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MS-DOS 40 anos: o SO que colocou a Microsoft no mapa

No 40º aniversário do MS-DOS, vamos lembrar a trajetória do sistema operacional que permitiu à Microsoft dominar o mercado de PCs

3 anos atrás

O MS-DOS, um dos mais populares (mas não o único) sistemas operacionais de operação de disco para computadores IBM-PC, completa 40 anos no dia 12 de agosto de 2021. Embora tenha sido o responsável por colocar a Microsoft no mapa, de uma mera subsidiária à empresa de software concorrente de empresas como IBM e Apple, ele não foi um programa totalmente original da companhia de Bill Gates. Ele passa bem longe disso, na verdade.

Tela de carregamento do MS-DOS (Crédito: Reprodução/Microsoft)

Tela de carregamento do MS-DOS (Crédito: Reprodução/Microsoft)

No princípio, havia o CP/M

As origens do MS-DOS podem ser traçadas até o CP/M, sigla original para "Control Program/Monitor" (Programa/Monitor de Controle), posteriormente alterada para o  equivalente em inglês de "Programa de Controle para Microcomputadores". Desenvolvido em 1974 por Gary Kildall (1942-1994), que fundou a empresa Digital Research para distribuir seu software, ele era um programa de controle e operação voltado para os processadores Intel 8080 e posteriormente 8085, de 8 bits.

Estruturalmente, o CP/M é igual ao MS-DOS. Ele suporta entradas via linha de comando para a execução de operações diversas, e suporta a instalação e execução de programas de terceiros, para os mais diversos fins.

Originalmente desenvolvido como um programa de tarefa única, ele era limitado a endereçar apenas 64 kB de uma vez. Com o tempo, o software ganhou multitarefa e foi migrado para processadores de 16 bits. Sua operação era baseada no venerável Altair 8800 da MITS, o primeiro computador voltado para hobbystas e que sozinho iniciou a revolução digital, tirando o controle das mãos de grandes corporações.

O CP/M foi importante por diminuir bastante a necessidade de programar cada ação que um computador precisaria fazer, de olho principalmente em uso por leigos, que teriam acesso a programas capazes de rodar por cima do CP/M. Foi ele também que introduziu o conceito de instruções de baixo nível que eram carregadas durante o boot, e que posteriormente seriam introduzidas via firmware.

O tempo, cunhado por Kildall para nomear o recurso,  foi "Sistema Básico de Entrada e Saída", em inglês "Basic Input Output System", ou simplesmente... BIOS.

Tela do CP/M-86, voltada a processadores Intel 8086 (Crédito: Reprodução/BSD License)

Tela do CP/M-86, voltada a processadores Intel 8086 (Crédito: Reprodução/BSD License)

O CP/M teve várias versões para diversos processadores, e inspirou outros desenvolvedores a criarem adaptações para vários casos de uso ao longo dos anos. Um desses casos foi o da Seattle Computer Products, ou SPC, fundada pelo programador Tim Paterson.

Ele desenvolveu em 1980 uma versão do programa de Kildall especificamente para o Intel 8086, tanto que chamou o sistema inicialmente de QDOS, de "Quick and Dirty Operating System", ou Sistema Operacional Rápido e Sujo em português. Posteriormente ele foi renomeado para 86-DOS, quando começou a licenciá-lo.

Um de seus clientes foi uma pequena empresa de Redmond, Washington chamada Microsoft, que tinha um problema para resolver.

86-DOS, MS-DOS e IBM PC-DOS

Segundo Paterson, o desenvolvimento do 86-DOS só consumiu 6 meses, visto que ele era basicamente um port do CP/M para o Intel 8086, sem saber que a Digital Research também estava desenvolvendo uma versão para o chip, lançada como CP/M-86 posteriormente. A SCP originalmente iria distribuir a versão original, anunciada para 1979, mas decidiu desenvolver (copiar) sua versão quando o mesmo atrasou, tendo saído  só em novembro de 1981.

O 86-DOS era vendido com o kit do processador e uma versão do Microsoft BASIC-86, sendo que a empresa de Bill Gates estava em negociação com a IBM, esta prestes a introduzir o IBM-5150, seu primeiro computador pessoal. A gigante precisava de um sistema de disco embarcado com cada unidade, e o CP/M-86 da Digital Research, mesmo atrasado, era a primeira escolha da empresa.

