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Sobre a estranha dificuldade em derrubar um balão com caças de 5.ª Geração

Balão não é exatamente o que a gente pensa quando ouve sobre tecnologia de espionagem, mas um causou bastante confusão nos EUA, recentemente.

1 ano atrás

Na madrugada de 19 para 20 de janeiro de 1915 um balão, ou mais precisamente um dirigível sobrevoou o Reino Unido, na região de Norfolk, lançando pela primeira vez bombas em território britânico.

O balão chinês, visto de um avião espião U-2, em 3/2/23. (Crédito: Secretary of the Air Force Public Affairs)

Outro dirigível próximo também soltou bombas. Uma ameaça silenciosa e indetectável, na calada da noite. Claro, os dirigíveis de 1915 não eram exatamente alta tecnologia comparado com os de hoje, mas os aviões eram piores ainda.

Biplanos com motores que mal conseguiam tirar o avião do chão levavam uma eternidade para chegar na altitude dos balões. Um Sopwith Camel, lançado em 1917 e um dos melhores aviões da Guerra tinha uma razão de subida de 300 metros por minuto. Para chegar até um balão a 3000 metros, eram dez minutos. Aí, a segunda parte: O pobre biplano, voando no limite de sua capacidade, tinha poucos segundos para enfrentar o dirigível, que o recebia com dezenas de metralhadoras antiaéreas.

A propaganda de guerra era pesada. "É muito melhor enfrentar as balas do que ser morto em casa por uma bomba. Aliste-se." (Crédito: Domínio Público)

Alvo na mira, era hora de sentar o dedo e encher aquele balão monstruoso de balas, numa explosão linda, como no Battlefield 1. O piloto apertava o gatilho, a metralhadora Lewis cuspia fogo. Certeira, a saraivada de balas atingia o dirigível e... nada acontecia.

Apesar de estar repleto de Hidrogênio, um projétil de uma metralhadora é um pedacinho de chumbo, que atravessa o dirigível e deixa dois furinhos. O gás vaza, mas a menos que alguém desça com um isqueiro, nada acontece, comparado com o tamanho do dirigível o vazamento é mínimo, facilmente compensado pelos tanques de bordo.

Os ingleses tentaram de tudo, mas só conseguiram derrubar o primeiro dirigível alemão em 1º de abril de 1916. Foi o L-15, um zepelim que não era da Zeppelin, mas da Schütte-Lanz, outra empresa que fabricava dirigíveis.

Ele só foi abatido com a invenção de munição incendiária, que na época equivaliam à munição que hoje chamamos de traçante, o projétil leva uma pequena carga pirotécnica que se incendeia durante o trajeto até o alvo, isso é importante para você ter uma idéia da trajetória de seus tiros.

Em aviões era comum colocar um projétil traçante a cada cinco convencionais, assim os pilotos sabiam onde seus tiros estavam atingindo.

Aqui vemos um tiro de um projétil calibre .50 com munição traçante, e um lindo ricochete:

 

Neste outro vídeo, uma demonstração noturna com munição traçante, das forças armadas da Arábia Saudita:

A desvantagem a munição traçante é que ela funciona pros dois lados, mas não ajudou muito aos alemães, que no total perderam 30 dirigíveis em 51 missões de ataque, que mataram 557 britânicos. Foram 5,806 bombas, e os ataques só cessaram em 1917, quando ficou evidente que os dirigíveis não eram mais invulneráveis.

Mesmo assim, balões foram muito utilizados na 1ª Guerra Mundial, como veículos de observação. Em geral um corn-digo voluntário entusiasmado era escolhido, colocado numa cestinha presa a um enorme balão repleto de hidrogênio, e solto no ar, preso por uma corda e um cabo telegráfico. O sujeito ficava com binóculos, observando a movimentação das tropas inimigas e esperando o primeiro avião aparecer e explodir sua morada final.

Isso não era exatamente novidade. Balões de observação foram usados por Napoleão, em várias guerras européias e na Guerra Civil nos Estados Unidos. Até nós usamos, durante a Guerra do Paraguay o Brasil foi o primeiro país da América Latina a usar balões de observação, com direito a técnicos americanos contratados pra lidar com a alta tecnologia do Hidrogênio.

Intrepid, balão de observação usado na Guerra Civil nos EUA, circa 1862. (Crédito: Domínio Público)

No interbellum (período entre guerras, MeioBit também é cultura) os dirigíveis se modernizaram, e militarmente eram mais voltados para observação, mesmo assim sofriam muitos acidentes e eram mais vulneráveis do que nunca, tanto que na Segunda Guerra Mundial, ficaram de fora.

