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A história do mais incrível robô interplanetário

Um robô explorador do espaço superou todas as expectativas e bateu todos os recordes, mas você provavelmente nunca ouviu falar. Dica: não é o Curiosity.

5 anos e meio atrás

Era um desafio, algo nunca antes feito, resultando em recordes quebrados, dezenas de quilômetros percorridos em uma virgem superfície alienígena, enfrentando variações de temperatura inumanas, aquecendo com seu coração nuclear os circuitos durante as longas noites e maravilhando a Humanidade com suas fotos. Essa é a história não da Curiosity, nas dos Lunokhods, os robôs russos que exploraram a Lua.

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O programa lunar soviético era mais ambicioso do que o americano, mas também mais conservador em termos de riscos. Sergei Korolev tinha um esquema onde sondas orbitais fariam, bem, sondagens dos locais de pouso, depois outras sondas pousariam para mais sondagens e implantação de sistemas de navegação. Em seguida dois robôs explorariam a região. Um módulo lunar vazio pousaria automaticamente, e somente então um outro módulo, com os cosmonautas faria o pouso.

O primeiro módulo serviria de backup caso o primeiro tivesse algum problema para decolar, e o transporte dos cosmonautas até eles seria feito nos Lunokhods, os robôs tinham, somando as rodas 2,3 metros de comprimento, 1,35 m de altura e foram projetados para levar suprimentos extras de oxigênio, água e eletricidade, além de suportes para os cosmonautas, que viajariam neles, pilotando como um carrinho hipster:

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Infelizmente a Realidade não liga pros planos soviéticos, Korolev foi extremamente pressionado pelos Poderes Estabelecidos, que exigiam resultados impossíveis e o forçavam a cortar prazos e recursos em outras áreas. O resultado é que o Foguete N1 enfrentou brigas imensas entre Korolev e outros projetistas, os militares não gostavam da idéia de financiar um foguete caríssimo sem nenhuma utilidade estratégica, e a inesperada morte de Korolev em 1966 também não ajudou.

No final os quatro lançamentos de teste do N1 terminaram em desastre.


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Sem Korolev e sem um foguete viável. ficou impossível ganhar dos americanos, mas ao menos poderiam aproveitar os robôs e jogar água no chopp dos ianques imperialistas, que chegariam lá e esperando por eles encontrariam os gloriosos robôs do povo soviético!

No dia 19 de Fevereiro de 1969 uma nave de 5,9 toneladas chamada Luna E-8 No.201 foi lançada de Baikonur por um foguete Proton-K/D. No momento em que o foguete atingiu Max-Q, algo de ruim aconteceu.

Max-Q é o ponto de maior pressão estrutural sofrida pelo foguete, e é bem simples de entender. Quanto mais rápido você se move, mais pressão do ar sofre, por isso que um Ford Fiesta ST 2018 chega a 231 km/h com um motor de 197 bhp e um Bugatti Veyron precisa de 1.000 bhp pra atingir 408 km/h.

Como o foguete está em constante aceleração, a pressão do ar contra seu bico é crescente, MASSSSS a densidade do ar diminui com a altitude, então temos uma disputa entre dois fatores, a velocidade crescente e a densidade decrescente.

A pressão aumenta, aumenta mas em determinado momento o aumento de velocidade não consegue mais compensar a redução da densidade atmosférica, a pressão atinge seu ponto máximo e começa a cair. Esse ponto é o Max-Q.

Por isso a trajetória dos foguetes é primeiramente vertical, e somente em grande altitude começam a inclinar para pegar velocidade orbital, lateral. Indo direto pra cima eles atravessam uma distância bem menor de atmosfera densa do que se decolassem inclinados e fossem subindo aos poucos:

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Onde estávamos? Ah sim. Quando o Proton atingiu Max-Q a carlinga do foguete não aguentou a pressão, o bico foi destruído, com destroços descendo e rasgando os tanques de hiponitrito (N2O2) da Luna E-8. O conjunto todo explodiu, contaminando com radiação uma grande área do Cazaquistão, mas felizmente não afetando a qualidade do potássio ou das prostitutas locais.

A carenagem não havia sido testada, por motivos de tempo, e isso livrou os projetistas de serem mandados pra um gulag, igual ao que o PT construiu debaixo do estádio do Corinthians.

Mais uma vez os russos perderiam a Lua. Todo seu programa Luna seria ofuscado pelo Apollo, o que é bem injusto. No começo da corrida espacial a União Soviética saiu na vantagem. Dá pra citar por exemplo:

• setembro de 1959: a Luna 2 torna-se a primeira sonda terrestre atingir a superfície da Lua, depois de 1 dia e 14 horas de viagem

• outubro de 1959: a Luna 3 torna-se a primeira sonda terrestre a fotografar o lado oculto da Lua. Ela tirou 29 fotos, das quais 17 foram recuperadas, quando a sonda retornou em sua órbita. No total ela funcionou por 18 dias até suas baterias se esgotarem. Aqui a primeira imagem recebida:

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• fevereiro de 1966: a Luna 9 se torna a primeira sonda a pousar na Lua (ou em qualquer outro lugar).

• março de 1966: a Luna 10 se torna o primeiro satélite artificial da Lua.

