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A história do mais incrível carro elétrico do espaço (not yours, Musk)

Elon Musk não foi o primeiro a mandar um carro elétrico para o espaço. Esse mérito é da NASA, que conseguiu criar o carro mais caro do mundo E que valeu cada centavo.

5 anos e meio atrás

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Quando o Programa Apollo começou a ser planejado, Werner Von Braun pensou grande, a ponto de muita gente achar que ele tinha esquecido que não tinha mais mão de obra barata como nos bons e velhos tempos em Peenemünde. Ele acabou tendo que pisar no freio, mas não quer dizer que não tenha conseguido um feito automobilístico mais fantástico do que tudo até hoje, incluindo o Starman de Elon Musk em seu Tesla.

Junto com os astronautas ele queria mandar um veículo, mas não um qualquer. Von Braun especificou o MOLAB, Mobility Laboratory, que deixaria o Mark Watney com inveja. O troço seria um laboratório móvel de várias toneladas capaz de manter vivos dois astronautas por pelo menos duas semanas explorando a superfície lunar.

Algumas das propostas, todas elas mais ridículas que a Carruagem de Perdidos no Espaço que abre esta matéria:

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Problema é que custaria uma fortuna e pesaria várias toneladas, precisaria de um lançamento de um Saturno 5 só pra ele, e mesmo com o governo abrindo os bolsos, chegou uma hora que Washington pediu pro Von Braun pegar leve.

Várias empresas estavam interessadas no projeto, entre elas a General Motors, que continuou pesquisando por conta própria, mas as especificações eram brutais. Eles só tinham uma fração das 4 toneladas do MOLAB original, e pior: o veículo deveria caber em um espaço em forma de prisma com 1,5 m de lado, aproveitando uma baia de instrumentos científicos do módulo de pouso que não seria mais utilizada:

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Nenhum carro capaz de levar dois homens em trajes espaciais caberia ali, mas a GM não desistiu. O melhor engenheiro da GM foi agraciado com a tarefa de resolver isso, no melhor estilo “dá teu jeito”.

O cara foi pra casa e ficou batendo cabeça, as exigências eram insanas. O carro deveria caber naquela vaga de Fusca, deveria sobreviver a três dias no vácuo, deveria ser remontado sem o uso de ferramentas e no menor tempo possível.

Normalmente seria caso de dizer “não dá pra fazer” mas engenheiros são fiéis na crença de que todo problema de engenharia tem solução, dado tempo e dinheiro suficientes. E a solução foi achada. O engenheiro apareceu no escritório com um modelo em escala, usando um GI Joe do filho como astronauta. A proposta envolvia um incrível origami com dobradiças e rodas escamoteáveis.

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Com a idéia aprovada, construíram um modelo de controle-remoto e marcaram uma reunião com Werner Von Braun. Chegaram no escritório, ele estava ao telefone, viu o carrinho entrando, com o pessoal da GM atrás. Eles pegaram o carrinho, desmontaram na frente do cientista, que aprovou na hora, para desespero de todo mundo envolvido.

Aprovar é maneira de dizer, como era projeto do governo, precisavam de uma licitação, e a GM concorreu com um monte de gente, todos tentando resolver problemas práticos como criar um veículo que não afundasse. Até o momento ninguém sequer sabia como era o solo lunar, poderia ser areia fofa, poderia ser pedra lisa… as propostas envolveram tudo, até veículos usando propulsão-parafuso:

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Claro, a GM ganhou a concorrência, e isso significou o fim dos finais de semana para os engenheiros. No total entre a aprovação e a entrega final foram 17 meses, o que é insano. Em 17 meses você não faz nem um Fusca melhor, que dirá um veículo do zero para ser usado literalmente onde nenhum homem jamais esteve.

Pneus, embora funcionem perfeitamente e não tenham problema em ser levados no vácuo, são muito, muito pesados. Fora que se um pneu furar, a borracharia mais próxima fica a uns 400 mil km de distância, e a cara de má-vontade do sujeito do reboque do seguro seria monstruosa. A solução? Uma roda feita com uma malha de titânio.

