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Não, cientistas NÃO criaram buraco de minhoca em laboratório

Experimento científico criou simulação (com muito ênfase em "simulação") de como informação pode viajar em um buraco de minhoca

1 ano atrás

Outro dia, outra esticada da mídia caça-cliques atrás de público. A bola da vez é a "notícia" de que cientistas criaram em laboratório um buraco de minhoca, uma estrutura especulativa que nunca foi observada, embora tenha sido teorizada por Albert Einstein, e seja absolutamente possível de existir, segundo a Teoria da Relatividade.

O que cientistas de um consórcio que envolve diversas instituições, liderados pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (CalTech) fizeram, foi uma simulação muito, mas MUITO compacta e resumida de um conceito hipotético, que jamais se aproximará do real, mas ainda assim, é um experimento e tanto por mérito próprio.

O conceito de um buraco de minhoca é insano, ainda que fisicamente plausível (Crédito: Getty Images)

O conceito de um buraco de minhoca é insano, ainda que fisicamente plausível (Crédito: Getty Images)

Assim como o Jack, vamos por partes:

O que é um buraco de minhoca?

Einstein teorizou que espaço e tempo são uma coisa só, ligados por uma "malha" que chamamos espaço-tempo, que explica observações relativísticas diferentes, como diferenças na passagem de tempo entre regiões com mais, ou menos gravidade.

O experimento da dilatação do tempo, exemplificada em paradoxos, já foi observada na Estação Espacial Internacional (ISS), em que um relógio em órbita vai marcar um tempo maior em relação a outro na Terra, ainda que tenham sido sincronizados previamente.

Falando de um modo MUITO resumido, um buraco de minhoca é uma conexão entre dois pontos, criados por distorções gravitacionais gigantescas, mas como espaço e tempo são um corpo só, estamos falando de uma conexão hipotética entre duas regiões imensamente distantes de um universo, ou entre realidades diferentes, e, simultaneamente, entre períodos diferentes, em que na teoria, a viagem entre os pontos seria muito mais rápida.

Imagine o universo como uma esponja. Pressione as laterais com os dedos, de modo a aproximar as bordas. Embora ainda exista toda a matéria entre os pontos, que não deixou de existir, topologicamente as distâncias foram reduzidas.

O mesmo vale para um buraco de minhoca: as pontas "aproximam" dois pontos muito distantes, graças ao espaço-tempo, em um túnel com as 4 dimensões (3 de espaço, 1 de tempo) incrivelmente comprimidas. Um viajante hipotético cobriria uma distância de bilhões de anos-luz em semanas, dias ou mesmo horas, sem violar nenhuma Lei da Física.

Modelo hipotético de um buraco de minhoca ligando dois universos (Crédito: acervo internet)

Modelo hipotético de um buraco de minhoca ligando dois universos (Crédito: acervo internet)

O modelo de Einstein prevê um buraco de minhoca como uma estrutura possível de existir, e que se encaixa em diversas soluções de problemas relativos à Teoria da Relatividade, e da Física Quântica, mas daí a criar um em laboratório, é um salto muito grande.

O que os cientistas criaram, então?

Vamos começar com o que eles NÃO criaram, que não foi um buraco de minhoca. Sequer foi criada uma simulação de um modelo hipotético incrivelmente resumido, apenas por não termos os meios para isso.

O físico teórico Matt Strasser foi enfático em seu blog:

"Físicos criaram um buraco de minhoca em um laboratório? Não.

Um buraco-miniatura? Não.

Eles conseguiram estudar gravidade quântica? Não.

Eles simularam um buraco de minhoca? Não.

Eles deram um primeiro passo em simular um? Não.

Eles deram um primeiro passo minúsculo em simular algo análogo, um modelo resumido, de um buraco de minhoca? Talvez.

O hype da imprensa? Completa e espetacularmente exagerado!"

Um dos co-autores do estudo, o físico teórico Joseph Lykken, do Fermilab, disse que o experimento criou algo similar a um "pato quântico", que se parece, anda e grasna como um, mas não é um pato, nem de longe. Só que entender o que foi feito, e descrito no artigo (cuidado, PDF), é preciso considerar conceitos mais recentes da Física Quântica.

Cabelo, radiação Hawking e hologramas

Por muito tempo, a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade Geral bateram cabeça devido o Paradoxo da Perda de Informação, em que qualquer coisa que caia em um buraco negro, não pode mais ser observada; a Segunda Lei da Termodinâmica é adamante, matéria (informação) não pode deixar de existir, logo, buracos negros não podem ter valor de Entropia zero.

Segundo as equações de Einstein-Maxwell, um buraco negro possui apenas três elementos observáveis: massa, momento angular e carga elétrica, e fora isso, todos são iguais, o que levou ao Teorema da Calvície: a inexistência de elementos que servem para identificação, na analogia, "cabelo", faria com que todos os buracos negros sejam "carecas".

Em 1974, Jacob Bekenstein descobriu que buracos negros tem, sim, valor de entropia. Stephen Hawking, que não acreditava nisso, tentou com sua pesquisa desacreditar a hipótese, mas acabou confirmando a pesquisa, propondo que eles criam algum tipo de radiação térmica, conhecida hoje como radiação Hawking. Hoje, acredita-se que buracos negros possuam instabilidades gravitacionais únicas, ou "cabelo".