O problema é que a taxa de sucesso das missões soviéticas era horrenda, os russos trabalhavam com a estratégia de sair lançando tudo que podiam. O resultado é esta deprimente tabela, onde verde são as missões bem-sucedidas:

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A situação ficou mais vergonhosa ainda quando a Luna 15 falhou. Projetada para ser uma missão que retornaria uma amostra do solo lunar antes dos astronautas, ela bem que tentou mas perdeu o controle durante a descida e se esborrachou na superfície lunar, enquanto os astronautas estavam por lá. Houve até quem dissesse que foi um ataque deliberado.

A missão de retorno de amostras da superfície lunar só foi bem-sucedida em setembro de 1970, e um mês depois foi lançado o Lunokhod 1.

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Dessa vez tudo deu certo, e a Luna 17 pousou suavemente, estendeu suas duas rampas (caso uma delas ficasse obstruída). O Lunokhod (caminhante lunar) desceu, comandado por um operador na Terra e acionou suas câmeras.

Chamadas de câmeras ciclorâmicas, eram uma pequena maravilha tecnológica consumindo apenas 2,5 watts, mesmo usando válvulas. Um tubo fotomultiplicador permitia captar sinais em uma enorme gama de luminância, de 80 a 150 mil lux.

O Lunokhod 1 tinha quatro câmeras dessas, duas horizontais e duas verticais. As horizontais conseguiam capturar imagens em uma resolução de 500 × 3.000 pixels em panoramas de 180 graus. As verticais conseguiam panoramas de 360 graus com resolução de 500 × 6.000 pixels.

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Ele capturava 4 linhas verticais por segundo, no modo chamado slow scan television, usado para imagens de alta resolução.

As câmeras também eram usadas para navegação, transmitindo em baixa resolução, 250 linhas, a 10 frames por segundo. Um panorama em alta levava vários minutos pra ser capturado, por sorte pouca coisa se move na Lua.

Aqui alguns panoramas, infelizmente tudo que temos são versões escaneadas de imagens reimpressas de negativos fotográficos que já eram de segunda mão.

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Nos primeiros dias, entre 17 e 22 de novembro de 1970 como ainda estavam se habituando, os operadores só andaram 197 metros com o Lunokhod, tempo suficiente para fazer 14 imagens de alta resolução e 12 panoramas, além de testar e validar os vários instrumentos, como espectrômetro de raios-x, telescópio de raios-x, detector de raios cósmicos, sensores para testar propriedades do solo, entre outros.

A navegação precisa dependia de saberem a posição do robô, e isso foi feito com uma tecnologia secreta: lasers. Um detector no Lunokhod era acionado por um laser da terra, a posição era triangulada e obtinha os dados.

A energia do Lunokhod vinha de baterias, carregadas por uma grande célula solar na tampa. Essa aliás foi uma das soluções mais criativas dos projetistas. Durante o dia, a tampa era aberta e a cobertura do robô servia como radiador para aliviar o calor dos circuitos que ainda por cima eram aquecidos pelos 127 ºC da luz direta do Sol.

Durante a longa noite lunar, quando a temperatura caía pra – 173 ºC, a tampa era fechada e uma fonte de polônio-210 gerava calor por decaimento radioativo, mantendo os circuitos funcionando.

Projetado para operar por 30 dias, o Lunokhod sobreviveu por 321 dias, enviando mais de 20 mil imagens e percorrendo nada menos que 10,54 km.

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Em janeiro de 1973 foi a vez do Lunokhod 2, com mais instrumentos científicos e câmeras capazes de transmitir imagens de alta resolução com um frame levando 3,2; 5,7; 10,9 ou 21,1 segundos para chegar. O modo low res de navegação continuava existindo.

O Lunokhod 1 pesava 756 kg, o Lunokhod dois tinha 840 kg, por causa dos instrumentos científicos extras e do baixo-relevo de Lênin celebrando os 50 anos da União Soviética decorando o bicho.

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A qualidade dos transmissores e das câmeras melhorou bastante no Lunokhod 2, e imagens bem melhores foram recebidas.

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Ao contrário do Lunokhod 1, o 2 só sobreviveu de janeiro a maio de 1973, a vida curta já era esperada: durante a montagem um curto-circuito sério incendiou boa parte da unidade de controle, que teve que ser removida e reparada. Por isso Ivan pisou mundo no acelerador, e na primeira semana na Lua o bicho andou 1.260 metros.

Ao final de seus quatro meses na Lua o Lunokhod bateu sem-querer em um barranco, poeira lunar caiu em cima dos radiadores, cobrindo-os e impedindo que, bem, radiassem o excesso de calor pro espaço. O robô foi esquentando e esquentando até perder contato de vez dia 11 de maio de 1973.

Lunokhov 2 havia cumprido sua missão, percorrendo nada menos que 39 quilômetros na superfície da Lua, enviado mais de 80 mil imagens e 86 panoramas em alta resolução, além de incontáveis medidas de seus vários instrumentos.

Seu recorde de 1973 permaneceu até 2014, quando o robozinho Opportunity em Marte atingiu os 40 km percorridos. Com o detalhe que o Lunokhod percorreu 39 km em 4 meses, o Opportunity levou 10 anos pra fazer seus 40 km.

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O último e mais curioso capítulo na vida do Lunokhod 2 é que ele foi comprado em 1993 em um leilão. Richard Garriott, criador da série de games Ultima e nerd espacial hardcore (ele já visitou a Estação Espacial Internacional) pagou US$ 68.500,00 pela propriedade do robô, e se tornou o único cidadão privado dono de um objeto em outro corpo celeste.

Ele também disse que tomou posse da Lua, mas essa parte é mais seguro ignorar.

Fontes:

 

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