Balões, entretanto, eram frágeis demais, vulneráveis demais. Era muito mais seguro fazer reconhecimento usando aviões, com câmeras fotográficas. Aos balões ficou reservado (com uma exceção contada adiante) o trabalho de servir como proteção contra bombardeiros de mergulho inimigos e caças em vôo rasante. Foram os famosos balões de barragem, e se um Stuka se enfiasse no meio de um repleto de hidrogênio, aí era um problema mais dele do que dos ingleses.

Balões de barragem sobre Londres. (Crédito: Domínio público)

Fora isso, balões serviam para muito mais do que levar a Simony de um lugar para outro. Eles eram, e ainda são essenciais para observações científicas. Cientistas lançam balões todos os dias para medir condições atmosféricas.

Stephen Ezell, meteorologista no Cabo Canaveral. Em média ele lança dois balões por dia, com dados compartilhados com todos os serviços. Em dias de lançamento eles chegam a lançar 12 balões nas 8 horas anteriores ao horário de lançamento. (Crédito: NASA)

Um simples balão de US$20 pode impedir um lançamento de US$2 bilhões. Antes de qualquer lançamento, vários pequenos balões com instrumentos meteorológicos são lançados, para medir dados como velocidade do vento na alta atmosfera. Se estiverem fora dos limites, no melhor estilo Capitão Nascimento, o Oficial de Meteorologia diz: “não vai subir ninguém”.

Esses balões pequenos, fechados, explodem acima de determinada altitude, pois como não possuem válvulas de escape, com a menor pressão atmosférica eles se expandem demais.

Já balões de longa duração, usados para missões científicas mais complexas, possuem “pressão zero”, ou controles para aliviar a pressão caso ela exceda os limites. Parece complexo, mas é uma técnica bem antiga.

Ela foi automatizada na 2ª Guerra Mundial, quando o Japão descobriu a Corrente de Jato, um rio atmosférico que corre de oeste para leste, e a aproveitaram para atacar os EUA.

No total 9300 balões com explosivos foram lançados do Japão para os Estados Unidos. Eles levavam três dias para atravessar o Oceano Pacífico. Altímetros detectavam quando o balão subia demais, e liberavam hidrogênio. Caso ele descesse além da conta, lastro era liberado. Relógios determinavam quando anoitecia, e liberavam lastro, pois o hidrogênio esfriava, o balão encolhia e perdia atitude.

Essa história eu contei neste artigo aqui.

Durante a Guerra Fria, balões foram muito usados para espionagem, mas acabaram sendo trocados por aviões. Balões têm a irritante mania de ir aonde o vento quer que eles se dirijam, e não onde a gente quer que eles espionem.

Isso parece que passou ao largo do povo do Google, durante o Projeto Loon, aquela idéia abestada de usar balões para prover internet em comunidades remotas e áreas de desastres. Eles planejavam milhares de balões pelo mundo, o que conseguiram foi assustar algumas pessoas e dar matéria pra jornaleiros sensacionalistas escrevendo clickbaits sobre objetos misteriosos caídos do céu.

Balão do Google caiu em uma casa em Los Angeles. (Crédito: Daily Mail)

Mas e o Balão Chinês?

O balão chinês derrubado na costa da Carolina do Norte, depois de atravessar os EUA é algo inusitado. Não é o primeiro, começaram a aparecer relatos de outros balões semelhantes que no passado passaram pelo Japão, e mesmo pelos EUA.

Diz a China que era um balão científico, civil e que os EUA deram um chilique desnecessário. A última parte é verdade, o resto é pura groselha. O balão estava repleto de equipamentos de monitoração, provavelmente fazendo todo tipo de espionagem eletrônica, de monitoramento de radares a wardriving de redes WIFI. Além de copiar os nudes de todo mundo com celular made in china.

A grande pergunta foi: Por que deixaram o balão atravessar o país?

Trajetória aproximada do balão chinês. (Crédito: Wikimedia Commons / By M.Bitton - Own workPalumbo, Daniele)

A explicação oficial é que queriam evitar o risco do balão cair em cima da casa de alguém, ou causar algum dano a alguma indústria. No papel faz sentido, na prática estamos falando de um país com 9.8 milhões de km2, há imensos desertos, descampados, florestas e fazendas no caminho do balão.

O motivo real foi bem mais simples: Primeiro, os EUA queriam estudar o balão o máximo possível. Foi divulgada uma foto feita de um avião espião U-2, circulando em torno do balão. O U-2 provavelmente levava uma tonelada de instrumentos de monitoração, para descobrir cada sensor e transmissor existente no balão.

A carga útil do balão, em close. (Crédito: Reprodução Internet)

Segundo ele não foi projetado para espionar o território continental dos Estados Unidos. As simulações mostraram que ele foi lançado para sobrevoar Guam ou o Havaí, ventos inesperados o tiraram de rota, e mesmo tendo uma hélice e lemes, o balão não conseguiu voltar pra rota original.

