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Reciclagem de plásticos não é 100% ecológica

Estudo revela que reciclagem de plásticos lança inúmeras partículas de microplásticos na Natureza, que podem acabar na sua água

1 ano atrás

A reciclagem do nosso lixo é indiscutivelmente um ato necessário, para reduzir o impacto de nossas ações no Meio Ambiente e aproveitar materiais que podem ainda ser usados, ao invés de destiná-los a lixões onde contaminam o solo e os oceanos. Porém, nem todos os métodos que usamos são 100% limpos.

Um novo estudo, publicado por pesquisadores da Universidade de Strathclyde em Glasgow, Escócia, descobriu que o processo de reciclagem de plástico acaba por lançar partículas de microplásticos na água, e em abundância, que podem acabar no sistema de fornecimento, além de contaminarem o solo e o ar.

Lixo plástico em aterro sanitário e ilha artificial de Thilafushi, nas Maldivas (Crédito: Mohamed Abdulraheem/Shutterstock) / reciclagem

Lixo plástico em aterro sanitário e ilha artificial de Thilafushi, nas Maldivas (Crédito: Mohamed Abdulraheem/Shutterstock)

O estudo (cuidado, PDF) foi conduzido tendo como base a análise de um novo centro de reciclagem no território escocês, que usa o processo tradicional de reciclagem: as peças são separadas, trituradas e derretidas, até se tornarem grânulos (pellets) que serão utilizados em diversos processos produtivos. Até chegar à fase final, o material é lavado diversas vezes, em várias etapas diferentes.

É nesse processo que mora o problema. Segundo Erina Brown, cientista especializada em plásticos e pesquisadora que liderou o estudo, as várias passagens de água no plástico durante o processo de reciclagem acaba por gerar inúmeras partículas de microplásticos, geralmente menores que 5 mm, que acabam indo parar no sistema de fornecimento de água.

É sabido que o processo de tratamento usado pelas companhias de fornecimento não consegue pegar todas as partículas pequenas, logo, boa parte desse plástico volta, com a água "potável", para o fornecimento à população, ainda que a OMS afirme que eles representam um risco pequeno ao público consumidor.

Segundo Brown, a fábrica avaliada durante o estudo estava no processo de instalação de filtros novos, capazes de reter micropartículas na água com até 50 mícrons de comprimento (0,00005 m, ou 0,05 mm), o que permitiu aos pesquisadores analisarem o antes e o depois, mas os resultados não foram satisfatórios em nenhum cenário.

Conforme o artigo, mesmo que uma central de reciclagem de plástico use filtros capazes de reter partículas realmente pequenas, a proporção de microplásticos na água usada é de 75 bilhões de unidades por metro cúbico (1.000 litros). E na maioria das vezes, toda essa água acaba voltando para os rios e córregos, e consequentemente, acaba na sua torneira.

A pesquisa também concluiu que a quantidade de microplásticos no ar, resultantes do processo de reciclagem, também é bastante alta, e caso os trabalhadores das instalações não estejam usando EPIs (equipamentos de proteção individual), como máscaras, essas partículas, que são perigosas, serão prontamente aspiradas.

Microplásticos são em geral difíceis de capturar, e a reciclagem está criando mais deles (Crédito: Alexander Stein/Ullstein Bild/Getty Images)

Microplásticos são em geral difíceis de capturar, e a reciclagem está criando mais deles (Crédito: Alexander Stein/Ullstein Bild/Getty Images)

Para Erina Brown, há uma certa ironia no fato de que reciclamos plásticos com a intenção (inicial) de proteger o Meio Ambiente, mas o que estamos realmente fazendo é lançar mais partículas potencialmente perigosas na Natureza. Sob seu ponto de vista, os processos usados hoje apenas pioram a situação.

Já para Judith Enck, ex-administradora regional da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), que hoje preside a organização Beyond Plastics, que é contra a produção de plásticos de uso único, o estudo serviu para demonstrar que o material não é nem remotamente sustentável, em nenhum aspecto ou cenário, e mesmo o atual processo de reciclagem de plásticos acaba sendo danoso ao planeta, não provendo nenhum benefício ambiental, apenas prejuízo.

O artigo não foi muito bem recebido entre defensores do uso de plásticos, como era de se esperar. Em nota enviada ao site WIRED, Kara Pochiro, representante da Associação dos Recicladores de Plásticos dos Estados Unidos, disse que os centros instalados no país (o estudo foi conduzido na Escócia, mas enfim) seguem todas as normas de segurança e compliance junto às autoridades quanto a impactos ambientais, e que filtros de água para reter partículas são instaladas nos mesmos, "quando tal procedimento for econômica ou tecnicamente viável".

A boa notícia é que a instalação de filtros reduz o impacto da presença de microplásticos na água, ainda que as marcas finais continuem ruins (um centro pode emitir aproximadamente 3 mil toneladas de partículas por ano sem eles; após instalados, esse número cai para 1,4 mil t/ano), mas, por outro lado, o estudo só conseguiu identificar partículas com até 1,6 mícron de comprimento, e o processo de reciclagem também cria nanopartículas de plástico, bastante pequenas e quase imperceptíveis, que são hoje muito, muito numerosas.

No mais, o estudo é mais um argumento para o entendimento de muitos cientistas, de que a solução para o problema do lixo plástico está não na reciclagem, mas no ato mais traumático e radical, ao qual a indústria resiste, cortar por completo sua produção, e substituí-lo por outros materiais, biodegraváveis e não-poluentes.

Referências bibliográficas

BROWN, E., MACDONALD, A., ALLEN, S., ALLEN, D. The potential for a plastic recycling facility to release microplastic pollution and possible filtration remediation effectiveness. Journal of Hazardous Materials Advances, Volume 10, N.º 100.309, 10 páginas, maio de 2023. Disponível aqui.

Fonte: WIRED, ExtremeTech

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