No entanto, as negociações não avançaram, porque não só a IBM queria a posse do software, como desejava renomeá-lo para IBM PC-DOS, o que Kindall não aceitou. Gates, mais esperto, propôs um acordo de licenciamento de seu suposto sistema DOS, que a IBM poderia usar como quisesse, enquanto manteria a propriedade intelectual sobre o mesmo.

A IBM aceitou, pois a empresa acreditava que embora não controlasse o software na sua totalidade, o grosso do dinheiro estava no hardware, e a Microsoft ficaria com a menor fatia do bolo de qualquer forma. Os meses e anos seguintes provariam que tal decisão teria o efeito contrário, mas chegaremos lá.

Embora tenha saído  do primeiro encontro com a IBM com um acordo preliminar, Bill Gates tinha agora um problema para resolver: a Microsoft não possuía um DOS para oferecer, o contrato era baseado em vento.

A solução foi correr até a SCP, pagar US$ 75 mil pelo 86-DOS, customizá-lo e mudar o nome para MS-DOS. Tim Paterson acabou contratado pela Microsoft, onde ele trabalhou em três períodos distintos, sendo o último entre 1994 e 1998, onde fez parte do time de desenvolvimento do Visual Basic.

Gates e Allen concluíram a passada de rodo na IBM repassando o 86-DOS/MS-DOS 1.14 como uma versão licenciada, chamada obviamente IBM PC-DOS, ao mesmo tempo que era livre para vender sua versão própria.

No fim das contas, o IBM PC 5150 chegou às lojas compatível com PC-DOS (devidamente embarcado), MS-DOS e CP/M-86, quando este foi lançado meses depois.

Paul Allen e Bill Gates em 1981, após fecharem o acordo de licenciamento do MS-DOS com a IBM (Crédito: acervo Microsoft)

Paul Allen e Bill Gates em 1981, após fecharem o acordo de licenciamento do MS-DOS com a IBM (Crédito: acervo Microsoft)

O que a IBM não contava, no entanto, era o fato de que a arquitetura do Intel 8086 e do 8088, este presente no IBM PC, não era uma propriedade exclusiva da gigante de tecnologia, e kits com os processadores começaram a ser embarcados por diversas empresas, tão logo a Microsoft começou a licenciar o MS-DOS para quem quisesse. Em um ano, o SO estava presente em produtos de outras 70 companhias, invertendo completamente a noção de domínio que os então parceiros de Gates possuíam:

O hardware era algo que qualquer empresa poderia colocar no mercado, montar como quisesse e vender pelo preço que desejasse, mas o sistema operacional era sempre o MS-DOS, o que fez a pequena companhia se expandir de forma exponencial nos anos seguintes. Sem contar que muitos usuários usaram versões não-oficiais, na época em que não havia internet e todo mundo trocava disquetes de programas e jogos.

Considerando exceções como os computadores da Apple, que sempre usaram SOs proprietários, e casos atípicos como o mercado de computadores pessoais do Japão, capitaneado pela NEC, Sharp e outras empresas locais, que usavam seus próprios sistemas operacionais, a Microsoft se fez presente com o MS-DOS, e posteriormente com o Windows, que rodava como um app, em quase todos os cantos do planeta.

Ainda assim, a Microsoft manteve os acordos e continuou a co-desenvolver o PC-DOS em paralelo ao MS-DOS, e ambos eram essencialmente iguais até 1993, quando a IBM começou a se enveredar para o lado do PowerPC, uma parceria de desenvolvimento em conjunto com a Apple e a Motorola. Vale lembrar que rusgas entre as duas também incluem o OS/2.

Apesar de oferecer grande suporte a diversos processadores e componentes, curiosamente o MS-DOS não tinha suporte a multiusuários, porque a Microsoft já possuía um SO capaz disso: o Xenix, sua própria distribuição Unix, mantida entre 1980 e 1989.

O MS-DOS continua "vivo" até hoje, com fragmentos integrados ao Windows, tendo começado a ser depreciado no Windows 95 e substituído por completo no Windows 98, mas permanece como um caso de software que ajudou a elevar uma empresa, ainda que não fosse original, ao mesmo tempo que impediu a IBM de dominar o mercado de PCs domésticos, ao ser licenciado para todo mundo que quisesse usá-lo.

Hoje você pode usar versões específicas do MS-DOS, distribuídas pela Microsoft como softwares de código aberto.

