa quantia na conta bancária do garoto. Então, para termos acesso ao dinheiro teremos que ir até um caixa eletrônico, uma ideia simples, mas que combinava plenamente com a atmosfera do jogo.

EarthBound

Crédito: Reprodução/Unicorn Lynx/MobyGames

E conforme o desenvolvimento daquele novo projeto acontecia, Shigesato Itoi e seus comandados na Ape Inc. estavam sempre forçando os limites, sempre tentando se desvencilhar dos padrões. Para o game designer, a série deveria se escorar no que ele classificava como “selvageria imprudente”, que era colocar a equipe para criar cenas que não eram comuns na mídia e o roteiro um tanto bobo foi intencional.

“Algumas pessoas consideram a série Mother como grandes scripts de cenário, em vez de jogos, mas isso não está certo” defendeu o game designer. “Eles não seriam nada interessantes se não estivessem na forma de jogos. Afinal, foi por isso que eles foram feitos desde o início. Eles não teriam sido muito divertidos apenas em forma de texto. Como jogos, eles são o amalgama das ideias ridículas que às vezes tenho como jogador.”

Parte dessa selvageria pode ser vista nos personagens criados para o jogo, como os mineiros do deserto que foram baseados nos executivos das companhias japonesas de construção. Outro exemplo é o diálogo da batalha final, que o criador afirma ter sido baseado numa experiência traumática que teve quando criança, ao assistir por engano o filme de terror Kenpei to barabara shibijin.

O game designer também queria que o jogo não contasse com um mapa-múndi, para que assim não houvesse distinção entre as cidades e seus arredores. Eles até implementaram um sistema antipirataria que aumentava a quantidade de inimigos que enfrentávamos e apagava o save quando estávamos perto de concluir a campanha. No fim, tudo isso fez com que um jogo que deveria usar um cartucho de 8 megabit precisasse mudar para um de 12 e acabasse sendo lançado em um com 24 megabit.

Crédito: Reprodução/Leofan93/MobyGames

Contudo, essa maneira pouco ortodoxa de motivar seus comandados e as ambiciosas ideias de Itoi cobrariam um preço. Com o lançamento japonês estando previsto para acontecer em janeiro de 1993, o pessoal do Ape Inc. sabia que o prazo não seria cumprido e as ameaças de cancelamento viviam rondando o projeto. Pois esse cenário só começou a mudar com a entrada de um estúdio externo no desenvolvimento.

Conhecida como HAL Laboratory, aquela desenvolvedora era comandada por Satoru Iwata, programador que anos depois assumiria o posto de presidente (e lenda) da Nintendo. Além de ajudar a programar o EarthBound, Iwata também assinaria o jogo como co-produtor, ao lado de Tsunekazu Ishihara e do próprio Shigesato Itoi.

“Algo que lembro muito bem foi como Iwata começou a criar uma ferramenta para que todos pudessem consertar o jogo,” lembrou Itoi. “Iwata disse que poderia terminar o jogo em meio ano, mas ele nunca teve a intenção de fazer isso sozinho. Ele reestruturou as coisas e criou um ambiente em que toda a equipe podia contribuir.”

Assim, enquanto os profissionais do HAL se dedicariam a programação, caberia aos do Ape Inc. concluir os textos e mapas. Para isso as equipes se encontravam quinzenalmente no escritório de Iwata, quando passavam horas trabalhando tendo como cenário o Monte Fuji.

Os percalços enfrentados pelas equipes fizeram com que o Mother 2 chegasse às lojas japonesas apenas em maio de 1994, com a sua versão americana demorando bem mais, sendo lançada apenas em junho do ano seguinte.

EarthBound

Crédito: Reprodução/Reddit

Mas se no Japão o sucesso se repetiu, o que talvez nem a Nintendo pudesse imaginar era que o desempenho do EarthBound por estes lados seria tão ruim. Mesmo com a empresa tendo investido cerca de US$ 2 milhões na divulgação do jogo, ele vendeu apenas 140 mil cópias nos Estados Unidos e alguns fatores podem explicar esse fracasso comercial. E um deles estava na sua inusitada campanha de marketing, que dizia que o "jogo fedia" e por isso trazia anúncios aromatizados nas revistas de games da época, o que chegou a gerar reclamações de leitores às redações.

Também não ajudou o fato de o Super Nintendo já estar perdendo forças, assim como o estilo artístico do EarthBound, muito mais colorido que o normal e com menos detalhes que os vistos em títulos como Final Fantasy VI ou Chrono Trigger. “Acho que o sentimento na época era — e isso não é muito diferente de hoje em dia — que os gráficos eram um componente importante para impulsionar a indústria,” declarou Marcus Lindblom, que ficou responsável pela localização do jogo.

Aliás, se hoje o EarthBound conta com vários admiradores, parte disso se deve ao bom trabalho realizado por Lindblom. Tendo recebido carta-branca para localizar o jogo da maneira mais louca que pudesse, ele localizou piadas e fez diversas adaptações culturais. No entanto, isso não impediu que o título fosse censurado, com a versão americana perdendo referências a religião, álcool, marcas famosas e até mesmo uma cena em que originalmente o Ness aparece pelado em um sonho, tendo mostrado o garoto de pijama.

Mesmo assim, a Nintendo fez um trabalho fantástico ao tentar agradar aqueles que investiram na aquisição do jogo, com ele trazendo consigo um guia muito bonito e extremamente detalhado. Contando com 128 páginas, ele se tornou peça rara, fazendo com que qualquer cópia hoje valha uma fortuna. Felizmente a fabricante disponibilizou uma versão digital (PDF) daquele livro quando o título passou a ser vendido para o Wii U.

Também foi naquele videogame que vimos o lançamento do EarthBound Beginnings, versão localizada do primeiro jogo. Já em relação ao Mother 3, cujo lançamento original aconteceu em 2006 para o Game Boy Advance, uma versão oficial no ocidente continua sendo um sonho antigo dos fãs, algo que a Nintendo segue ignorando e que sabemos que, quando acontecer, causará uma enorme comoção.

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