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O jipe lunar acabou com uma massa de 210 kg, o que na Lua se revertia em um peso de 35 kg. Era capaz de levar até 490 kg, e contava com quatro motores, um em cada roda, que também atuavam na direção. Isso foi fundamental, pois quando a Apollo 15 tentou usar o jipe pela primeira vez, as rodas da frente não mudaram de direção.

Depois de vários minutos alguém sugeriu que usassem só as traseiras para controlar o veículo, e astronautas sendo caras muito espertos, assim o fizeram.

Para tristeza da GM não puderam colocar um V8, o jipe lunar tinha que se contentar com propulsão elétrica, eram quatro motores, um em cada roda. A velocidade máxima projetada era de 13 km/h, mas ninguém contou isso pro Gene Cernan, e ele atingiu 18 km/h. Embora tecnicamente o jipe lunar não tenha sido feito para quebrar nenhum recorde de velocidade, foi exatamente isso que ele fez, até hoje é o veículo com rodas mais veloz fora da Terra.

Energia

O jipe lunar era alimentado por duas baterias, em um total de 242 Ah, mais que suficiente para a distância planejada, incluindo a alimentação dos rádios, câmeras de TV e sistemas de navegação.

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Elas não eram recarregáveis: circuito de recarga só tornaria tudo mais pesado e a tomada mais próxima estava na Terra, e com o planeta girando a extensão iria enrolar. De qualquer jeito elas foram planejadas para durar as 78 horas da missão.

Outro truque para economizar peso foi no sistema de temperatura. Baterias são criaturas muito chatas, tipo aquela namorada nova que seu brother leva pro churrasco da turma e fica reclamando o tempo todo que está frio está quente está tarde está chato blá blá blá.

Quando esfria demais, baterias perdem performance. Quando esquentam também. A Lua pode ser muito quente ou muito fria, variando de 127 ºC a – 173 ºC, mas como não há atmosfera, em pleno Sol a pino de 127 graus uma sombra pode está a – 100 ºC. O truque para manter as baterias aquecidas é usar um isolante térmico, mas quando elas esquentarem com o uso, com se livrar do calor?

Os engenheiros da Boeing, a parceira que a GM arrumou para a parte eletrônica, usaram como sistema de controle de temperatura… cera.

Fria, a cera mantém a bateria em uma temperatura razoável, isolando-a do frio do espaço. Quando a temperatura aumenta, o calor derrete a cera, evitando que a bateria se superaqueça. Quando o jipe lunar volta pra base, os astronautas levantam uma tampa com espelhos de silício que irradiam o excesso de calor das baterias para o espaço. A cera se solidifica de novo, a tampa fecha automaticamente.

Navegação

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De ponta a ponta a maior distância reta que o jipe lunar chegou do local do pouso foi 7 km. No mapa acima os pontos extremos atingidos pelo jipe lunar da Apollo 17 estão separados por 11 km. Como não andaram em linha reta, a distância total percorrida foi de 35,74 km. Parece pouco mas a Opportunity levou 10 anos para percorrer 40,25 km em Marte, e o Lunokhod 2, o robozinho lunar russo percorreu 39Km em 1973, durante 5 meses.

Se a idéia de estar a 7 km da mínima segurança do módulo de pouso, em um “carro” que você pode levantar com um braço, sentado em uma cadeira de praia e dependendo de tecnologia que só foi testada in loco duas vezes antes, imagine que não adianta olhar pro horizonte. Dado o tamanho da Lua, o horizonte fica só a 2,4 km. E bússolas não funcionam.

