Carlos Cardoso 4 anos atrás
Existe toda uma graduação de grandes líderes da indústria, ordenando por seu distanciamento da realidade, distanciamento esse que nem sempre é ruim. Ninguém chegou a lugar nenhum pensando dentro da caixa, e um pouco de ilusão é bom, que o diga Steve Jobs.
Infelizmente ele morreu sem deixar o link das instruções e sem o manual de operações, Tal qual o Super-Herói Americano Tim Cook se zoneia completamente com o Gerador de Campo de Distorção da Realidade. O bom e velho Jobs teria convencido todo mundo que um mouse com porta de recarga na parte de baixo faz todo o sentido, e já teríamos abandonado Bluetooth faz tempo, com todo mundo exaltado a praticidade de um dongle pra conectar fone de ouvido.
Por outro lado, Jobs não aceitar não como resposta forçava seus funcionários e consumidores a sair de sua zona de conforto. Lembrem-se, quando o iPod foi anunciado os macfags tiveram ataque de pelanca dizendo que era a maior besteira que a Apple poderia fazer.
Em quase toda área há um ponto de conforto em que todo mundo está razoavelmente satisfeito, então não há necessidade de inovar. Veja pilhas por exemplo. A boa e velha pilha grande é padrão desde a década de 1920, pilhas pequenas e palito, pelo menos desde os Anos 50, e ninguém se dispõe a adotar um formato melhor e mais prático. Foi preciso a chegada de equipamentos com exigências de energia que as pilhas comuns não conseguem atender, para migrarmos para as recarregáveis, LiPo, Li-Ion, LiMn.
Os carros elétricos estavam acomodados como promessas para o futuro / brinquedos de ecochatos com grana, até a Tesla chegar e mostrar que eles podem ser sexy.
Só que Elon Musk tem um problema sério em pensar fora da caixa: Ele faz tudo em Musk Time, uma forma de dizer que ou ele é muito ruim em criar cronogramas ou otimista demais em criar cronogramas, o que cai na primeira opção de qualquer jeito. O Falcon 9 voou pela primeira vez no mesmo ano em que o Falcon Heavy deveria ter feito seu primeiro vôo. No final do ano passado dois malucos deveriam ter feito uma viagem de ida e volta até a Lua, e a Tesla estaria entregando muito mais carros.
Não se engane, os Teslas estão anos-luz adiante de tudo que há no mercado, mas nenhuma outra montadora tem um Elon Musk prometendo as estrelas, e isso causa problemas. Ele vem prometendo carros 100% autônomos faz tempo. Os Teslas se comportam muito bem em estradas normais e seu piloto automático é responsável por posts quase diários de gente dizendo que foi salva por ele de acabar em acidentes.
My Model 3 saved my family from a crash today. A pickup in my right lane suddenly jumped into my lane and see how this guy reacted. It is amazing.@Tesla @elonmusk .. can't thank enough. @teslaownersSV pic.twitter.com/LCyL3jynRw
— Raghu Konka (@RaghuKonka) April 22, 2019
Só que por mais inteligente que seja, ainda está longe de ser um sistema 100% autônomo.
Há pelo menos 60 empresas pesquisando sistemas de direção autônoma, e todas diferem da Tesla por um detalhe: O LIDAR.
Essa coisa horrorosa no teto dessa outra coisa horrorosa, o LIDAR é uma espécie de radar a "laser", usado para montar um mapa tridimensional dos arredores. Para basicamente todo mundo ele é essencial. A Tesla prefere que seu sistema de navegação use radares convencionais, sonares e câmeras.
Por um lado é só questão de processamento, nós usamos basicamente a visão para dirigir, e alguns nem isso. mas nossos cérebros são um tiquinho mais poderosos que os chips usados nesses softwares.
Terá a Tesla conseguido o que mais ninguém conseguiu? Será mesmo que foram mais espertos do que todo o resto da indústria? Bem, às vezes acontece, e Musk parece bem confiante. Diz ele que os Teslas de 2019 sairão de fábrica com todo o hardware necessário para funcionarem como carros 100% autônomos, e que o software estará disponível no segundo trimestre de 2020.
Mesmo que os deuses da computação sorriam para a Tesla, mesmo que todo o estoque de pizza e Coca-Cola de três Estados em volta da sede da Tesla seja consumido, é improvável que consigam acertar o software em tempo, e mesmo que consigam, ninguém vai permitir que carros sem motoristas rodem nas ruas.
Políticos ainda vão deliberar isso por anos. A concorrência vai usar seu lobby para atrasar a vida da Tesla, muito provavelmente teremos legislação proibindo carros autônomos antes de termos legislação permitindo.
Essa é uma idéia que Elon Musk está promovendo e que pretende valorizar os carros dos usuários. Funcionaria mais ou menos assim:
Você compraria seu Tesla, iria feliz com ele para o trabalho, mas ao invés de deixar o carro no estacionamento juntando poeira, ele entraria em Modo-Taxi, e sairia pra rua como se fosse um Uber.
A Tesla gerenciaria toda a parte de controle de passageiros, cobranças, etc, você só se preocuparia em receber o dinheiro. No final do dia, ou quando você precisasse, seu Tesla estaria de volta no estacionamento esperando por você.
O projeto funcionaria em áreas específicas, com autorização especial, mas sejamos realistas (de novo): Não vai acontecer.
Primeiro, imagine a neura de todo dia ter que verificar se não tem nada de pessoal esquecido no carro. Seu Tesla se tornaria tão impessoal que nem balas e moedas no cinzeiro (mentira, Teslas não têm cinzeiro) você teria.
Segundo, imagine a sujeira no final do dia, os bancos babados, rabiscados por crianças, compras e bebês vazando no estofamento, e por falar nisso pense nos casais exibicionistas que não ligam pras câmeras dentro do carro sem motorista...
Elon diz que o uso diário não afetará o carro pois os Teslas são projetados para rodar mais de um milhão de milhas, mas até mesmo a autonomia já é afetada, imagine você não ter gasolina elétrons pra fazer uma viagem mais longa no final do dia pois seu carro passou o tempo todo batendo perna.
A idéia é louvável mas tira toda a graça de ter um carro, vira uma espécie de condomínio timesharing, que como aprendemos nos filmes americanos, é uma imensa roubada.
Fonte: Extremetech