10 programas e jogos do MS-DOS

Vamos relembrar alguns programas e jogos do MS-DOS que são lembrados até hoje, e em muitos casos ainda usados e curtidos por alguns entusiastas:

1. WordPerfect

WordPerfect no MS-DOS (Crédito: Reprodução/Corel)

WordPerfect no MS-DOS (Crédito: Reprodução/Corel)

George RR Martin pode preferir escrever seus livros até hoje no WordStar (o programa que todo mundo que usou se lembra até hoje o comando para desmarcar bloco), que outrora foi um dos editores de texto mais populares do MS-DOS, junto com o Word, o primeiro a  ter suporte a mouse fornecido pela Microsoft.

No entanto, foi o WordPerfect quem evoluiu mais que os concorrentes e em pouco tempo, se tornou o software dominante em sua área, por oferecer uma interface mais limpa e menos complexa. no entanto, os desenvolvedores meteram os pés pelas mãos com a versão para Windows, que foi eclipsada pelo Word e outros editores.

2. Lotus 1-2-3

Lotus 1-2-3 (Crédito: Reprodução/HCL)

Lotus 1-2-3 (Crédito: Reprodução/HCL)

A Lotus Software foi um caso clássico de "one hit wonder". O Lotus 1-2-3 foi por muitos anos o único programa suficientemente decente para usar planilhas de cálculo no MS-DOS, por ser ridiculamente fácil de usar, mais do que o Excel nunca foi, dizem alguns.

Como o tempo não perdoa, e assim como aconteceu com o WordPerfect, o Lotus 1-2-3 se tornou um produto restrito a uma época, visto que a Lotus não conseguiu emplacar outros produtos no Windows.

3. dBase

dBase III Plus (Crédito: Reprodução/Cecil Wayne Ratliff)

dBase III Plus (Crédito: Reprodução/Cecil Wayne Ratliff)

O dBase foi um programa de construção de banco de dados sólido, fácil de usar e flexível, principalmente na versão III Plus, uma das mais usadas. Ele era tão simplificado e dispensava conhecimentos extensos de programação, o que lhe permitiu servir de base para inúmeros sistemas de gerenciamento ao longo das décadas.

Se você procurar, fatalmente encontrará um comércio em algum canto do Brasil, que usa um sistema de terceiros para controle de estoque e fluxo de caixa, que por trás dos bastidores, é todo construído sobre o dBase, que apenas funciona, e não tem no que mexer para melhorar, se isso não é necessário.

4. Compiladores de 1ª geração

Compilador Turbo C (Crédito: Reprodução/Borland International)

Compilador Turbo C (Crédito: Reprodução/Borland International)

O MS-DOS não exige conhecimentos de programação extensos para ser operado, mas por outro lado, suportava inúmeros compiladores para quem estava aprendendo. Todas as linguagens populares entre os anos 1980 e 1990, como C, Delphi e a acadêmica Pascal, ou algumas mais antigas, como COBOL, possuem compiladores para o SO.

Com o SO da Microsoft, era bastante simples rodar programas compiladores e aprender a programar por conta própria, graças à facilidade de instalação dos softwares.

5. Clientes de BBS

Um exemplo de como a BBS era (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Um exemplo de como a BBS era (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Antes da internet existia o BBS, servidores dedicados mantidos por terceiros, em geral universidades e operadoras, com algumas empresas no meio, que ofereciam ambientes online para os usuários, que se conectavam via telefone. Com um programa cliente, era possível entrar em listas de discussão, baixar e fazer upload de programas e imagens, pesquisar artigos e publicações diversas, e etc.

Embora o acesso fosse bastante limitado, o BBS fez sucesso entre entusiastas e curiosos, mesmo no Brasil, e clientes como o Telemate eram essenciais para fazer a conexão entre o seu computador e a rede.

6. DONKEY.BAS

DONKEY.BAS foi escrito por Bill Gates para o PC-DOS (Crédito: Reprodução/IBM)

DONKEY.BAS foi escrito por Bill Gates para o PC-DOS (Crédito: Reprodução/IBM)

Pouca gente sabe, mas o primeiro jogo do MS-DOS, ou tecnicamente do PC-DOS, foi co-escrito por Bill Gates com Neil Konzen, que foi um dos primeiros funcionários da Microsoft, responsável por programar as primeiras versões do MultiPlan e do Word para o Macintosh, em 1984.

DONKEY.BAS era um jogo de corrida que vinha junto com as instalações padrão do PC-DOS, em que o jogador tinha que conduzir seu carro na estrada, enquanto se desviava de burros, daí o nome. Hoje ele é risível de tão simples, mas foi de fato o primeiro jogo do DOS.