Simplificação de informação codificada na superfície de um buraco negro (Crédito: T.B. Bakker/J.P. Van Der Schaar/Universiteit Van Amsterdam)

Simplificação de informação codificada na superfície de um buraco negro (Crédito: T.B. Bakker/J.P. Van Der Schaar/Universiteit Van Amsterdam)

Nesse modelo, quanto menor um buraco negro, mais rápido ele se dissipará, o que acontece quando toda a radiação Hawking for expulsa, mas voltamos ao paradoxo da Perda de Informação; ela estaria codificada na energia eliminada?

Nos anos 1970, Princípio Holográfico foi proposto como uma solução para esse problema, em que toda a informação estaria codificada em duas dimensões, e não três, ao longo de toda a superfície de um buraco negro; Leonard Susskind e Gerard 't Hooft estenderam esta proposta para todo o Universo, no que ele seria uma projeção holográfica em 3D, derivada de um "código-fonte" em 2D, no que matéria e informação são a mesma coisa.

O "Fantasma de Einstein"

Em 1935, Einstein descreveu em um artigo o que chamou de "Efeito Fantasmagórico à Distância", um fenômeno que ele considerava impossível: dois elementos em estado de superposição, estariam entrelaçados que, quando um deles é observado e assume forma X, imediatamente o outro, independente de onde ele estiver no Universo, assume forma Y.

O efeito, hoje conhecido como Entrelaçamento Quântico, foi comprovado e reproduzido em laboratório, sendo esta a única vez em que Einstein estava errado. O que é compreensível, ele por si só parece coisa saída de uma HQ absurda.

Einstein odiava o efeito porque ele violava as Leis da Relatividade, ao propor que a informação viajaria a velocidades muito acima da luz, o que é impossível do ponto de vista do observador. E esse é o detalhe.

Em 2013, Leonard Susskind e Juan Maldacena propuseram uma ideia radical, ligando entrelaçamento quântico a buracos de minhoca. No modelo, duas partículas entrelaçadas estão ligadas por uma ponte de Einstein-Rosen particular, que permite a troca de informação entre elas de forma instantânea, não importando a distância entre elas.

Na verdade, o modelo vai além, propondo que buracos negros sempre surgem em pares, ligados por um buraco de minhoca, assim, seria tudo unificado, e resolveria o paradoxo da Perda de Informação, pois esta seria preservada, se alinhando com a Segunda Lei da Termodinâmica.

E o experimento do buraco de minhoca?

Segundo a profa. Dra. Maria Spiropulu, do CalTech, o experimento criou um "protocolo de teletransporte" similar, mas muito resumido, do usado por buracos de minhoca para transportar informação, algo que sequer se aproxima de uma simulação. O termo mais correto é "uma observação de um punhado de átomos que se comportam como um buraco de minhoca".

Os cientistas usaram o Sycamore, o supercomputador quântico do Google, considerado o mais rápido e poderoso do mundo, para rodar uma simulação que ligaria teletransporte quântico (transmissão de informação instantânea, via entrelaçamento quântico), e o sistema quântico gravitacional. Seria uma visualização para confirmar a viabilidade da proposta ER = EPR.

O experimento usou 7 férmions de Majorana, uma partícula que é sua própria antipartícula, de modo a criar o entrelaçamento quântico entre dois modelos Sachdev–Ye–Kitaev (SYK) resumidos, e os codificou usando 7 qubits, ou bits quânticos.

A seguir, o Sycamore foi treinado para simular a conexão entre dimensões espaço-tempo, usando análogos de buracos negros, por onde um qubit viajaria de A até B, teoricamente, através do espaço e do tempo. A seguir, o modelo foi bombardeado com uma simulação de energia negativa, que não existe na Física clássica, mas é teorizada na Quântica.

Como esperado, a simulação de um incrivelmente resumido buraco de minhoca funcionou direitinho, e o qubit apareceu na outra ponta instantaneamente, comprovando a ligação entre os modelos de Einstein e do entrelaçamento quântico, como modelos intrinsecamente ligados, que preserva informação segundo o Princípio Holográfico.

Informação em qubits transitou entre "túneis" quânticos criados pelo Google Sycamore (Crédito: Andrew Mueller/INQNET/Google)

Informação em qubits transitou entre "túneis" quânticos criados pelo Google Sycamore (Crédito: Andrew Mueller/INQNET/Google)

A comunidade científica está dividida. Alguns apontam para a validação, e ligação, de todos os modelos propostos anteriormente, enquanto outros mais céticos desdenham da iniciativa, afirmando que ela não trouxe nada que já não se sabia, apenas serve como uma visualização de modelos já confirmados, ao menos em tese. Daniel Harlow, do MIT, parabenizou o desenvolvimento técnico que viabilizou o experimento (aka Google), e nada mais.

Daniel Jafferis, outro dos co-autores, pesquisador de Harvard, diz que "Einstein gostaria do modelo proposto", principalmente porque ele manteve a causalidade, um dos motivos que levou o cientista a formular a Teoria da Relatividade, embora ele não gostasse do modelo quântico, que ia contra sua ideia de um Universo ordenado.

Ainda assim, ele era esperto o bastante para reconhecer quando estava errado (ou menos correto), o que não vale para boa parte da mídia, embarcando no hype do buraco de minhoca em laboratório atrás de cliques.

Joseph Lykken disse em uma coletiva que "há diferenças entre algo possível na teoria e na realidade", e que "por enquanto, não dá para colocar um cachorro nesse buraco", embora eu não acredite que alguém seria tão desalmado a esse ponto.

Referências bibliográficas

JAFFERIS, D., ZLOKAPA, A., LYKKEN, J. D. et al. Traversable wormhole dynamics on a quantum processor. Nature, Edição 612 (2022), 6 páginas, 30 de novembro de 2022. Disponível aqui.

Fonte: Ars Technica

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