O ato final, a derrubada do balão, foi para mostrar que os EUA tinham poder para abatê-lo na hora que quisessem, e escolheram o momento mais cinematográfico.

Mesmo assim, tiveram que mandar seu caça mais avançado, o F-22.

Um dos poucos caças de 5a geração existentes. (você não, Su-57)

Algo simples como um balão é capaz de atingir grandes altitudes. No caso o balão chinês estava a 60 mil pés, ou 18Km de altitude. Pouca coisa consegue voar tão alto. Um 737-800 tem altitude máxima de 41 mil pés. Os caças Gripen que o Brasil comprou da Suécia, atingem 50 mil pés. O F-14 do Maverick? 53 mil pés.

Acima disso, só para aeronaves de alta performance.  O U-2 é capaz de voar a 70 mil pés. O SR-71, acima de 100 mil.

O F-22 tem um teto operacional de 60 mil pés, oficial, o que significa que vai mais além. O quanto? Classified.

Só que voar nessas altitudes não é tão simples. Você está voando muito rápido, muito alto, com ar extremamente rarefeito. Qualquer manobra brusca e você corta o ar pros motores. Ângulo de inclinação um pouco mais pronunciado, e você perde sustentação em uma das asas, e entra em parafuso.

A 80 mil pés o SR-71 tinha um raio de curva de 145 milhas, ou 268km. Ou seja: Um Blackbird voando sobre o Ibirapuera em direção oeste, se fizer uma curva de 180 graus terminará sobre Mangaratiba.

Em Top Gun Maverick é mostrada uma curva dessas. (Crédito: Paramount Pictures)

A informação acima, e outras igualmente suculentas você acha no manual de vôo do SR-71, Sim, crianças, não é mais top secret, qualquer um pode ler.

Mesmo um F-22, embora seja operacional acima de 60 mil pés, não pode brincar de Top Gun, tem que voar no sapatinho, na ponta dos dedos, o que gera novos problemas:

Com abater um balão?

Não é tão simples. Atirar não vai adiantar, mesmo com munição traçante, Hélio tem a irritante (no caso) mania de não pegar fogo. Isso foi comprovado em 1998, quando um balão científico canadense deu defeito, não liberou a carga de instrumentos sobre o mar, e se tornou um risco caso atingisse zonas habitadas.

Com 100 metros de altura e quase 90 de largura, era um senhor alvo, e caças CF-18 canadenses foram atrás. Dispararam mais de 1000 tiros, e nada. O balão continuou, serelepe rumo à Europa.

Os ingleses zoaram o Canadá, com manchetes tipo “Os Top Guns que não conseguem estourar um balão”. Eventualmente vôos foram desviados, o balão causou transtorno até entrar em território russo, onde estima-se que o frio siberiano o tenha feito eventualmente pousar.

A solução, no caso do balão chinês, era clara: Mísseis, mas mísseis capazes de atingir 60 mil pés são caros, na casa de milhões. Melhor usar os dos caças.

De novo, problemas. O AIM-120 AMRAAM, o míssil-padrão Ar-Ar dos EUA além de custar US$1 milhão por unidade, não funciona muito bem com balões. Ele é projetado para entender identificar e ignorar todo tipo de chamarizes e técnicas de despistamento, como chaff, aquela nuvem de papel-alumínio que confunde radar, e chamarizes rebocados.

Uma das técnicas mais básicas é medir o Doppler do sinal de radar. Se o míssil identifica que o alvo está parado, provavelmente é um chamariz.  E um balão ao sabor do vento é basicamente estático, comparado com um caça inimigo.

Míssil AIM-9 Sidewinder. Repare nas aletas traseiras, há algo genial ali que será mostrado em um futuro artigo. (Crédito: Wikimedia Commons /David Monniaux)

A solução foi usar um míssil AIM-9X Sidewinder, guiado por calor.

Teoricamente o balão chinês era elétrico, com muito pouco calor, mas o sensor do míssil o estava comparando com o espaço cósmico, então o contraste era mais que suficiente.

Tudo funcionou perfeitamente, o F-22 conseguiu sua primeira vitória em combate, os EUA abateram o  primeiro avião inimigo sobre seu  território desde a 2ª Guerra, e foi o abate em maior altitude já registrado. Os EUA recuperaram quase todo o equipamento eletrônico do balão, e estão aprendendo horrores sobre as capacidades de inteligência eletrônica chinesa.

No final, foi divertido, apesar  da histeria causada por balões amadores e meteorológicos que não tinham nada a ver com o caso, e  foram perseguidos, abatidos ou  confundidos com aliens.

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