7. Wolfenstein 3D

Wolfenstein 3D (Crédito: Reprodução/id Software/Microsoft)

Wolfenstein 3D (Crédito: Reprodução/id Software/Microsoft)

Até este jogo, a série Castle Wolfenstein consistia de 2 jogos em visão isométrica. John Carmack, que estava testando jogos com ambientação tridimensional, decidiu aproveitar a marca, que estava vaga e fora adquirida pela id Software, para apresentar o que é considerado o avô de todos os jogos de tiro em primeira pessoa, os FPS.

Wolfenstein 3D trazia uma trama simples e um desafio altíssimo, além de um mapa gigantesco para explorar, cheio de segredos e nazistas para despachar. Ainda relevante e divertido, ele foi incluído como easter eggs nas versões mais recentes da franquia, completo.

8. Prince of Persia

Prince of Persia é excelente até hoje (Crédito: Reprodução/Brøderbund/Ubisoft) / ms-dos

Prince of Persia é excelente até hoje (Crédito: Reprodução/Brøderbund/Ubisoft)

Justiça seja feita, Jordan Mechner se sentiu motivado a criar games quando o Apple II foi lançado, e este recebeu a primeira versão de Karateka, posteriormente portado para outras plataformas. Já Prince of Persia teve muito mais alcance, principalmente pela versão para MS-DOS, compartilhada em disquetes junto com versões caseiras do manual, para driblar o recurso anti-pirataria incluso, a sala com as poções.

Um dos recursos mais atraentes do jogo, a fluida animação dos personagens, cada um com muitos quadros, foi viabilizada graças ao uso da rotoscopia por Mechner, capturando movimentos filmados para posteriormente transferi-los para animações com pixels, de forma manual. O resultado é um jogo excelente, em desafio e estética, mesmo mais de 30 anos depois.

9. SimCity

SimCity (Crédito: Reprodução/Maxis/Electronic Arts) / ms-dos

SimCity (Crédito: Reprodução/Maxis/Electronic Arts)

A Maxis e a Electronic Arts cometeram uma série de presepadas na última versão de SimCity, o que enfraqueceu um pouco a marca, mas o simulador de cidades ainda é uma das franquias mais conhecidas entre os jogadores de PC mais antigos.

O jogo de 1989, conhecido hoje como SimCity Classic para diferenciá-lo do SimCity de 2013, foi desenvolvida de forma independente por Will Wright por 4 anos, e mesmo que muitos apontem que a versão de Super NES seja melhor (o que é verdade), cabe a esta versão ter trago elementos e mecânicas que foram replicadas por concorrentes, e refinadas nas continuações oficiais.

10. Sid Meier's Civilization

Mahatma Gandhi, o pacifista nuclear (Crédito: Reprodução/Microprose/Take-Two Interactive) / ms-dos

Mahatma Gandhi, o pacifista nuclear (Crédito: Reprodução/Microprose/Take-Two Interactive)

A obra-prima de Sid Meier e um dos precursores do gênero 4X, em que o jogador deve explorar recursos naturais, expandir seus domínios e eliminar a competição, o primeiro Civilization é um jogo bastante limitado para os padrões de hoje, mas já trazia todos os elementos básicos que estruturam todas as continuações, para o bem e para o mal.

O "Gandhi Nuclear", em que o histórico pacifista se apresenta no jogo como um líder que retalia potenciais ameaças com força nuclear, foi um bug na atribuição de agressividade para o personagem. Originalmente o índice ia de 1 a 12, e era armazenado em um byte. Gandhi começava com 1, o mais baixo, mas assim que um jogador desenvolvesse a Democracia como sistema de governo, todos os demais líderes recebiam 2 pontos de desconto.

Como resultado Gandhi ficava com -1, e quando você executa uma subtração em binário, é gerado um underflow porque a tabela não suporta negativos. Assim, a agressividade do líder indiano dava a volta e ia para o valor mais alto, 255, o último da tabela binária. Como resultado, Gandhi contra-atacava qualquer ação contra a Índia com armas nucleares.

O bug fez tanto sucesso pelos motivos errados, que mesmo nas versões mais recentes da série Civilization, onde a retaliação nuclear é uma variável separada, Gandhi possui o valor mais alto, 12, contra 8 dos líderes mais belicosos da franquia.

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