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A NASA limitou a distância máxima do módulo de pouso como sendo 9 km, calculando que seria possível caminhar de volta, em caso de emergência, mas havia outro problema: como se orientar. Mesmo que houvesse postos de gasolina na Lua, os astronautas eram homens, geneticamente impossibilitados de parar para pedir indicação. Seguir as marcas dos pneus nem sempre era possível e se você voltasse pelo exato mesmo caminho perderia a chance de explorar mais.

A solução foi a construção de um computador de navegação que utilizava sistemas inerciais junto com dados de velocidade e distância percorrida para calcular aonde o veículo está, e como voltar pro ponto de partida. Mesmo com uma precisão de apenas 100 metros no final do dia, era mais que suficiente para produzir um mapa bem preciso do terreno percorrido, e principalmente levar os caras de volta pra base.

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Controles

O painel do jipe lunar é de uma simplicidade só, com os instrumentos de navegação, controles para desligar e ligar a tração em cada uma das rodas, amperímetros e alertas de temperatura. O comando principal é a coluna de direção:

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Esquerda gira pra esquerda, direita gira pra direita, frente acelera, para trás freia e depois de zerar a velocidade, dá ré. O botão na coluna é para travar a ré. The end.

Os Problemas

Para equipamentos novos e não-testados, os jipes lunares funcionaram extremamente bem. Durante a Apollo 15, como já dito as rodas da frente resolveram não mudar de direção, mas foi só usar as traseiras. Na Apollo 16 John Young sem-querer quebrou um dos para-lamas de fibra de vidro, sem proteção a roda encheu o jipe de poeira, causando superaquecimento das baterias mas nada fora do tolerável.

Na Apollo 17 o atolado do Gene Cernan acertou outro para-lama com um martelo. Os astronautas tentaram consertar o para-lama, mas sem sucesso (DSCLP). Acabaram improvisando um para-lama novo usando alguns mapas e silvertape.

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Mãe, tou na Globo!

Outro equipamento que os jipes lunares levavam era uma câmera de TV, controlada da Terra. A NASA podia filmar os astronautas trabalhando, sem que eles tivessem que perder tempo cuidado de foco, apontar a câmera, etc.

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Um uso especial que a NASA queria para a câmera nos jipes lunares era filmar a partida, mas nas duas primeiras tentativas não conseguiram. Na última missão, a Apollo 17, quando humanos do planeta Terra pela última vez até hoje caminhariam na Lua, foi tudo planejado até o último segundo.

Com a limitação da velocidade da Luz (fuck you, Einstein), um comando enviado da Terra leva 3 segundos para chegar na Lua, e mais 3 segundos para retornar seu resultado. Era preciso sincronizar a operação da câmera com a voz dos astronautas, antecipando cada movimento deles em 6 segundos.

O operador nem olhou para o monitor, seu controle era uma lista de comandos coreografados com marcações de tempo, e o resultado foi magnífico:


Smithsonian National Air and Space Museum — Apollo 17 Liftoff from Moon - December 14, 1972

Conclusão:

O projeto e construção de quatro jipes lunares (3 para vôo e 1 para testes em terra) custou o equivalente em dinheiro atual a US$ 260 milhões, o que dá US$ 65 milhões por unidade, tornando o jipinho da NASA o carro mais caro do mundo. Isso por si só não é impressionante, qualquer shithole country consegue gastar fortunas com programa espacial, difícil é fazer isso com um prazo apertadíssimo e tudo funcionar perfeitamente.

Há horas e horas de vídeos da NASA mostrando as missões dos jipes lunares, mas este vídeo remasterizado restaurado e estabilizado chega a ser poético, é a culminação de um esforço gigantesco de milhares de pessoas, do engenheiro genial à tia aposentada que tecia o programa do computador usando agulhas de tricô, é a prova de que quando decidimos não ser idiotas ou selvagens, quando paramos mesmo que por um momento de pensar em matar o vizinho por ele ser da cor religião ou time errados, conseguimos criar coisas magníficas.


My Own Private Sky — Apollo 16 Lunar Rover "Grand Prix" [RESTORED][STABILIZED][60fps]

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