Carlos Cardoso 4 anos atrás
O conceito de pobreza varia de país pra país, e o maior erro é achar que o nosso conceito é absoluto. Pra um brasileiro suburbano do Rio de Janeiro pobreza é ter que comprar Schincariol pro churrasco, e a noção de pobreza absoluta para ele é o clássico retirante nordestino de filme nacional, mas existem lugares onde a pobreza é muito, muito pior e a única luz no fim do túnel é uma lanterninha de camelô.
Nos Anos 80 a Etiópia era sinônimo de fome, campanhas como a USA For Africa tentaram aliviar mas entre 1983 e 1985 1.2 milhões de pessoas, a maioria crianças morreram de inanição. Hoje a situação está melhor, mas boa parte do país ainda vive com menos de US$1,00 por dia, a renda per capita de US$853,00 é a 168ª do mundo.
Fora da capital, Addis Ababa, são comuns comunidades sem saneamento básico, eletrificação, água corrente e outros confortos da vida moderna. As pessoas sobrevivem de agricultura familiar, bicos e caridade alheia. A situação é tão desesperadora que meninas são consideradas um investimento.
Embora tecnicamente casamento infantil seja ilegal, assim que as jovens chegam aos 13 ou 14 anos, os pais começam a procurar pretendentes, pois um casamento arranjado significa menos uma boca pra alimentar e um bom dote, em dinheiro e às vezes animais, suficiente para manter a família por um bom tempo.
As meninas são adestradas para não reclamar, e acabam aceitando seu destino, que compartilham com 40% das jovens etíopes com menos de 18 anos.
Obviamente os maridos não permitem que as meninas estudem, e elas de qualquer jeito tem assuntos mais importantes para lidar, como cuidar da casa, fazer comida e produzir mais filhos para ajudar na casa e, se forem meninas, gerar uma renda extra, perpetuando o ciclo de miséria.
Uma ONG, a Population Council criou um projeto que está sendo muito bem-sucedido em alterar o destino dessas meninas, através de algo bem simples, isto aqui:
É uma lanterna, daquelas que a gente compra na Deal Extreme ou em qualquer camelô. Custa US$28,00 e vem com painel solar dobrável, para ser recarregada durante o dia. A ONG distribui a lanterna, junto com um cursinho de uso, ensinando a resolver pequenos problemas e manutenção, mas a lanterna fica a cargo das meninas.
Os pais assinam um compromisso definindo que as meninas não vão ser vendidas para casamento e terão que continuar na escola, e em troca a família ganha a lanterna.
Em uma choupana de chão de terra, sem acesso a eletricidade uma simples lâmpada dessas faz uma diferença enorme, as crianças conseguem estudar durante a noite, os adultos conseguem se enxergar, e todos ficam felizes.
A felicidade aumenta mais ainda durante o dia, pois as meninas vão para rua com suas lanternas, que enquanto estão carregando naquele sol senegalês que só a Etiópia tem, também podem ser usadas para carregar celulares, serviço vendido pelas crianças.
Uma das meninas do projeto conta que consegue carregar 3 ou 4 telefones por dia, conseguindo o equivalente a US$0,69. Na Etiópia isso é equivalente à cena na Europa Oriental, em Eurotrip.
Os resultados preliminares são bem promissores. Entre as meninas associadas ao projeto só 10% se casaram, e elas tem 3x mais chances de estar estudando.
Claro, uma lanterna não vai salvar o mundo, nem o Hal Jordan conseguiria, mas é um começo, uma solução simples para aliviar um problema sério, fruto de alguém que pensou muito fora da caixa, e merece parabéns.
Fonte: BBC